Lei de Drogas - Panorama Geral (Leia todo o texto, clique aqui)

RESENHA 01

LEIS PENAIS ESPECIAIS

Assunto: Introdução à Lei de Drogas (11.343/2006)

1.     Panorama geral da lei

Atualmente as drogas são consideradas um problema de saúde pública, portanto, merecem um tratamento adequado. O sistema tradicional de combate, principalmente através da aplicação das clássicas penas restritivas, demonstrou, com o passar dos anos, que era ineficiente. Diante desse contexto, editou-se a lei 11.343/2006 que diversifica a forma de tratamento do problema.

O art. 1º da Lei é claro no sentido de que é necessário um tratamento diferenciado. Não é recomendável tratar o usuário do mesmo modo que o traficante. Dessa forma, a nova lei inovou o ordenamento jurídico brasileiro prevendo medidas diferenciadas ao “porte para uso”, abolindo a aplicação de pena privativa de liberdade.

A Lei ainda regulamenta, nos artigos 20 a 26, medidas voltadas à redução de danos (ex. a distribuição de seringas aos usuários), e, somente no artigo 31 em diante é que trata da repressão ao tráfico e à produção não autorizada de drogas ilícitas, estabelecendo um procedimento criminal diferenciado com o propósito de melhor atender – do ponto de vista processual – o problema do tráfico de drogas, inclusive, redimensionando as penas para os delitos de natureza internacional, dada a sua maior gravidade.

Portanto, a lei de drogas tem esse panorama geral.

2.     Conceito de drogas

Do ponto de vista jurídico (Art. 1.º, LD) drogas são: as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União”.

Desse modo, a lista das substâncias qualificadas como drogas, e, portanto, passíveis de repressão por parte do Estado é criada pelo Poder Executivo por meio de portaria da ANVISA (344/98), daí, pode-se afirmar que o conceito de drogas é norma penal em branco, ou seja, demanda um complemento, no preceito primário, por outra norma (Lei, decreto, portaria, etc.) para a exata compreensão do alcance proibitivo da norma a ser complementada.

Muito já se questionou a respeito da validade e constitucionalidade dessa norma penal em branco. O judiciário, porém, refutou as alegações de inconstitucionalidades, vejamos:

APELAÇÃO CRIMINAL - SENTENÇA CONDENATÓRIA - TRÁFICO DE DROGAS - PRETENSÃO RECURSAL - PRELIMINAR - INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 33 E 44, DA LEI 11.343/2006 - FUNDAMENTAÇÃO - NORMA NÃO ESTABELECEU O QUE SERIA DROGA - NORMA INFERIOR (PORTARIA DA ANVISA) - LEI DE DROGAS É UMA NORMA PENAL EM BRANCO - IMPROCEDÊNCIA - MÉRITO - ABSOLVIÇÃO - REALIDADE DELITIVA E AUTORIA DEVIDAMENTE DEMONSTRADAS - CONTEXTO PROBATÓRIO TRADUTOR DA TRAFICÂNCIA E DA AUTORIA DO APELANTE - ABSOLVIÇÃO INVIABILIZADA - ALTERNATIVAMENTE - DESCLASSIFICAÇÃO PARA FAVORECIMENTO REAL - IMPOSSIBILIDADE - REDIMENSIONAMENTO DA PENA - ELEVAÇÃO DO QUANTUM APLICADO NA CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO DA PENA - PENA PROPORCIONALMENTE APLICADA - SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS - IMPOSSIBILLIDADE - REGIME DE CUMPRIMENTO FIXADO NO HABEAS CORPUS Nº. 29.682/2011 - RECURSO IMPROVIDO. A lei de drogas por ser uma norma penal em branco, não é destituída de preceito, isto é, a complementação não cria conduta nova não prevista pela lei penal, e, por isso, uma vez exeqüível (complementadas), não ofendem a reserva legal, não padecendo, assim, de inconstitucionalidade. Ademais, a própria lei determina que o Poder Executivo da União especifique o que será considerado como droga, assim, não padece de vício a legislação atacada pelo apelante. Lastreando-se a sentença condenatória em elementos probatórios válidos e que confortam a certeza quanto à ocorrência do crime previsto no artigo 33, caput, da Lei 11.343/2006, a manutenção do édito condenatório é medida de rigor. (Ap 47292/2011, DES. RUI RAMOS RIBEIRO, PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL, Julgado em 13/03/2012, Publicado no DJE 30/03/2012)

Com efeito, “ainda que determinada substância seja capaz de causar dependência física ou psíquica, se ela não constar da portaria SVS/344/98, não haverá tipicidade” (BRASILEIRO, pág. 702), pois não teremos, ao menos do pondo de vista da estrita legalidade (art. 1º, CP), uma “droga” a possibilitar a incidência da lei 11.343/2006.

