RESENHA 02
LEIS PENAIS ESPECIAIS
Assunto: Introdução à Lei de Drogas (11.343/2006)
1. Dos crimes e das penas
1.1 Natureza Jurídica do art. 28, da Lei de Drogas (LD)
Portar
droga para uso pessoal é crime?
Para
responder a este questionamento é necessário analisar o disposto na legislação
antiga. Vejamos o que dizia a Lei antiga (6.368/1976):
Art.
16. Adquirir, guardar ou trazer consigo, para o uso próprio, substância
entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização
ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - Detenção, de 6
(seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de (vinte) a 50 (cinqüenta)
dias-multa.
A
lei atual (11.343/2006) mudou radicalmente o tratamento dispensado ao usuário
de drogas, pois, ao contrário da legislação anterior que lhe destinava pena
privativa de liberdade, trabalha com a aplicação de sanções de natureza diversa
da prisão.
Eis
o artigo 28, da nova LD:
Art.
28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer
consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com
determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:
I
- advertência sobre os efeitos das drogas;
II
- prestação de serviços à comunidade;
III
- medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
§
1o Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo
pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena
quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou
psíquica.
§
2o Para determinar se a droga destinava-se a consumo
pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao
local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e
pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.
§
3o As penas previstas nos incisos II e III do caput
deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 5 (cinco) meses.
§
4o Em caso de reincidência, as penas previstas nos
incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10
(dez) meses.
§
5o A prestação de serviços à comunidade será cumprida
em programas comunitários, entidades educacionais ou assistenciais, hospitais,
estabelecimentos congêneres, públicos ou privados sem fins lucrativos, que se
ocupem, preferencialmente, da prevenção do consumo ou da recuperação de
usuários e dependentes de drogas.
§
6o Para garantia do cumprimento das medidas educativas
a que se refere o caput, nos incisos I, II e III, a que injustificadamente se
recuse o agente, poderá o juiz submetê-lo, sucessivamente a:
I
- admoestação verbal;
II
- multa.
§
7o O juiz determinará ao Poder Público que coloque à
disposição do infrator, gratuitamente, estabelecimento de saúde,
preferencialmente ambulatorial, para tratamento especializado.
Portanto,
pode-se dizer que a pena privativa de liberdade foi extirpada quando o assunto
é a punição do usuário de drogas. Diante desse cenário, muitos doutrinadores
passaram a advogar a tese de que ocorreu uma verdadeira descriminalização da
conduta, ou seja, portar drogas para consumo pessoal teria, em tese, deixado de
ser crime, sendo tal conduta transformada em uma infração sui generis.
A
este respeito, vejamos o posicionamento de Luiz
Flávio Gomes: "(...) a posse de droga para consumo pessoal passou a configurar uma infração sui
generis. Não se trata de "crime" nem de "contravenção
penal" porque somente foram cominadas penas alternativas, abandonando-se a
pena de prisão. De qualquer maneira, o fato não perdeu o caráter de ilícito
(recorde-se: a posse de droga não foi legalizada). Constitui um fato ilícito,
porém, "sui generis". Não se pode de outro lado afirmar que se trata
de um ilícito administrativo, porque as sanções cominadas devem ser aplicadas
não por uma autoridade administrativa, sim, por um juiz (juiz dos juizados ou
da vara especializada). Em conclusão: não é "crime" nem é "contravenção” nem é um
ilícito "administrativo": é um ilícito "sui
generis" (...)” (www3.lfg.com.br)
A
despeito do entendimento de nobres juristas, a discussão teve outro desfecho no
STF, ao decidir que a conduta descrita no art. 28, da LD, deve ser considerada
criminosa:
STF: I. POSSE DE DROGA PARA CONSUMO
PESSOAL: (art. 28 da L. 11.343/06 - nova lei de drogas): NATUREZA JURÍDICA DE
CRIME. 1. O art. 1º da LICP - que se limita a estabelecer um critério que
permite distinguir quando se está diante de um crime ou de uma contravenção -
não obsta a que lei ordinária superveniente adote outros critérios gerais de
distinção, ou estabeleça para determinado crime - como o fez o art. 28 da L.
