Lei Maria da Penha 01

                                                                                               RESENHA 09

LEI MARIA DA PENHA – Lei 10.340/2006

1.    Introdução

A Lei Maria da Penha (11.340/2006) representa um verdadeiro avanço no combate à chamada violência de gênero. Aliás, atualmente “a violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos”, segundo registrado no art. 6.º, da Lei.

A lei 11.340/2006 é considerada um instrumento de ruptura com a “cultura da opressão feminina” no Brasil.

Segundo a CONVENÇÃO INTERAMERICANA PARA PREVENIR, PUNIR E ERRADICAR A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER – “CONVENÇÃO DE BELÉM DO PARÁ”, integrada ao nosso ordenamento jurídico por força do decreto n.º 1.973/1996, violência contra a mulher é “qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado” (art. 1.º).

2.    Fundamento Constitucional

A Lei 11.340/2006 possui fundamento constitucional, pois está previsto na Constituição, mais precisamente no artigo 226, § 8º, que:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. (...)
§ 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.

            De igual modo, o STF já pacificou o entendimento no sentido de que a Lei 11.340/2006 é constitucional, ainda que o legislador tenha utilizado de um critério de gênero para estabelecer medidas especiais de proteção à mulher, vejamos:

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – LEI Nº 11.340/06 – GÊNEROS MASCULINO E FEMININO – TRATAMENTO DIFERENCIADO. O artigo 1º da Lei nº 11.340/06 surge, sob o ângulo do tratamento diferenciado entre os gêneros – mulher e homem –, harmônica com a Constituição Federal, no que necessária a proteção ante as peculiaridades física e moral da mulher e a cultura brasileira. COMPETÊNCIA – VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – LEI Nº 11.340/06 – JUIZADOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. O artigo 33 da Lei nº 11.340/06, no que revela a conveniência de criação dos juizados de violência doméstica e familiar contra a mulher, não implica usurpação da competência normativa dos estados quanto à própria organização judiciária. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER – REGÊNCIA – LEI Nº 9.099/95 – AFASTAMENTO. O artigo 41 da Lei nº 11.340/06, a afastar, nos crimes de violência doméstica contra a mulher, a Lei nº 9.099/95, mostra-se em consonância com o disposto no § 8º do artigo 226 da Carta da República, a prever a obrigatoriedade de o Estado adotar mecanismos que coíbam a violência no âmbito das relações familiares. (ADC 19, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 09/02/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-080 DIVULG 28-04-2014 PUBLIC 29-04-2014)

No bojo do acórdão proferido na ADC 19 (STF), o Relator registrou que “Sob a óptica constitucional, a norma também é corolário da incidência do princípio da proibição de proteção insuficiente dos direitos fundamentais, na medida em que ao Estado compete a adoção dos meios imprescindíveis à efetiva concretização de preceitos contidos na Carta da República. A abstenção do Estado na promoção da igualdade de gêneros e a omissão no cumprimento, em maior ou menor extensão, de finalidade imposta pelo Diploma Maior implicam situação da maior gravidade político-jurídica, pois deixou claro o constituinte originário que, mediante inércia, pode o Estado brasileiro também contrariar o Diploma Maior. A Lei Maria da Penha retirou da invisibilidade e do silêncio a vítima de hostilidades ocorridas na privacidade do lar e representou movimento legislativo claro no sentido de assegurar às mulheres agredidas o acesso efetivo à reparação, à proteção e à Justiça”.

Portanto, não há qualquer incongruência entre a Lei Maria da Penha e a Constituição, mormente quanto ao princípio da igualdade. Trata-se de um microssistema de proteção de sujeitos em situação de hipossuficiência, tal como ocorre com o Estatuto do Idoso, ECA, CDC e outros. 

A Lei 11.340/2006 é considerada, de igual modo, uma verdadeira ação afirmativa[1].

