RESENHA 03
LEIS
PENAIS ESPECIAIS
1. Condutas do artigo 28, da LD – tipo
misto alternativo
O
artigo 28, da LD, possui cinco condutas distintas, a saber: adquirir,
guardar, trazer consigo, ter em depósito, transportar. A prática de uma ou
mais dessas condutas sujeita o agente à imputação de um único crime, pois o
artigo 28 da LD trabalha com o conceito de “crime de ação múltipla”.
Assim, mesmo que o sujeito “adquira” e posteriormente “transporte” a droga para
consumo pessoal, em regra, ser-lhe-á imputado um só crime, não se tratando, em
regra, de concurso de crimes.
De
acordo com a sistemática penal, caso o agente pratique mais de uma conduta
descrita no tipo, o juiz deverá levar em conta tal circunstância na 1ª fase de
aplicação da pena, ou seja, quando estiver analisando as circunstâncias
judiciais (Artigo 59, do CP), mais precisamente na análise da culpabilidade.
Observa-se
que a conduta “consumir” droga não é arrolada no núcleo de
condutas do artigo 28, da LD, ou seja, consumir drogas não é crime. O que o
artigo 28 repreende são outras condutas conforme ressaltado. Desse modo, o
agente flagrado “consumindo” droga não responderá pelo consumo em
si, mas certamente será responsabilizado pelo porte, já que a atividade “consumir”
não integra o rol de condutas proibidas no caput do artigo 28
da LD. O que a lei não descreve não é crime!
E
se uma pessoa, por exemplo, um amigo do agente, portanto, pessoa próxima,
adquira a droga – sem o conhecimento daquele – e ambos passem a consumi-la? Os
dois respondem pelo crime do artigo 28, da LD?
Neste
caso específico, como não houve a anuência do agente, aliás, o mesmo sequer
sabia que seu amigo adquiriu e estava portando
drogas para consumo pessoal, não há como responsabilizar ambos pelo
delito de porte para consumo pessoal. No caso em tela, o agente que não tinha
conhecimento de nada não pode ser apenado, com fundamento no art. 28, pois ele
apenas “consumiu” a droga, e, como visto, o ato de “consumir
droga” não está arrolado entre as condutas proibidas no caput do
artigo 28, da LD.
Desse
modo, se houve consumo imediato – não restando
fragmentos aptos à realização de exame pericial – não há como incriminar o
agente que apenas “participou” da relação de consumo de drogas.
Vale lembrar que o laudo pericial (quanto à substância) é considerado pela
doutrina como essencial à comprovação da materialidade do crime. Veja:
HABEAS CORPUS. CRIMES CONTRA A
ORDEM TRIBUTÁRIA, LAVAGEM DE DINHEIRO, TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE
DROGAS. CONDENAÇÃO. AUSÊNCIA DE LAUDO TOXICOLÓGICO. MATERIALIDADE DELITIVA NÃO
COMPROVADA QUANTO AOS DELITOS DE TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. NULIDADE
ABSOLUTA. DEMAIS DELITOS. DISPENSABILIDADE. 1. A feitura e juntada aos autos do laudo toxicológico é indispensável
para a comprovação da materialidade do delito de tráfico de drogas. Ao
se constatar a ausência do laudo pericial da substância entorpecente, o
processo deve ser anulado para que seja procedida à realização dos respectivos
exames periciais e a devida intimação das partes. Precedentes. 2. O laudo de
constatação provisório é suficiente para a lavratura do auto de prisão em
flagrante e da oferta de denúncia, entretanto, não supre a ausência do laudo
definitivo - cuja ausência gera nulidade absoluta, pois que afeta o interesse
público e diz respeito à própria prestação jurisdicional. Precedentes desta
Corte. 3. No caso, verifica-se que o Paciente está sendo processado pelo delito
de tráfico de drogas sem a realização sequer do laudo de constatação provisório,
somente tendo sido realizado o exame da aeronave onde os resquícios da droga
teriam sido encontrados, restando evidenciado, assim, o constrangimento ilegal.
