Licença para produção de drogas e expropriação das glebas utilizadas para cultivo (Ler todo o texto, clique aqui)

RESENHA 05


LEIS PENAIS ESPECIAIS

1.     Licença para produção de drogas

De acordo com o disposto no artigo 31, da LD:

Art. 31.  É indispensável a licença prévia da autoridade competente para produzir, extrair, fabricar, transformar, preparar, possuir, manter em depósito, importar, exportar, reexportar, remeter, transportar, expor, oferecer, vender, comprar, trocar, ceder ou adquirir, para qualquer fim, drogas ou matéria-prima destinada à sua preparação, observadas as demais exigências legais.

            Desse modo, a “licença” mencionada na legislação adquire um status de elemento normativo do tipo. Vale dizer: “Esta autorização deve ser concedida antecipadamente, daí porque não é possível que a licença seja concedida após a prática do ato, como espécie de ratificação da conduta anteriormente praticada” (BRASILEIRO, p. 736).

PERGUNTA: Mas o que efetivamente significa isso “elemento normativo do tipo”?

Elemento normativo do tipo, de acordo com a doutrina penalista, é aquele que consta do tipo penal e necessita de uma valoração prévia.

Os tipos penais podem conter elementos descritivos, ou seja, aqueles de fácil percepção sensorial (ex. alguém, coisa); e, também, elementos normativos que precisam de uma valoração por parte do aplicador da norma, a fim de que haja perfeito entendimento da mens legis (vontade do legislador).   

No caso específico do artigo 31, a licença funciona como elemento normativo do tipo que exige uma análise jurídica por parte do intérprete. A presença da licença torna o fato atípico.

Outro desdobramento específico é o fato de que eventual erro sobre esse elemento normativo irá configurar “erro de tipo” e não erro de proibição, uma vez que recai especificamente sobre elemento constitutivo do tipo penal, nos termos do artigo 20, do Código Penal:

Art. 20. O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite  a punição por crime culposo, se previsto em lei.
 
2.     Destruição das plantações ilícitas e expropriação das glebas destinadas ao cultivo ilegal

A lei de drogas é clara quanto à destruição imediata das plantações ilegais, dependendo, no entanto, de autorização judicial para tanto. Isso em decorrência de que o artigo 50-A determina: “A destruição de drogas apreendidas sem a ocorrência de prisão em flagrante será feita por incineração, no prazo máximo de 30 (trinta) dias contado da data da apreensão, guardando-se amostra necessária à realização do laudo definitivo, aplicando-se, no que couber, o procedimento dos §§ 3o a 5o do art. 50”.  

Por sua vez, o artigo 50 requer a autorização judicial para a destruição das plantações ilícitas, vejamos:

§ 3o  Recebida cópia do auto de prisão em flagrante, o juiz, no prazo de 10 (dez) dias, certificará a regularidade formal do laudo de constatação e determinará a destruição das drogas apreendidas, guardando-se amostra necessária à realização do laudo definitivo.

            Diante desse quadro normativo, não resta outra opção. A lei de drogas que rege o assunto de maneira integral condiciona a destruição das “lavouras” de drogas à determinação do magistrado competente.

Outra questão interessante é aquela relacionada à expropriação das glebas destinadas ao cultivo das drogas. Existe uma determinação na Constituição no sentido de que as glebas sejam expropriadas pela União:

Art. 243. As propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo na forma da lei serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei, observado, no que couber, o disposto no art. 5º. Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e da exploração de trabalho escravo será confiscado e reverterá a fundo especial com destinação específica, na forma da lei.  (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 81, de 2014)   

É a lei 8.257/91 que disciplina os pormenores a respeito da expropriação.  

Portanto, não restam dúvidas. Cultivar plantas ilegais ou cujos substratos possam servir de matéria prima para a fabricação de drogas, sem a competente licença, leva à expropriação-sanção sem qualquer indenização ao proprietário ou possuidor da gleba.

PERGUNTA: A expropriação atingirá toda a gleba ou apena a parte destinada à cultura ilegal?