3.    Conceito de violência de gênero

A violência de gênero é algo que ultrapassa a simples separação biológica (homem/mulher). O gênero é socialmente concebido. Nas palavras de VERA REGINA PEREIRA DE ANDRADE para além do dado biológico que define o sexo (cada nascimento requer um registro sexual, homem/mulher), o gênero será concebido como o sexo socialmente construído (a dicotomia feminino/masculino)[2].

Com efeito, segundo doutrina especializada “o argumento biológico só foi utilizado a fim de mostrar a ausência de fundamentação científica da ideologia da ‘inferioridade’ feminina[3].

4.    Objetivos da Lei Maria da Penha

Logo no início da Lei, temos a oportunidade de vislumbrarmos seus objetivos, vejamos a redação do art. 1.º: 

“Art. 1.º  Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8.º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.”

Assim, embora haja uma deturpação da realidade, a Lei Maria da Penha tem um objetivo não punitivo, e sim um caráter de prevenção.      

5.    Critério de Interpretação da Lei 11.340/2006

A Lei objeto de estudo traz uma diretriz interpretativa insculpida no artigo 4.º ao determinar que:

Art. 4.º  Na interpretação desta Lei, serão considerados os fins sociais a que ela se destina e, especialmente, as condições peculiares das mulheres em situação de violência doméstica e familiar.”

Esse “modus” de interpretação objetiva que o operador do direito alcance o real objetivo da lei, nas palavras do TJ-MT: “A interpretação sistemática e teleológica da Lei 11.340/06, inspirada em seu espírito protetivo, faz emergir a conclusão de que quaisquer fatos com repercussão criminal cometidos no âmbito familiar merecem a atenção especial do Estado” (HC 44662/2014). 

Portanto, é como se a Lei estivesse transmitindo um recado àquele que a ela recorre: “a interpretação se faz do seguinte modo e para os seguintes fins”.

6.    Contexto específico de aplicação da Lei (art. 5º)

A lei 11.340/2006 possui um campo de aplicação muito específico. Com efeito, não será qualquer tipo de violência contra a mulher que irá justificar a aplicação do microssistema de proteção, mas tão somente aquela violência que se amolde ao propósito maior da lei.

Neste sentido,

Não se trata, portanto, de qualquer conduta lesiva contra uma mulher. Para ser crime previsto na nova Lei, é necessário que a conduta seja baseada no gênero. A ação ou omissão que não for baseada no gênero não tem previsão típica na Lei Maria da Penha. A violência doméstica, familiar ou em qualquer relação íntima de afeto contra uma mulher que não for baseada no gênero realiza tipos penais comuns e não está abrangida pela nova Lei. Assim, o direito penal de gênero é formado pelo estudo dos tipos penais que têm um elemento específico que os define como crime de gênero, ou seja, conduta baseada no gênero.”[4]

Para incidência da Lei 11.340/2006 torna-se necessário a reunião dos seguintes pressupostos:

Ø  Sujeito passivo especial (mulher)
Ø  Prática de pelo menos um dos tipos de violência definidos na lei (art. 7.º)
Ø  Violência dolosa

Vamos analisar separadamente cada um desses pressupostos:

a) Sujeito passivo (mulher): A mens legis da Lei Maria da Penha foi o de proteger o gênero “mulher”, portanto, revela-se inviável a aplicação da Lei para proteção de homens.

PERGUNTA: E nos casos de relação homoafetiva? Há quem entenda que sim: Aliás, quando a este aspecto, MARIA BERENICE DIAS leciona que “Lésbicas, transexuais, travestis e transgêneros, quem tenham identidade social com o sexo feminino estão ao abrigo da Lei Maria da Penha. A agressão contra elas no âmbito familiar constitui violência doméstica. Ainda que parte da doutrina encontre dificuldade em conceder-lhes o abrigo da Lei, descabe deixar à margem da proteção legal aqueles que se reconhecem como mulher. Felizmente, assim já vem entendendo a jurisprudência[5].