4. Vencida a Relatora, que entendia que se mostrava dispensável o laudo
toxicológico quanto aos demais crimes imputados ao Paciente, na medida em que
não constituem delitos que deixam vestígio. Habeas corpus parcialmente
concedido para, quanto aos delitos de tráfico e associação para o tráfico de
drogas, declarar a nulidade da denúncia e subsequente aditamento. (HC
139.231/MS, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 01/09/2011, DJe
17/11/2011)
É
obvio que o sujeito que adquiriu a droga poderá ser condenado desde que haja
prova a respeito de tais condutas. É válido citar, embora se trate de um caso
que abordou a questão quando da vigência da lei antiga, que o STF possui o
mesmo entendimento:
ENTORPECENTES: POSSE PARA USO
PRÓPRIO: INEXISTÊNCIA DO CRIME OU, DE QUALQUER SORTE, DE PROVA INDISPENSÁVEL À
CONDENAÇÃO: HABEAS CORPUS DEFERIDO POR FALTA DE JUSTA CAUSA. 1. É mais que
razoável o entendimento dos que entendem não realizado o tipo do art. 16 da Lei
de entorpecentes (L. 6.368/76) na conduta de quem, recebendo de terceiro a
droga, para uso próprio, incontinenti, a consome: a incriminação do porte de
tóxico para uso próprio só se pode explicar - segundo a doutrina subjacente à
lei - como delito contra a saúde pública, que se insere entre os crimes contra
a incolumidade pública, que só se configuram em fatos que "acarretam situação
de perigo a indeterminado ou não individuado grupo de pessoas" (Hungria).
2. De qualquer sorte, conforme jurisprudência sedimentada, o exame toxicológico
positivo da substância de porte vedado é elemento essencial à validade da
condenação pelo crime cogitado, o que pressupõe sua apreensão na posse do
agente e não de terceiro: impossível,
assim, imputar a alguém a posse anterior do único cigarro de maconha que teria
fumado em ocasião anterior, se só se pode apreender e submeter à perícia
resíduos daquela encontrados com o outro acusado, em contexto diverso.
(HC 79189, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado
em 12/12/2000, DJ 09-03-2001 PP-00103 EMENT VOL-02022-01 PP-00193)
2. Elemento subjetivo (tipo subjetivo)
Outra
questão merece cuidado especial! Trata-se da análise do tipo subjetivo ou
elemento subjetivo do crime previsto no artigo 28 da LD. Primeiramente o delito
só é punido a título de “dolo”. Não há, portanto, conduta
culposa. Por outro lado, a lei exige dolo específico (elemento subjetivo
especial), inserto na expressão “para consumo pessoal”. Essa análise
pode ser o diferencial entre o crime de tráfico (art.
33) e o de posse para consumo pessoal (art. 28). Com
essa exigência o delito do artigo 28, da LD, é considerado pela doutrina um
delito incongruente.
PERGUNTA:
O que significa isso?
Muito
simples! Crimes incongruentes são aqueles que exigem – além do elemento
subjetivo –, como, in casu, o dolo, outro elemento subjetivo
(elemento subjetivo especial). Nada mais que uma intenção especial do sujeito.
Observe, por exemplo, o artigo 158, do CP:
Art. 158. Constranger alguém,
mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou
para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar
fazer alguma coisa:
Eis
que a lei penal exige, além do dolo na conduta central outro elemento subjetivo
que vai além, ou seja, que lhe é transcendental, marcado pela expressão “com
o intuito de obter para si ou para outrem”.
No
artigo 28, temos o mesmo, pois a lei exige, além do dolo, outro requisito: “para
consumo pessoal”. O fato de a lei exigir esse “plus” é o que
qualifica a conduta como um delito incongruente, justamente em razão dessa
exigência a mais. Em outros casos, quando não há qualquer exigência extra, a
doutrina fala em delitos congruentes, onde a adequação
típica é simples e vinculada apenas a um elemento subjetivo central (dolo ou
culpa), sem qualquer especial fim de agir.
3. Tráfico (art. 33, LD) X porte para
consumo pessoal (art. 28, LD)
PERGUNTA:
É possível estabelecer objetivamente a diferença entre tráfico e porte para
consumo pessoal? Qual ou quais os parâmetros para tanto?