11.343/06 - pena diversa da privação ou restrição da liberdade, a qual
constitui somente uma das opções constitucionais passíveis de adoção pela lei
incriminadora (CF/88, art. 5º, XLVI e XLVII). 2. Não se pode, na interpretação
da L. 11.343/06, partir de um pressuposto desapreço do legislador pelo
"rigor técnico", que o teria levado inadvertidamente a incluir as
infrações relativas ao usuário de drogas em um capítulo denominado "Dos
Crimes e das Penas", só a ele referentes. (L. 11.343/06, Título III,
Capítulo III, arts. 27/30). 3. Ao uso da expressão "reincidência",
também não se pode emprestar um sentido "popular", especialmente
porque, em linha de princípio, somente disposição expressa em contrário na L.
11.343/06 afastaria a regra geral do C. Penal (C. Penal, art. 12). 4. Soma-se a
tudo a previsão, como regra geral, ao processo de infrações atribuídas ao
usuário de drogas, do rito estabelecido para os crimes de menor potencial
ofensivo, possibilitando até mesmo a proposta de aplicação imediata da pena de
que trata o art. 76 da L. 9.099/95 (art. 48, §§ 1º e 5º), bem como a disciplina
da prescrição segundo as regras do art. 107 e seguintes do C. Penal (L. 11.343,
art. 30). 6. Ocorrência, pois, de "despenalização", entendida como
exclusão, para o tipo, das penas privativas de liberdade. 7. Questão de ordem
resolvida no sentido de que a L. 11.343/06 não implicou abolitio criminis
(C.Penal, art. 107). II. Prescrição: consumação, à vista do art. 30 da L.
11.343/06, pelo decurso de mais de 2 anos dos fatos, sem qualquer causa
interruptiva. III. Recurso extraordinário julgado prejudicado. (RE 430105 QO,
Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em
13/02/2007, DJe-004 DIVULG 26-04-2007 PUBLIC 27-04-2007 DJ 27-04-2007 PP-00069
EMENT VOL-02273-04 PP-00729 RB v. 19, n. 523, 2007, p. 17-21 RT v. 96, n. 863,
2007, p. 516-523)
Desse
modo, para o STF, o artigo 28 não significa uma “descriminalização” da
conduta posse de drogas para uso pessoal; muito menos uma abolitio criminis.
O que houve – isso sim – foi uma despenalização.
Algumas
consequências de ordem prática podem ser extraídas a partir desse entendimento:
I) Caso
o sujeito tenha sido condenado, antes da vigência da nova LD, a prática do
crime descrito no artigo 16 da lei revogada, essa condenação não deixou de ser
considerada criminosa, pois não houve abolitio criminis, ou seja,
essa condenação pode ser utilizada para forjar a reincidência, de acordo com a
lei penal (art. 63 e 64, CP).
Neste
sentido, o STJ tem o seguinte precedente:
HABEAS CORPUS. ESTUPRO E ATENTADO
VIOLENTO AO PUDOR. DOSIMETRIA. ART. 16 DA LEI 6.368/76. DESCRIMINALIZAÇÃO DA
CONDUTA. NÃO OCORRÊNCIA. MERA DESPENALIZAÇÃO. SUBSISTÊNCIA DA CONDENAÇÃO
ANTERIOR PARA FINS DE REINCIDÊNCIA. ILEGALIDADE NÃO DEMONSTRADA NESSE PONTO. 1.
Com o advento da nova Lei de Drogas, não houve descriminalização da conduta de
porte de substância entorpecente para consumo pessoal, mas mera despenalização.
Precedentes do STF e deste Superior Tribunal. 2. Verificado que os fatos antes
disciplinados no art. 16 da Lei 6.368/76 não deixaram de ser crime, já que o
advento da Lei 11.343/06 não implicou abolitio criminis dessa conduta, e
constatando-se a existência de uma condenação anterior transitada em julgado em
desfavor do paciente pelo cometimento desse delito, inviável acoimar de ilegal
a consideração da sua condição de reincidente. 2. Habeas corpus parcialmente
conhecido e, nessa extensão, denegada a ordem. (HC 163.287/SP, Rel. Ministro
JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 14/06/2011, DJe 28/06/2011)
II) De
igual forma, o porte de drogas para consumo pessoal por um reeducando pode e
deve ser considerado como uma falta grave nos termos da
LEP. Neste sentido, vejamos:
HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL.