De acordo com o entendimento do STF, exposto no julgamento do RE 543.974/MG a sanção alcança a “gleba” como um todo e não apenas a área menor destinada à cultura dos psicotrópicos, vejamos:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. EXPROPRIAÇÃO. GLEBAS. CULTURAS ILEGAIS. PLANTAS PSICOTRÓPICAS. ARTIGO 243 DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. INTERPRETAÇÃO DO DIREITO. LINGUAGEM DO DIREITO. LINGUAGEM JURÍDICA. ARTIGO 5º, LIV DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. O CHAMADO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. 1. Gleba, no artigo 243 da Constituição do Brasil, só pode ser entendida como a propriedade na qual sejam localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas. O preceito não refere áreas em que sejam cultivadas plantas psicotrópicas, mas as glebas, no seu todo. 2. A gleba expropriada será destinada ao assentamento de colonos, para o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos. 3. A linguagem jurídica corresponde à linguagem natural, de modo que é nesta, linguagem natural, que se há de buscar o significado das palavras e expressões que se compõem naquela. Cada vocábulo nela assume significado no contexto no qual inserido. O sentido de cada palavra há de ser discernido em cada caso. No seu contexto e em face das circunstâncias do caso. Não se pode atribuir à palavra qualquer sentido distinto do que ela tem em estado de dicionário, ainda que não baste a consulta aos dicionários, ignorando-se o contexto no qual ela é usada, para que esse sentido seja em cada caso discernido. A interpretação/aplicação do direito se faz não apenas a partir de elementos colhidos do texto normativo [mundo do dever-ser], mas também a partir de elementos do caso ao qual será ela aplicada, isto é, a partir de dados da realidade [mundo do ser]. 4. O direito, qual ensinou CARLOS MAXIMILIANO, deve ser interpretado "inteligentemente, não de modo que a ordem legal envolva um absurdo, prescreva inconveniências, vá ter a conclusões inconsistentes ou impossíveis". 5. O entendimento sufragado no acórdão recorrido não pode ser acolhido, conduzindo ao absurdo de expropriar-se 150 m2 de terra rural para nesses mesmos 150 m2 assentar-se colonos, tendo em vista o cultivo de produtos alimentícios e medicamentosos. 6. Não violação do preceito veiculado pelo artigo 5º, LIV da Constituição do Brasil e do chamado "princípio" da proporcionalidade. Ausência de "desvio de poder legislativo" Recurso extraordinário a que se dá provimento. (RE 543974, Relator(a):  Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 26/03/2009, DJe-099 DIVULG 28-05-2009 PUBLIC 29-05-2009 EMENT VOL-02362-08 PP-01477 RTJ VOL-00209-01 PP-00395)

PERGUNTA: Tratando-se de possuidor, portanto, sem título registrado em cartório, é possível a expropriação-sanção?

A lei 8.257/91 que regulamenta a matéria é expressa ao dizer que: “Art. 4° As glebas referidas nesta lei, sujeitas à expropriação, são aquelas possuídas a qualquer título”, ou seja, independentemente da condição do titular, se posseiro ou proprietário, poderá ocorrer normalmente a expropriação. Para o STJ, inclusive, o caso gera responsabilidade objetiva do proprietário/possuidor:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. TERRAS UTILIZADAS PARA O CULTIVO DE PLANTAS PSICOTRÓPICAS. EXPROPRIAÇÃO. LEI 8.257/91, ART. 1º. CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ART. 243. EXISTÊNCIA DE RESPONSABILIDADE OBJETIVA. IDENTIFICAÇÃO DO REAL PROPRIETÁRIO DAS GLEBAS CONSTRINGIDAS. POSSIBILIDADE DE DILIGÊNCIAS. ATENDIMENTO À FUNÇÃO ATIVA DO JUIZ E À FINALIDADE SOCIAL DA NORMA. 1. É objetiva a responsabilidade do proprietário de glebas usadas para o plantio de espécies psicotrópicas, sendo, em consequência, irrelevante a existência ou inexistência de culpa na utilização criminosa. 2. É de todo cabível e oportuna a realização de diligências que objetivem identificar o real proprietário de terras comprovadamente empregadas para o cultivo ilegal de plantas psicotrópicas. 3. Na espécie, ante a caracterizada indeterminação do proprietário das glebas, cumpre-se anular o acórdão e a sentença com a intenção da conferir efetividade ao art. 243 da Constituição Federal, bem assim, atender à finalidade social inscrita na Lei 8.257/91. 4. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 498.742/PE, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/09/2003, DJ 24/11/2003, p. 222)

Outro ponto interessante que deve ser analisado é o fato de que a expropriação-sanção não se confunde com os efeitos naturais da sentença condenatória, já que será apreciada e decidida em ação autônoma, no juízo cível e regida pela lei 8.257/91.

Por outro lado, os efeitos previstos no CP (art. 91,92) e art. 63, da LD, dependem efetivamente do trânsito em julgado para serem aplicados.  





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