A
pergunta acima é de fundamental importância, principalmente tendo em vista a
natureza e quantidade de penas que varia muito.
Na
medida em que não existe um critério “objetivo fechado”, a lei
brasileira atribui ao juiz o exame de cada situação, não obstante a
classificação inicial atribuída pela autoridade policial, por força do artigo
52, I, da LD[1]. Portanto, não adotamos o critério da quantificação
legal para a diferenciação entre o tráfico e o crime de porte para uso
pessoal. Por esse critério há uma quantidade máxima de droga para consumo
diário (uma espécie de estimativa), sendo que a partir do momento em que essa “quantidade máxima”
é extrapolada o crime deixa de ser porte para consumo pessoal e passa a ser
tráfico. De igual modo, pairando dúvida, essa deve ser favorável ao réu[2].
Diversos
países já estabeleceram parâmetros e, assim, uma presunção relativa sobre o que
poderia ser cientificamente considerado como quantidade razoável de droga para
consumo pessoal (fonte: www.justica.pr.gov.br) Vejamos:
PAÍS
|
QUANTIDADE PERMITIDA
– Maconha /Cocaína
|
Alemanha
|
De 6 a 30 g*
(Maconha) / 50mg (Cocaína)
|
Áustria
|
2g (Maconha) / 1.5g
(Cocaína)
|
Bélgica
|
3g (Maconha) / Não
Disponível
|
Dinamarca
|
10g (Maconha)/ Não
Disponível
|
Estônia
|
50g (Maconha)/ 1g
(Cocaína)
|
Finlândia
|
15g (Maconha)/ 1.5g
(Cocaína)
|
Países Baixos
|
5g (Maconha)/ 0.2 g
(Cocaína)
|
Portugal
|
2,5g** (Maconha)/
0.2g ** (Cocaína)
|
* A quantidade
estabelecida pela legislação alemã varia em cada unidade federativa.
** Limites
quantitativos para cada dose diária, sendo o limite temporal máximo 10 (dez)
dias.
A
lei brasileira, mais precisamente no artigo 28, traz um direcionamento ao juiz
quando determina: Ҥ 2o Para determinar se a droga destinava-se a
consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância
apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às
circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do
agente”. Mas deve se ter muito cuidado com essa verdadeira “cláusula
aberta”.
Análise
dos critérios legais:
a) Natureza e quantidade da substância:
Sem
dúvida esse é um critério importantíssimo, porém, não pode ser analisado
isoladamente, pois é comum que traficantes parcelem, em uma infinidade de “quites”,
uma enorme quantidade de drogas com o propósito exatamente de disfarçar a
mercancia (tráfico). A este respeito o STJ já decidiu que:
“CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO. REGRAS DA
EXPERIÊNCIA. SUJEIÇÃO À HIPOTESE DE TRÁFICO. INVIABILIDADE DE APLICAÇÃO DO
PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REO. RECURSO PROVIDO. Estando a materialidade
demonstrada com a apreensão da droga e não se negando a autoria do fato, a
quantidade do entorpecente, mais de quatro quilos, a que se somam os dados
acidentais e os contornos acessórios do fato, podem justificar o Juízo
condenatório quando firmada a evidência de não corresponder a ação do agente,
por qualquer argumento, ao uso de entorpecente. Assim, penso que o princípio “in dubio pro reo” aplicado pelo
Tribunal a quo violou aquilo que se conhece por razoável, na medida em que, na
espécie, não se cogita do imponderável sobre a existência do fato e da autoria,
mas, ao contrário, se denota, de forma efetiva, que a conduta restou voltada
para a traficância. (REsp 817.058/RJ, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS
MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 16/06/2009, DJe 25/06/2009)
Outra
questão relevante quanto ao tema da quantidade de droga, é a de que o juiz
pode, quando da fixação da pena, elevar a pena base tendo em vista a quantidade
de droga, ou seja, quanto mais expressiva a quantidade, maior a pena base
(1ª fase de fixação da pena). Neste sentido vejamos:
SUBSTÂNCIAS ENTORPECENTES
(TRÁFICO). ASSOCIAÇÃO / CAUSA DE AUMENTO (REFORMA). PENA-BASE (QUANTIDADE). 1.
