RESENHA 04
LEIS PENAIS ESPECIAIS
1. Continuação da
análise das condutas do artigo 28, da LD
PERGUNTA: Cultivar determinada planta
com o propósito de fabricar uma pequena quantidade de drogas para consumo
pessoal é crime?
Essa era uma celeuma na época da lei
antiga, pois tal legislação não fazia referência ao cultivo para consumo
pessoal. Haviam, basicamente, três entendimentos sobre o tema, a saber:
· 1ª Corrente: Trata-se de “tráfico
de entorpecentes”, já que o artigo 12 da antiga lei de tóxicos não fazia
qualquer referência a uma “finalidade especial” do agente que cultivava
drogas;
· 2ª Corrente: Para esse segundo
entendimento a conduta era tipificada como “porte para consumo próprio”;
· 3ª Corrente: A terceira corrente
via essa conduta como atípica, tendo em vista a completa ausência de referência
na lei revogada.
O panorama muda com a edição da nova
lei de drogas. Com efeito, a nova legislação trata expressamente a questão,
prevendo: “Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal,
semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade
de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica”
(art. 28, § 1º).
Percebe-se no tipo penal duas
especializantes, a saber: a) a finalidade do cultivo para consumo pessoal; b) a
preparação de pequena quantidade.
Vale lembrar que permanece aquela regra
de atração do ônus da prova quando do sujeito sustenta, em juízo, que o plantio
ou cultivo destinava-se ao consumo pessoal, vejamos:
APELAÇÃO CRIMINAL – TRÁFICO DE ENTORPECENTES –
DESCLASSIFICAÇÃO PARA A CONDUTA DO ARTIGO 28 DA LEI Nº 11.343/06 – GUARDA PARA
USO PRÓPRIO – ALEGAÇÃO DEFENSIVA – INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA – ART. 156 DO CPP
– PROVAS SEGURAS DA DESTINAÇÃO COMERCIAL – IMPOSSIBILIDADE – CULTIVO DE PLANTA
PSICOTRÓPICA – 17 (DEZESSETE) PÉS DE MACONHA – QUANTIDADE QUE INDICA DESTINAÇÃO
COMERCIAL. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I – O fato de o agente ser usuário não
significa que a substância entorpecente apreendida destinava-se exclusivamente
ao uso próprio, posto ser bastante comum a figura do
"usuário-traficante". Por
tratar-se de alegação do interesse da defesa, inverte-se o ônus da prova, nos
termos do artigo 156 do CPP. Impossível a desclassificação para o
crime de porte para uso pessoal, tipificado no artigo 28 da Lei nº 11.343/06,
quando as provas demonstram que a substância apreendida, pelo menos em parte,
destinava-se ao comércio. II – Impossível a desclassificação do delito de
cultivo de planta cuja matéria-prima é destinada à preparação de drogas para o
de cultivo de planta psicotrópica para uso próprio, quando o conjunto
probatório aponta no sentido de que o produto seria comercializado. (...)
Recurso parcialmente provido. (TJ-MS - APL: 00200911620148120001 MS
0020091-16.2014.8.12.0001, Relator: Des. Luiz Claudio Bonassini da Silva, Data
de Julgamento: 01/07/2015, 3ª Câmara Criminal, Data de Publicação: 06/07/2015)
De igual modo, a questão relacionada à
quantidade da droga é preponderante, quando o assunto é a aplicação do § 1.º do
artigo 28, da LD, vejamos o que diz a jurisprudência correlata:
RECURSO CRIME. CULTIVO DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE
PARA USO PRÓPRIO. ART. 28, § 1º, DA LEI 11343/06. TESE DE DESCRIMINALIZAÇÃO
AFASTADA. SUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. SENTENÇA CONDENATÓRIA MANTIDA. PENA
READEQUADA. 1- Comprovado que o réu cultivou seis mudas de maconha para consumo
pessoal, correta a condenação. 2- A Lei 11.343/06 não descriminalizou a conduta
em comento, mas apenas abrandou o rigor punitivo. 3- Pena readequada para
advertência em razão das circunstâncias judiciais favoráveis ao réu, que não
registra envolvimento anterior com drogas. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (Recurso
Crime Nº 71004328019, Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais, Relator:
Cristina Pereira Gonzales, Julgado em 24/06/2013) (TJ-RS - RC: 71004328019 RS ,
Relator: Cristina Pereira Gonzales, Data de Julgamento: 24/06/2013, Turma
Recursal Criminal, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 26/06/2013)
2. Penas aplicáveis às
condutas do artigo 28, da LD
Conforme já anunciamos, a nova lei de
drogas trata o usuário de maneira radicalmente contrária ao disposto na lei
revogada. Os legisladores da lei 11.343/2006 entenderam que a pena privativa de
liberdade nunca representou a melhor solução, daí a aplicação das penas
alternativas, tal como disposto no preceito secundário do art. 28, da LD, cujas
penalidades são:
“I – Advertência
sobre os efeitos das drogas;
II - prestação se
serviços à comunidade;
III – medida
educativa de comparecimento a programa ou curso educativo;”
Atente-se para o fato de que o
magistrado poderá aplicar as referidas penas de maneira isolada ou cumulativamente,
em razão do disposto no artigo 27, da LD:
Art. 27. As penas previstas neste Capítulo
poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente, bem como
substituídas a qualquer tempo, ouvidos o Ministério Público e o defensor.