PORTE DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. DESPENALIZAÇÃO. NATUREZA JURÍDICA. CRIME.
FALTA GRAVE CARACTERIZADA. INTERRUPÇÃO DO LAPSO PARA A PROGRESSÃO DE REGIME.
IMPOSSIBILIDADE. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. 1. Art. 28 da Lei n. 11.343/06.
Natureza jurídica da conduta: crime. O Supremo Tribunal Federal afirmou que a
despenalização operada pelo aludido diploma legislativo não acarretou a
descriminalização do fato, subsistindo a sua feição de crime. RE n. 430105 QO,
Relator: Min. SEPÚLVEDA PERTENCE. 2. O porte de drogas ilícitas para consumo é
crime, logo quem prática a conduta descrita no tipo, comete falta grave, nos
termos do art. 52 da LEP. 3. A Sexta Turma desta Corte Superior firmou o
entendimento de que, ante a ausência de previsão legal, o cometimento de falta
grave não interrompe o prazo para a progressão de regime. 4. Ordem
parcialmente concedida, a fim de afastar a interrupção da contagem do lapso
temporal para a progressão de regime, ante a perpetração de falta grave,
cabendo ao Juízo da Execução a análise dos demais requisitos objetivos e
subjetivos, nos termos do disposto no art. 112 da LEP. (HC 201.083/DF, Rel.
Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), SEXTA TURMA,
julgado em 09/08/2011, DJe 24/08/2011)
De
tudo o que foi exposto até agora, a conclusão a que se chega é que a conduta
descrita no artigo 28 (porte para consumo pessoal), não obstante descarte as
penas privativas de liberdade, é uma conduta criminosa. Respondendo à pergunta
inicial: ter a posse de drogas para consumo pessoal é crime.
A
título de complementação, vale lembrar que estamos diante de um crime de perigo
abstrato.
Relembrando:
os crimes de perigo podem ser divididos em dois grandes grupos: a) crimes de
perigo concreto; b) crimes de perigo abstrato.
No
primeiro caso, o “perigo” mencionado na conduta proibida deve ser comprovado no
caso concreto. Não há possibilidade de punição se não há – de fato – perigo na
conduta do agente. É o que ocorre, por exemplo, no artigo 306, do CTB, cuja
redação é a seguinte: “Art. 306. Dirigir veículo automotor, em via pública,
sem a devida permissão para dirigir ou habilitação ou, ainda, se cassado o
direito de dirigir, gerando perigo de dano”. A norma citada
exige, como parte integrante do tipo penal, a comprovação da possível
ocorrência de dano (“gerando perigo de dano”). Caso não haja perigo de
dano a conduta será considerada um indiferente penal (haverá atipicidade).
Confira-se a este respeito, o entendimento do STJ:
CRIMINAL. HC. DIRIGIR VEÍCULO SEM
HABILITAÇÃO. REVOGAÇÃO PARCIAL DO ART. 32 DA LEI DAS CONTRAVENÇÕES PENAIS.
INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA. INOCORRÊNCIA DE PERIGO CONCRETO. ATIPICIDADE. ORDEM
CONCEDIDA. A Lei n.º 9.503/97 regulou todas as ações relativas ao direito penal
do trânsito terrestre de qualquer natureza, revogando parcialmente o art. 32 da
Lei das Contravenções Penais e fazendo com que a simples conduta de dirigir sem
habilitação subsista como infração administrativa. Não há que se falar em
tipicidade da conduta praticada pelo paciente, se não restou evidenciada a
configuração de situação risco real, de perigo concreto, imprescindível para
caracterizar o crime previsto no art. 309 do Código de Trânsito Brasileiro.