Sem dúvida que é inadmissível a reforma em prejuízo principalmente do
réu/recorrente. Todavia não constitui caso de reformatio in pejus a rejeição do
crime de associação e o acolhimento da causa de aumento em decorrência da
associação (arts. 14 e 18, II, da Lei nº 6.368/76). Precedentes do Superior
Tribunal. Posição diversa da do Relator. 2. É lícito ao juiz levar em conta a quantidade da substância entorpecente
na fixação da pena, a fim de elevar a pena-base acima do mínimo. Precedentes
também do Superior Tribunal. 3. Habeas corpus denegado (STJ - HC: 35795
RJ 2004/0075578-0, Relator: Ministro NILSON NAVES, Data de Julgamento:
24/05/2005, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJ 01.08.2005 p. 567RSTJ vol.
199 p. 596)
Mas
atenção!!! Caso o juiz já tenha sopesado e levado em conta a quantidade da
substância entorpecente na fixação da pena base (1ª etapa da dosimetria), não
poderá fazê-lo novamente na 3ª etapa, quando estiver avaliando as causas de
aumento e diminuição da pena. Isso representaria um bis in idem vedado
pelo sistema. Sobre o assunto o TJ-MT, já decidiu que:
APELAÇÃO
CRIMINAL – TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES – CONDENAÇÃO – IRRESIGNAÇÃO DA
DEFESA OBJETIVANDO A ABSOLVIÇÃO ANTE A AUSÊNCIA DE PROVAS OU DESCLASSIFICAÇÃO
PARA A CONDUTA PREVISTA NO ART. 28 DA LEI DE DROGAS – IMPOSSIBILIDADE –
MATERIALIDADE E AUTORIA DO DELITO INDISCUTÍVEIS – CONTEXTO PROBATÓRIO
HARMONIOSO A ATESTAR A AUTORIA DO APELANTE – RECONHECIMENTO DA MINORANTE
PREVISTA NO § 4º DO ART. 33 DA LEI 11.343/2006 EM SEU GRAU MÁXIMO – VIABILIDADE
– IMPOSSIBILIDADE DE VALORAÇÃO DA QUANTIDADE DA DROGA NA 1ª E NA 3ª FASE DA
DOSIMETRIA – RECURSO CONHECIDO E PROVIDO PARCIALMENTE. É inviável a absolvição
ou a desclassificação do delito de tráfico para o de usuário de drogas, quando
as provas, sendo coerentes e seguras, convergem no sentido de mostrar que se
destinavam à mercancia. Sendo o réu primário, de bons antecedentes e não havendo
prova de que se dedica à atividade criminosa nem integra organização criminosa,
o reconhecimento do tráfico privilegiado em seu grau máximo (2/3) é medida
impositiva, nos termos do art. 33, § 4º, da lei 11.343/2006. O STF já
sedimentou entendimento de que, sopesada a natureza e a quantidade da droga na
1ª fase da dosimetria da pena, não é possível novamente mensurar tais situações
na análise de eventuais causas de aumento ou diminuição da pena, avaliáveis na
3ª fase dosimétrica, sob pena de bis in idem. (Ap 27912/2014, DES. ORLANDO
DE ALMEIDA PERRI, PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL, Julgado em 28/07/2015, Publicado no
DJE 31/07/2015)
Ademais,
a STJ ainda admite, contrário à literalidade do artigo 33, § 2.º, “a” e artigo
33, § 3º, todos do CP, que a quantidade de drogas também pode justificar a
fixação de um regime prisional inicial mais gravoso, vejamos:
PROCESSUAL PENAL E PENAL. HABEAS
CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL, ORDINÁRIO OU REVISÃO CRIMINAL. NÃO
CABIMENTO. CONDENAÇÃO DEFINITIVA ANTERIOR. CONSUMO PRÓPRIO DE DROGAS.