A aplicação das penas previstas no
artigo 28, da LD, pode dar-se de duas maneiras distintas. A primeira delas é a
aplicação por meio da sentença penal condenatória. A segunda
é aquela aplicada em virtude de transação penal. Lembrar que
as condutas previstas no artigo 28 submetem-se à competência do Juizado
Especial, nos termos do art. 48, § 1.º, da LD.
No primeiro caso, ou seja, quando a
aplicação decorrer de sentença penal condenatória, há possibilidade da
agravante da reincidência (art. 61, I, CP), desde que cometido novo
crime no período de cinco anos, nos termos do artigo 63 e 64, do
Código Penal, o que não ocorrerá na segunda hipótese tendo em vista a
particularidade do artigo 76, § 4º, da Lei dos Juizados Especiais, abaixo
transcrito:
§ 4º Acolhendo a
proposta do Ministério Público aceita pelo autor da infração, o Juiz aplicará a
pena restritiva de direitos ou multa, que não importará em
reincidência, sendo registrada apenas para impedir novamente o mesmo
benefício no prazo de cinco anos.
2.1 Algumas questões pontuais:
· A advertência
é instantânea; as demais penas podem perdurar por até 10 meses, a
depender da condenação e caso se trate de reincidente[1]; veja que nos termos
da lei não há patamar mínimo, pois a lei apenas fixou o patamar máximo para
duração das penas;
· A reincidência mencionada
no artigo 28, §.º é a reincidência derivada do cometimento de qualquer crime, e
não reincidência específica, tal como proposto, inclusive, pelo FONAJE (“somente
a reincidência específica autoriza a exasperação da pena de que trata o
parágrafo quarto do artigo 28, da Lei 11.343/06” – Enunciado 118), isso
porque a LD não exige e não faz referência à reincidência específica.
· A advertência deve
ser aplicada pelo próprio magistrado e na presença do defensor, sob pena de
nulidade absoluta da imposição (BRASILEIRO, p. 724). Outra questão interessante
é a possibilidade de condução coercitiva em caso de não comparecimento
injustificado do acusado na audiência admonitória (Enunciado 84, do FONAJE);
· A prioridade, segundo
a LD, é que a pena de prestação se serviços à comunidade se dê em
estabelecimentos que se ocupem do tratamento e prevenção do consumo de drogas,
porém, em caso de ausência de estabelecimento com essas características, será
possível a prestação em outras unidades congêneres ou não;
· A prestação de
serviços à comunidade também é marcada: a) pela não substitutividade, pois são
autônomas e não seguem a regra geral do artigo 44, do Código Penal; também não
são conversíveis em pena de prisão, tal como disposto no código penal (art. 44,
§ 4.º), uma vez que a lei de drogas não trabalha com essa hipótese, ou seja,
prisão para usuário.
2.2 Medidas coercitivas para
cumprimento das penas do art. 28, LD:
O parágrafo 6.º, da LD, prescreve que:
§ 6o Para
garantia do cumprimento das medidas educativas a que se refere o caput, nos
incisos I, II e III, a que injustificadamente se recuse o agente, poderá o juiz
submetê-lo, sucessivamente a: I - admoestação verbal; II - multa.
Segundo doutrina majoritária, a admoestação
verbal e a multa não são novas penas ou
medidas substitutivas, mas instrumentos acessórios para cumprimento das penas
anteriormente cominadas no artigo 28, da LD. Eis, portanto, a sua natureza
jurídica (instrumento acessório).