Ordem concedida para cassar o acórdão recorrido, bem como a sentença
monocrática. (HC 17.046/SP, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em
18/09/2001, DJ 29/10/2001, p. 229)
No
segundo caso, ou seja, nos crimes de perigo abstrato, o
legislador baseado em dados empíricos, frutos de pesquisa e estudos, conclui
que determinada conduta deve ser criminalizada independentemente da lesão ou “séria
possibilidade de lesão” a determinado bem jurídico. Aqui o perigo de dano é
abstrato. Nestes casos, há verdadeira presunção de que
a conduta representa risco ao bem jurídico, daí ser desnecessária a comprovação
do risco[1]. Algumas vozes já se levantaram contra a
possibilidade de condenação fundamentada apenas em uma presunção de risco,
argumentando que o direito penal não pode trabalhar com suposições, já que a
doutrina penal está baseada no princípio da ofensividade ou lesividade,
de maneira que seria inconstitucional qualquer condenação que não estivesse
baseada em um dano concreto (efetivo) ou pelo menos a prova efetiva do risco de
dano.
Em
que pese a insurgência doutrinária, prevalece o entendimento de que as
condutas, mesmo aquelas que indicam a ocorrência de crimes de perigo abstrato
ao bem jurídico tutelado são constitucionais, e, muitas vezes, são mais
apropriadas para a regulação social, como ocorre nos crimes ambientais, crimes
contra a saúde, etc.
O
STJ tem referendado os crimes de perigo abstrato, senão vejamos a recente
decisão que, embora trate da questão do porte de arma, pode ser perfeitamente
utilizado para ilustrar a questão das drogas, pois tem a mesma temática:
PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL
NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO E
DISPARO DE ARMA DE FOGO. TIPO PENAL DO ART. 16, CAPUT, DA LEI 10.826/03. CRIME
DE PERIGO ABSTRATO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 83/STJ. RECURSO ESPECIAL FUNDADO NA
ALÍNEA C DO PERMISSIVO CONSTITUCIONAL. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO
DEMONSTRADO. I. Segundo o entendimento deste eg. Superior Tribunal de Justiça,
os crimes previstos nos arts. 14 e 16 da Lei n. 10.826/2003 são de perigo
abstrato, suficiente, portanto, a prática do núcleo do tipo "ter em
posse" ou "portar", sem autorização legal, para a caracterização
da infração penal, pois são condutas que colocam em risco a incolumidade
pública, independentemente de a munição vir ou não acompanhada de arma de fogo.
Incidência da Súmula 83/STJ. II. O recurso especial interposto com fulcro no
art. 105, inciso III, alínea c, da Constituição Federal exige a demonstração do
dissídio jurisprudencial, através da realização do indispensável cotejo
analítico, para demonstrar a similitude fática entre o v. acórdão recorrido e o
eventual paradigma (arts. 541, parágrafo único, do CPC e 255, § 2º, do RISTJ),
o que não ocorreu na espécie. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp
577.169/SC, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 17/03/2015,
DJe 23/03/2015)
1.2 Princípio da insignificância e a nova Lei de Drogas (LD)
PERGUNTA:
É possível invocar o princípio da insignificância (ou crime de bagatela), no
caso do delito do art. 28, da LD?
De
acordo com o glossário jurídico do portal do STF, “o princípio da
insignificância tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade
penal, ou seja, não considera o ato praticado como um crime, por isso, sua
aplicação resulta na absolvição do réu e não apenas na diminuição e substituição
da pena ou não sua não aplicação. Para ser utilizado, faz-se necessária a
presença de certos requisitos, tais como: (a) a mínima ofensividade da conduta
do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo
grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão
jurídica provocada (exemplo: o furto de algo de baixo valor). Sua aplicação
decorre no sentido de que o direito penal não se deve ocupar de condutas que
produzam resultado cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a
bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo
importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da
própria ordem social”. (www.stf.jus.br)
Assim,
aplicar o princípio da insignificância a determinada conduta prevista no
ambiente penal significa reconhecer a atipicidade da
conduta, fazendo com que tal fato não seja relevante para o direito penal. Isso
ocorre porque atualmente a tipicidade não é visualizada do ponto de vista
estritamente formal. Ao discorrer sobre o tema BRASILEIRO (2014, p. 709)
assevera que “só se pode admitir a intervenção do Direito Penal quando
estritamente necessária à proteção de pessoas, da sociedade e de outros bens
jurídicos que lhe sejam essenciais, e apenas naqueles casos em que os valores
penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de
significativa lesividade – tipicidade material. Afinal, por sua natureza
fragmentária e subsidiária, o Direito penal não deve se ocupar de bagatelas”.