DESPENALIZAÇÃO. ART. 28 DA LEI N. 11.343/2006. REINCIDÊNCIA. TRÁFICO DE DROGAS.
PENA INFERIOR A 8 ANOS. QUANTIDADE E NATUREZA DA SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE.
FUNDAMENTAÇÃO SUFICIENTE PARA AGRAVAR O REGIME PENAL. 1. Ressalvada pessoal
compreensão diversa, uniformizou o Superior Tribunal de Justiça ser inadequado
o writ em substituição a recursos especial e ordinário, ou de revisão criminal,
admitindo-se, de ofício, a concessão da ordem ante a constatação de ilegalidade
flagrante, abuso de poder ou teratologia. 2. A condenação definitiva anterior
por porte de substância entorpecente para uso próprio, prevista no art. 28 da
Lei 11.343/2006, gera reincidência, haja vista que essa conduta foi apenas
despenalizada, mas não descriminalizada, pela nova Lei de Drogas. 3. Admite esta Corte Superior que a natureza
e a quantidade da substância entorpecente justificam a fixação de regime penal
mais gravoso ao condenado por crime de tráfico de drogas, mesmo sendo
estabelecida pena inferior a 8 (oito) anos, em observância ao art. 33, § 3º, do
CP c/c art. 42 da Lei n. 11.343/2006. 4. Habeas corpus não conhecido.
(HC 275.126/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em
18/09/2014, DJe 03/10/2014)
b) Local e condições da ação:
Outro
elemento que consta do § 2º, do Art. 28, da LD, diz respeito ao local e às
condições da ação. Neste particular, a fim de estabelecer a diferenciação entre
o tráfico e o porte para consumo pessoal, devem ser observadas todas as
condições que gravitam em torno do evento, como, por exemplo, o fato de o
agente ter a droga já embalada em pequenas porções, a apreensão de dinheiro em
notas miúdas, são elementos que evidenciam a mercancia.
O
local da ação/apreensão também é significativo. Sabe-se que o tráfico adquire
grande capilaridade por meio das famosas “bocas de fumo”, geralmente
estabelecidas em comunidades carentes e marcadas pela ausência de serviços
públicos. Essas localidades passam a ser conhecidas como centros de
distribuição de drogas. Assim, sendo o sujeito surpreendido em uma localidade
dessas com grande quantidade de drogas é intuitivo que esteja traficando e não
apenas portando para consumo próprio.
c) Circunstâncias sociais e pessoais:
A
circunstância social e pessoal do acusado também é outro fator que direciona a
decisão do juiz ao julgar determinada conduta como sendo tráfico ou porte para
consumo pessoal. Sobre esse ponto, Michael Mohallem tece uma crítica
contundente a respeito, vejamos:
“Pesquisas
mostram que as condições sociais podem determinar se o indivíduo é considerado
usuário ou traficante pelos juízes. Cor da pele, condição sócio-econômica e
grau de instrução parecem ser fatores determinantes. Por exemplo: uma pessoa
presa num bairro nobre de uma capital recebe tratamento penal distinto daquele
que é flagrado com a mesma quantidade de drogas num bairro pobre ou numa
favela, por exemplo. Enquanto para o primeiro o porte pode ser visto como para
uso recreativo, para o outro pode ser interpretado como forma de ganhar a vida”
(www.jota.info/justiça)
De
fato, o ambiente e as circunstâncias podem interferir diretamente na decisão
judicial, o que recomenda muita cautela a fim de que não sejam cometidas
injustiças incorrigíveis.
d) Conduta e antecedentes do agente:
A
questão é de certa forma polêmica! Há doutrinadores que não aceitam a
utilização da vida pregressa do agente (antecedentes) para definição de uma
dada conduta delituosa, a fim de classificá-la como tráfico ou porte para uso
pessoal, pois, haveria uma espécie de culto ao direito penal do autor. Vale
lembrar que direito penal do autor é uma estigmatização do agente como
perigoso. Diferencia-se do direito penal do fato, que busca fundamentos no fato
cometido, ou seja, na conduta praticada para condenar.
É
certo que os antecedentes não podem ser utilizados com exclusividade para essa
análise, mas em conjunto com outros elementos certamente vão subsidiar o
magistrado no esclarecimento dos fatos.