A multa, conforme previsto
expressamente na redação da lei é medida sucessiva, só podendo ser aplicada
após a admoestação verbal e deve ser aplicada seguindo-se as diretrizes do
artigo 29, in verbis:
“Art. 29. Na imposição da medida educativa
a que se refere o inciso II do § 6o do art. 28, o juiz,
atendendo à reprovabilidade da conduta, fixará o número de dias-multa, em
quantidade nunca inferior a 40 (quarenta) nem superior a 100 (cem), atribuindo
depois a cada um, segundo a capacidade econômica do agente, o valor de um
trinta avos até 3 (três) vezes o valor do maior salário mínimo. Parágrafo
único. Os valores decorrentes da imposição da multa a que se refere o § 6o do
art. 28 serão creditados à conta do Fundo Nacional Antidrogas.”
A admoestação verbal é uma espécie se
censura feita pessoalmente pelo magistrado ao réu, na presença de seu defensor
e realizada em uma audiência admonitória. Ademais, a admoestação não deve ser
confundida com a advertência. Esta serve para advertir o usuário acerca dos malefícios
da droga (efeitos nocivos do consumo de drogas), ao passo que a admoestação
serve para alertá-lo a respeito das consequências jurídicas que lhe serão
impostas caso persista no descumprimento da prestação de serviço comunitário e
comparecimento a cursos ou programas educativos.
PERGUNTA: O não comparecimento à
audiência admonitória representa ofensa ao crime previsto no artigo 330 do CP
(desobediência)?
É claro que não! Afinal de contas, isso
representaria uma distorção na aplicação da LD que não permite – em hipótese
alguma – a segregação do usuário, contrariando, portanto, a essência da nova
lei. Observe que o art. 330 prevê, em seu preceito secundário, uma pena de
detenção, de quinze dias a seis meses, e multa. Assim, impor a prisão nestas
condições seria uma violação, por via reflexa ou indireta à lei de drogas.
2.3 Internação compulsória e art. 28,
LD
Do ponto de vista jurídico o art. 28 da
lei de drogas não impõe, como penalidade, o tratamento compulsório. Uma vez que
o § 7º da lei menciona que “O juiz determinará ao Poder Público que coloque
à disposição do infrator, gratuitamente, estabelecimento de saúde,
preferencialmente ambulatorial, para tratamento especializado”. Colocar à
disposição, como mencionado no texto da lei, não é a mesma coisa que impor
tratamento compulsório, pois transmite a ideia de voluntariedade.
Há intenso discurso na comunidade
jurídica a respeito da legalidade ou ilegalidade da medida de internação
compulsória. No entanto, a lei 10.216/2001, que é voltada para o tratamento de
pessoas com transtornos mentais, possibilita ao magistrado a determinação da
internação compulsória, senão vejamos:
Art. 9º A internação compulsória é determinada, de acordo com a
legislação vigente, pelo juiz competente, que levará em conta as condições de
segurança do estabelecimento, quanto à salvaguarda do paciente, dos demais
internados e funcionários.
A
discussão reside, basicamente, em torno da questão relativa à liberdade da
pessoa. Assim, há um grupo de estudiosos que justifica a impossibilidade da
medida ancorado na liberdade e autogoverno que o sujeito possui em relação a
sim próprio, ou seja, a capacidade de autodeterminar-se e escolher entre as
várias possibilidades para sua vida privada. Neste sentido, vejamos o
posicionamento de MARIA LUCIA KARAM, publicado em www.cfp.org.br (Conselho
Federal de Psicologia):
“No que concerne a
meros dependentes de drogas, a imposição de tratamento médico obrigatório
vinculado ao sistema penal, antes mesmo de violar o princípio da culpabilidade,
antes mesmo de violar o direito à intimidade, o dever de sigilo e a ética
profissional, constitui clara violação à liberdade individual, presente em
qualquer intervenção do Estado sobre autores de condutas que não afetam
concretamente direitos de terceiros, como é o caso da posse de drogas para uso
pessoal ou seu consumo em circunstâncias que não envolvam um perigo concreto,
direto e imediato para terceiros. O princípio da legalidade, que é fundamento
da democracia, assegura que a liberdade do indivíduo é e deve ser sempre
absoluta enquanto suas ações não atingirem ou não ameaçarem concretamente
direitos de terceiros. O reconhecimento da dignidade da pessoa impede sua
transformação forçada. A imposição a consumidores das drogas tornadas ilícitas
de penas explícitas ou disfarçadas em tratamentos médicos, revelando a
concepção que os estigmatiza na alternativa assinalada por Alessandro Baratta
de que “se é enfermo, não é livre; se é livre, é mau”, sempre estará a revelar
uma desautorizada intervenção do Estado em suas vidas privadas. Ninguém pode
ser obrigado a se submeter a qualquer tratamento médico para se abster de um
hábito que só faz mal a si próprio. Ninguém pode ser obrigado a supostamente se
“curar”.”