Conclui-se,
desse modo, que o princípio da insignificância representa, dentro do contexto
em exame, uma causa de exclusão da tipicidade material, sendo essa
a sua natureza jurídica.
O
STJ possui entendimento no sentido da não aplicação do
princípio da insignificância quando o assunto é a conduta do artigo 28, da LD,
ou seja, porte para consumo próprio, pois, essa “pequena quantidade”,
segundo pensa o STJ, é parte do tipo penal. Certamente o usuário não irá, de
fato, portar grandes quantidades de drogas. De igual modo, o STJ entende que
não é indicada a aplicação do princípio em tela tendo em vista que o consumo de
drogas acaba por ser o motor de inúmeros outros delitos, tais como roubos,
porte de arma, homicídios, furtos, etc. Por fim, o STJ vê na conduta do artigo
28, da LD, um crime de perigo abstrato, daí ser dispensável a comprovação de
qualquer dano para efeito de condenação.
Vejamos
a essência da jurisprudência do STJ e STF[2]:
(STJ):
RECURSO EM HABEAS CORPUS. PORTE DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE PARA CONSUMO
PRÓPRIO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL
NÃO EVIDENCIADO. 1. Independentemente da quantidade de drogas apreendidas, não
se aplica o princípio da insignificância aos delitos de porte de substância
entorpecente para consumo próprio e de tráfico de drogas, sob pena de se ter a
própria revogação, contra legem, da norma penal incriminadora. Precedentes. 2.
O objeto jurídico tutelado pela norma do artigo 28 da Lei n. 11.343/2006 é a
saúde pública, e não apenas a do usuário, visto que sua conduta atinge não
somente a sua esfera pessoal, mas toda a coletividade, diante da potencialidade
ofensiva do delito de porte de entorpecentes. 3. Para a caracterização do
delito descrito no artigo 28 da Lei n. 11.343/2006, não se faz necessária a
ocorrência de efetiva lesão ao bem jurídico protegido, bastando a realização da
conduta proibida para que se presuma o perigo ao bem tutelado. Isso porque, ao
adquirir droga para seu consumo, o usuário realimenta o comércio nefasto, pondo
em risco a saúde pública e sendo fator decisivo na difusão dos tóxicos. 4. A
reduzida quantidade de drogas integra a própria essência do crime de porte de
substância entorpecente para consumo próprio, visto que, do contrário,
poder-se-ia estar diante da hipótese do delito de tráfico de drogas, previsto
no artigo 33 da Lei n. 11.343/2006. 5. Recurso em habeas corpus não
provido. (RHC 37.094/MG, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA,
julgado em 04/11/2014, DJe 17/11/2014)
(STF) PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 28
DA LEI 11.343/2006. PORTE ILEGAL DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. EXTINÇÃO DA
PUNIBILIDADE. RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL.
ÍNFIMA QUANTIDADE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. PERICULOSIDADE
SOCIAL DA AÇÃO. EXISTÊNCIA. CRIME DE PERIGO ABSTRATO OU PRESUMIDO. PRECEDENTES.
WRIT PREJUDICADO. I - Com o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva
estatal, não mais subsiste o alegado constrangimento ilegal suportado pelo
paciente. II – A aplicação do princípio da insignificância de modo a tornar a
conduta atípica exige sejam preenchidos, de forma concomitante, os seguintes
requisitos: (i) mínima ofensividade da conduta do agente; (ii) nenhuma
periculosidade social da ação; (iii) reduzido grau de reprovabilidade do
comportamento; e (iv) relativa inexpressividade da lesão jurídica. III – No
caso sob exame, não há falar em ausência de periculosidade social da ação, uma
vez que o delito de porte de entorpecente é crime de perigo presumido. IV – É firme a jurisprudência desta Corte no
sentido de que não se aplica o princípio da insignificância aos delitos
relacionados a entorpecentes. V – A Lei 11.343/2006, no que se refere ao
usuário, optou por abrandar as penas e impor medidas de caráter educativo,
tendo em vista os objetivos visados, quais sejam: a prevenção do uso indevido
de drogas, a atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas.