4. A quem compete o ônus da prova?
Diante
de uma denúncia por tráfico, incumbe prioritariamente ao MP a prova da situação
de tráfico. Porém, se a defesa sustentar que na verdade se trata de porte para
consumo pessoal, a regra é que compete à defesa o ônus probatório respectivo,
vejamos:
APELAÇÃO CRIMINAL - TRÁFICO DE
DROGAS - AUTORIAS E MATERIALIDADE COMPROVADAS - CONFISSÃO SEGURA EXTRAJUDICIAL
DE UM DOS RÉUS - HARMONIA COM AS DEMAIS PROVAS - RETRATAÇÃO JUDICIAL ISOLADA -
IRRELEVÂNCIA - DESCLASSIFICAÇÃO PARA O DELITO DE POSSE DE DROGA PARA CONSUMO
PRÓPRIO - INVIABILIDADE - CONDENAÇÕES MANTIDAS - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. Não obstante a confissão policial possa ser retratada em juízo, é
indispensável que ela não apenas se apresente verossímil, como ainda encontre
algum amparo nos demais elementos de convicção existentes nos autos. 2. Sendo o
tráfico de entorpecentes uma atividade essencialmente clandestina e crime de
perigo abstrato, punindo-se a conduta de quem expõe a saúde pública a risco,
não se torna indispensável prova da efetiva prática de atos de mercancia,
bastando a materialidade delitiva e elementos indiciários que demonstrem a
conduta dos acusados. 3. De acordo com o artigo 28, § 2º, da Lei n.º 11.343/06,
para determinar se a droga destinava-se ao consumo pessoal, o juiz atenderá à
natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em
que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à
conduta e aos antecedentes do agente. Assim, não havendo nos autos qualquer prova da exclusividade de uso da
droga apreendida, sendo da defesa, e não da acusação, o ônus da prova cabal e
irrefutável desta alegação de serem os réus apenas usuários, inviável falar-se
em desclassificação para o delito de porte de droga para uso próprio.
(TJ-MG - APR: 10486090201154001 MG , Relator: Eduardo Brum, Data de Julgamento:
30/07/2014, Câmaras Criminais / 4ª CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação:
05/08/2014)
Contudo,
ainda que seja atribuído ao acusado o ônus de provar que portava para consumo
próprio, quando houver essa alegação, caso no final do processo ainda paire
dúvidas a respeito da destinação da droga, deve imperar o princípio do in
dubio pro reo.
[1] Art.
52. Findos os prazos a que se refere o art. 51 desta Lei, a autoridade de
polícia judiciária, remetendo os autos do inquérito ao juízo: I - relatará
sumariamente as circunstâncias do fato, justificando as razões que a levaram à classificação
do delito, indicando a quantidade e natureza da substância ou do
produto apreendido, o local e as condições em que se desenvolveu a ação
criminosa, as circunstâncias da prisão, a conduta, a qualificação e os
antecedentes do agente;
[2] APELAÇÃO
CRIMINAL – TRÁFICO DE DROGAS – SENTENÇA ABSOLUTÓRIA – RECURSO MINISTERIAL –
PRETENDIDA A CONDENAÇÃO DOS ACUSADOS NAS PENAS DO CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS –
ALEGADA A EXISTÊNCIA DE PROVAS IRREFUTÁVEIS DE QUE A SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE
APREENDIDA SE DESTINAVA A MERCANCIA – INVIABILIDADE – PRESENÇA DE DÚVIDAS
ACERCA DA FINALIDADE DO ESTUPEFACIENTE – IN DUBIO PRO REO – RECURSO DESPROVIDO.
Tendo em vista a inexistência de prova cabal acerca da prática do tráfico de
drogas pelos acusados, é impossível a prolação do édito condenatório, sob pena
de violação aos princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo.
Recurso desprovido. (Ap 142341/2014, DES. PEDRO SAKAMOTO, SEGUNDA CÂMARA
CRIMINAL, Julgado em 27/05/2015, Publicado no DJE 01/06/2015)
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