Questão interessante é a seguinte: bebida alcóolica é considerada droga? Não, apesar dos seus efeitos nocivos e que podem causar dependência, o álcool é considerado uma droga lícita, uma vez que não está inserida no rol da portaria da ANVISA.  

Atenção: a doutrina entende que uma vez alterada a lista que define as drogas para retirar determinada substância do rol de proibição, é possível a aplicação retroativa da norma, pois, trata-se de uma hipótese de abolitio criminis (Art. 2º, CP).
Não podemos deixar de mencionar ainda, a questão das substâncias psicotrópicas utilizadas em rituais religiosos ou místicos como o “Santo Daime”. Para estas hipóteses, a lei cria uma ressalva quanto a sua utilização no artigo 2º, sendo essa prática considerada parte da cultura dos povos da Amazônia, e, portanto, respeitada pelo Estado brasileiro.

Outro ponto interessante é o que vem ocorrendo em algumas decisões judiciais que autorizam a importação de medicamentos à base de canabis sativa (maconha) para tratamento de doenças. Exemplo mais recente ocorreu na justiça federal de Brasília, onde, sucintamente, o juiz federal que concedeu a liminar justifica: “Neste momento, pelos progressos que a autora tem apresentado com o uso da substância, com uma sensível melhora da qualidade de vida, seria absolutamente desumano negar-lhe a proteção requerida. [...] Antecipo os efeitos da tutela para determinar à Anvisa que se abstenha de impedir a importação, pela autora, da substância Canabidiol (CBD), sempre que houver requisição médica”.

Para o magistrado, “não se pretende com a presente demanda fazer apologia do uso terapêutico da cannabis sativa, a maconha”. O juiz citou estudos que mostram que o Canabidiol é extraído da maconha, mas não tem, contudo, efeitos entorpecentes: “A substância revelou-se eficaz na atenuação ou bloqueio das convulsões e, no caso particular da autora, fundamental na debelação das crises recorrentes produzidas pela doença de que está acometida, dando-lhe uma qualidade de vida jamais experimentada”.

Vale lembrar também que a importação de medicamento sem qualquer registro na ANVISA é, em tese, considerado um ilícito penal (Art. 273, § 1º, CP). Há, contudo, decisões no sentido de que se a conduta não tem o condão de afetar gravemente a saúde pública, há que ser desclassificada para o delito do artigo 334, do código penal (que é uma espécie de norma geral – contrabando ou descaminho), em atenção também ao princípio da insignificância ou bagatela. Desse modo, vejamos:

PENAL E PROCESSUAL. ART. 273, § 1º-B, INCISOS I E V, DO CP. RESPONSABILIDADE CRIMINAL COMPROVADA. IMPORTAÇÃO DE MEDICAMENTOS EM PEQUENA QUANTIDADE. RECLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA PARA CONTRABANDO. CABIMENTO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. CONDIÇÕES PESSOAIS. IRRELEVÂNCIA. ABSOLVIÇÃO. 1. Materialidade e autoria devidamente demonstradas. 2. Tratando-se de pequena quantidade de medicamentos internalizada em solo pátrio sem a regular documentação e autorização da ANVISA e, tendo em conta a utilização do princípio da proporcionalidade em relação ao apenamento previsto para ambos os delitos, mostra-se correta a reclassificação fático-jurídica para o crime de contrabando (art. 334, do CP). 3. Na hipótese, em face da diminuta quantidade de fármacos introduzidos, incapaz de causar lesão à saúde pública e ao erário, cabível a aplicação do princípio da insignificância. 4. Condições pessoais do agente e possível propensão delitiva não se prestam para afastar referido preceito. (TRF4, ACR 0002585-29.2008.404.7200, Sétima Turma, Relator Élcio Pinheiro de Castro, DJ 19/01/2012, grifei)

Outra decisão do mesmo teor:

PENAL. IMPORTAÇÃO DE MEDICAMENTOS. QUANTIDADE NÃO EXPRESSIVA. CONTRABANDO. CARACTERIZAÇÃO. O agente que importa clandestinamente medicamentos em pequenas quantidades - não representando a conduta, portanto, especial potencial lesivo à saúde pública - incide na pena do crime definido no art. 334do CP, em detrimento do delito do artigo 273, § 1º-B, do CP, destinado à internalização irregular de fármacos em larga escala. Precedentes da Corte. (TRF4, ACR 0001958-28.2008.404.7102, Oitava Turma, Relator p/ Acórdão Paulo Afonso Brum Vaz, DJ 27/03/2012, grifei)


  




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