VI – Nesse contexto, mesmo que se trate de porte de quantidade ínfima de droga,
convém que se reconheça a tipicidade material do delito para o fim de reeducar
o usuário e evitar o incremento do uso indevido de substância entorpecente. VII
– Habeas corpus prejudicado. (HC 102940, Relator(a): Min. RICARDO
LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 15/02/2011, DJe-065 DIVULG 05-04-2011
PUBLIC 06-04-2011 EMENT VOL-02497-01 PP-00109)
Quando
a conduta é tráfico (art. 33, LD), de igual modo, o STJ entende que:
PROCESSO PENAL E PENAL. HABEAS
CORPUS. SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL, ORDINÁRIO OU REVISÃO CRIMINAL. NÃO
CABIMENTO. TRÁFICO DE DROGAS. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.
INAPLICABILIDADE. PEQUENA QUANTIDADE. PRECEDENTES. 2. Prevalece nesta Corte e no Supremo Tribunal
Federal, o entendimento de que afigura-se inaplicável o princípio da
insignificância ao delito de tráfico ilícito de drogas, pois trata-se de crime
de perigo presumido ou abstrato, onde mesmo a pequena quantidade de droga
revela risco social relevante. 3. Habeas corpus não conhecido. (HC
195.985/MG, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 09/06/2015,
DJe 18/06/2015)
Questão
interessante é a aquela que envolve menor. Pode o menor ser condenado à
internação quando pratica o ato infracional semelhante à conduta do artigo 28,
da LD? A resposta é negativa. Vejamos, a título de exemplo, uma recente decisão
do STJ:
“HABEAS CORPUS” – IMPETRAÇÃO
DEDUZIDA CONTRA DECISÃO MONOCRÁTICA DE MINISTRO DE TRIBUNAL SUPERIOR DA UNIÃO –
HIPÓTESE DE INCOGNOSCIBILIDADE DO “WRIT” CONSTITUCIONAL – DIRETRIZ
JURISPRUDENCIAL FIRMADA POR AMBAS AS TURMAS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL –
RESSALVA DA POSIÇÃO PESSOAL DO RELATOR DESTA CAUSA, QUE ENTENDE CABÍVEL O
“WRIT” CONTRA DECISÕES MONOCRÁTICAS – CONFIGURAÇÃO, ENTRETANTO, DE EVIDENTE
SITUAÇÃO DE INJUSTO CONSTRANGIMENTO AO “STATUS LIBERTATIS” DO PACIENTE –
IMPOSIÇÃO DE MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO A ADOLESCENTE QUE PRATICOU ATO
INFRACIONAL EQUIPARADO AO DELITO PREVISTO NO ART. 28 DA LEI Nº 11.343/2006,
PARA O QUAL NÃO SE COMINA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE, MAS, TÃO SÓ, PENA
MERAMENTE RESTRITIVA DE DIREITOS – SITUAÇÃO DE INJUSTO CONSTRANGIMENTO
CONFIGURADA – “HABEAS CORPUS” NÃO CONHECIDO – ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. – A
criança e o adolescente recebem especial amparo que lhes é dispensado pela
própria Constituição da República, cujo texto consagra, como diretriz
fundamental e vetor condicionante da atuação da família, da sociedade e do
Estado (CF, art. 227), o princípio da proteção integral. – O sistema de direito
positivo, ao dispor sobre o menor adolescente em situação de conflito com a
lei, nas hipóteses em que venha ele a cometer ato infracional – a cuja prática
se estende o princípio da insignificância (HC 102.655/RS, Rel. Min. CELSO DE
MELLO, v.g.) –, objetiva implementar programas e planos de atendimento
socioeducativo, cuja precípua função – entre aquelas definidas na Lei nº
12.594/2012 – consiste em promover a integração social do adolescente,
garantindo-lhe a integridade de seus direitos, mediante execução de plano
individual de atendimento, respeitados, sempre, o estágio de desenvolvimento e
a capacidade de compreensão do menor inimputável. – Revela-se contrário ao
sistema jurídico, por subverter o princípio da proteção integral do menor
inimputável, impor ao adolescente – que eventualmente pratique ato infracional
consistente em possuir drogas para consumo próprio – a medida extraordinária de
internação, pois nem mesmo a pessoa maior de dezoito anos de idade, imputável,
pode sofrer a privação da liberdade por efeito de transgressão ao art. 28 da
Lei nº 11.343/2006. Precedente. (HC 124682, Relator(a): Min. CELSO DE
MELLO, Segunda Turma, julgado em 16/12/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-037 DIVULG
25-02-2015 PUBLIC 26-02-2015)
Por
fim, os tribunais superiores, STF e STJ entendem que o militar que pratica a
conduta do artigo 28, da LD, seja porte para consumo pessoal ou
mesmo o tráfico dentro das dependências militares, não
faz jus à aplicação do princípio da insignificância.
HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL.
PENAL. CRIME DE POSSE DE DROGA EM RECINTO CASTRENSE. ALEGAÇÃO DE INCOMPETÊNCIA
DA JUSTIÇA MILITAR. MATÉRIA NÃO APRECIADA PELO SUPERIOR TRIBUNAL MILITAR.
IMPOSSIBILIDADE DE SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. INAPLICABILIDADE DO RITO DA LEI N.
11.719/2008 E DA LEI DE DROGAS NO ÂMBITO MILITAR. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO
DA INSIGNIFICÂNCIA E INEXISTÊNCIA DE AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DA
PROPORCIONALIDADE E DA ESPECIALIDADE. PRECEDENTES. DENEGAÇÃO DA ORDEM. 1. A
jurisprudência predominante do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que não
se pode mesclar o regime penal comum e o castrense, de modo a selecionar o que
cada um tem de mais favorável ao acusado, devendo ser reverenciada a
especialidade da legislação processual penal militar e da justiça castrense,
sem a submissão à legislação processual penal comum do crime militar
devidamente caracterizado. Precedentes. 2. O princípio do pas de nullité sans grief exige,
sempre que possível, a demonstração de prejuízo concreto pela parte que suscita
o vício. Precedentes. Prejuízo não demonstrado pela defesa. 3. A posse, por militar, de substância
entorpecente, independentemente da quantidade e do tipo, em lugar sujeito à
administração castrense (art. 290, caput, do Código Penal Militar), não
autoriza a aplicação do princípio da insignificância. O art. 290, caput,
do Código Penal Militar não contraria o princípio da proporcionalidade e, em
razão do critério da especialidade, não se aplica a Lei n. 11.343/2006. 4.
Habeas corpus denegado. (HC 119458, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA,
Segunda Turma, julgado em 25/03/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-066 DIVULG
02-04-2014 PUBLIC 03-04-2014)
[1] “Os crimes
de perigo abstrato são os que prescindem de comprovação da
existência de situação que tenha colocado em risco o bem jurídico tutelado, ou
seja, não se exige a prova de perigo real, pois este é presumido pela norma,
sendo suficiente a periculosidade da conduta, que é inerente à ação”. (STJ, RHC
33354/MT, 2013)
[2] Uma
observação deve ser feita. A primeira turma do STF, em algumas decisões tem
aplicado o princípio da bagatela, vejamos: “PENAL. HABEAS CORPUS. ARTIGO 28
DA LEI 11.343/2006. PORTE ILEGAL DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. ÍNFIMA QUANTIDADE.
PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. WRIT CONCEDIDO. 1. A aplicação do
princípio da insignificância, de modo a tornar a conduta atípica, exige sejam
preenchidos, de forma concomitante, os seguintes requisitos: (i) mínima
ofensividade da conduta do agente; (ii) nenhuma periculosidade social da ação;
(iii) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e (iv) relativa
inexpressividade da lesão jurídica. 2. O sistema jurídico há de considerar a
relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de
direitos do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à
própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes
sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente
tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa
lesividade. O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam
resultado cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens
jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante,
seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem
social. 3. Ordem concedida.” (HC 110475, Relator(a): Min. DIAS
TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 14/02/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-054
DIVULG 14-03-2012 PUBLIC 15-03-2012 RB v. 24, n. 580, 2012, p. 53-58)
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