Há vozes contundentes, de igual modo,
argumentando a respeito da inconstitucionalidade da medida de internação
compulsória. Nessa perspectiva, a lei 10.216/2001 tem como objetivo o
tratamento de pessoas com transtornos mentais e, mesmo para essas hipóteses, a
medida seria apenas para casos reputados extremos (excepcionais). Não haveria,
segundo este entendimento, ambiente jurídico e constitucional para uma
internação compulsória. A este respeito, vejamos o posicionamento de ISABEL
COELHO e MARIA HELENA BARROS DE OLIVEIRA, publicada em: www.scielo.br,
artigo: “Internação Compulsória e crack: um desserviço à saúde pública”.
“A questão que se põe
é: se a lei 10.216/01 foi elaborada para proteger os doentes mentais e teve
como principal ‘bandeira’ a desospitalização, como se pode, racionalmente,
explicar a utilização dessa mesma lei para pessoas que não são portadoras de
doenças mentais e, pior, tornar a internação a regra, contrariando todos os
onze anos de debates e tramitação desse diploma legal antes citado. Neste
ponto, devem-se ter claro algumas conclusões: 1) dependente químico não é
doente mental; 2) a internação compulsória prevista na Lei 10.216/01 deve ser
aplicada tão somente para os casos de doentes mentais que cometam alguma
infração criminosa, como espécie de medida de segurança; 3) a internação
compulsória de dependentes químicos é ilegal por falta de previsão legal, e
inconstitucional por violar o direito à saúde e à dignidade da pessoa humana;
4) as internações que vêm ocorrendo podem ser equiparadas à tortura e, assim,
violam direitos humanos; 5) O Poder Judiciário é guardião de direitos humanos,
não podendo, sob argumento algum, violá-los.”
Do outro lado, existem aqueles que
entendem o contrário, principalmente em razão de que a droga possui exatamente
a característica de furtar ou alterar o estado normal de consciência, fazendo
com que o usuário deixe de ostentar a autodeterminação e, com isso, seja um
risco em potencial para a sociedade uma vez que o consumo, quase sempre, é
precedido de tráfico e inúmeros outros crimes graves.
Em
que pese a acirrada discussão, a competência para definir a respeito da
internação involuntária, aquela normalmente requerida por parente próximo, é da
Vara de Família e Sucessões, já que envolve questão atinente ao estado da
pessoa. Neste sentido o TJ-MT entendeu que:
CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA – INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA
DE DEPENDENTE QUÍMICO – RESTRIÇÃO AO ESTADO DA PESSOA – COMPETÊNCIA DO JUÍZO DE
FAMÍLIA E SUCESSÕES - CONFLITO ACOLHIDO. A internação compulsória de usuários
de drogas assemelha-se a interdição da pessoa, posto que, no estado em que se
encontra, a pessoa possui seu discernimento reduzido. (CC 53020/2014, DRA.
VANDYMARA G. R. P. ZANOLO, TURMA DE CÂMARAS CÍVEIS REUNIDAS DE DIREITO PÚBLICO
E COLETIVO, Julgado em 22/08/2014, Publicado no DJE 29/08/2014)
Por fim, a pesquisa realizada pelo datafolha,
publicada em 25/01/2012, concluiu que 90% (noventa por cento) dos brasileiros
apoiam a medida de internação compulsória. (fonte http://datafolha.folha.uol.com.br)
2.4 Prescrição da pretensão punitiva
estatal em relação aos crimes previstos no art. 28, LD
A lei de drogas traz previsão
específica, a saber:
Art. 30. Prescrevem em 2
(dois) anos a imposição e a execução das penas, observado, no tocante à
interrupção do prazo, o disposto nos arts. 107 e
seguintes do Código Penal.
A prescrição acima se refere à
pretensão punitiva (ius puniendi) e tem início a partir da consumação do
crime previsto no art. 28, da lei de drogas. No mais, aplicam-se todas as
intercorrências de praxe, tais como aquelas previstas nos artigos: 117, 115,
111, I, 116 parágrafo único, etc.
[1] “Frise-se, não se confunde
maus antecedentes com reincidência: há reincidência quando o agente comete novo
crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no
estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior (art. 63, CP). Os maus antecedentes, no entanto, são
considerados ainda que não haja trânsito em julgado. Os maus antecedentes são
levados em consideração já na primeira fase de aplicação da pena (art. 59, CP), enquanto que a reincidência é
agravante genérica (art. 61, CP) a ser considerada na segunda fase de
aplicação da pena.” (LFG, 2012)
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