No mesmo sentido é o ensinamento de LUIZ FLÁVIO GOMES, par quem: “parece-nos acertado afirmar que, na verdade, as medidas protetivas da lei Maria da Penha podem (e devem) ser aplicados em favor de qualquer pessoa (desde que comprovado que a violência teve ocorrência dentro de um contexto doméstico, familiar ou de relacionamento íntimo). Não importa se a vítima é transexual, homem, avô ou avó etc. Tais medidas foram primeiramente pensadas para favorecer a mulher (dentro de uma situação de subordinação, de submetimento). Ora, todas as vezes que essas circunstâncias acontecerem (âmbito doméstico, familiar ou de relacionamento íntimo, submissão, violência para impor um ato de vontade etc.) nada impede que o Judiciário, fazendo bom uso da lei Maria da Penha e do seu poder cautelar geral, venha em socorro de quem está ameaçado ou foi lesado em seus direitos. Onde existem as mesmas circunstâncias fáticas deve incidir o mesmo direito[6].

Porém, há quem pense totalmente o contrário: “a nosso juízo, ainda que um transexual se submeta à cirurgia de reversão genital (neovagina), obtendo a alteração do sexo no registro de nascimento por meio de decisão transitada em julgado, não se pode querer equipará-lo a uma mulher para fins de incidência da Lei Maria da Penha, já que, pelo menos do ponto de vista genético, tal indivíduo continua a ser um homem” (BRASILEIRO, pág. 910). O mesmo autor entende, porém, que, em se tratando de relação homoafetiva entre mulheres, e, uma delas exerça a liderança (posição de superior hierarquia) em detrimento da outra (relação de dependência), poderá ser o caso de incidência da lei Maria da Penha em razão da “posição de vulnerabilidade” (BRASILEIRO, pág. 910). 

b) Prática de pelo menos um dos tipos de violência definidos na lei (art. 7.º)

O artigo 7º da Lei 11.340/2006, disciplina que:

Art. 7.º  São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;
II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;
III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

Destarte, para que se possa falar em violência contra a mulher a justificar a incidência da Lei Maria da Penha, mister o cometimento de pelo menos uma dessas situações infracionais do artigo 7.º, tendo em vista uma perspectiva de gênero.[7]  

c) Violência dolosa

O elemento subjetivo que marca a violência doméstica é o dolo, isto é, a vontade deliberada de cometer determinada infração.

7.    Artigo 5º da Lei 11.340/2006

É necessário um extremo cuidado na interpretação do artigo 5º, da Lei Maria da Penha:

Art. 5.º  Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: 
I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;
III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

a)  A expressão “âmbito da unidade doméstica” requer uma reflexão, posto que o cometimento de uma determinada violência no âmbito da unidade doméstica, enquanto espaço de convívio simplesmente (ex. casa, apartamento, etc.), não autoriza, de per si, a incidência da lei em comento. É essencial que o agressor e vítima participem dessa unidade doméstica, ainda que esporadicamente. 

b) Âmbito da família: De igual modo, esse componente assegura a aplicação da lei 11.340/2006, ainda que fora do ambiente doméstico, desde que haja essa relação familiar. Assim, “em outras palavras havendo laços familiares entre agressor e vítima, pouco importa se a violência foi praticada no âmbito da unidade doméstica ou em qualquer outro ambiente” (BRASILEIRO, pág. 912). 

Neste sentido, vejamos a decisão do STJ: “RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE AMEAÇA PRATICADO CONTRA IRMÃ DO RÉU. INCIDÊNCIA DA LEI MARIA DA PENHA. ART. 5.º, INCISO II, DA LEI N.º 11.340/06. COMPETÊNCIA DO JUIZADO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER DE BRASÍLIA/DF. RECURSO PROVIDO. 1. A Lei n.º 11.340/2006, denominada Lei Maria da Penha, tem o intuito de proteger a mulher da violência doméstica e familiar que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial, sendo que o crime deve ser cometido no âmbito da unidade doméstica, da família ou em qualquer relação íntima de afeto. 2. Na espécie, apurou-se que o Réu foi à casa da vítima para ameaçá-la, ocasião em que provocou danos em seu carro ao atirar pedras. Após, foi constatado o envio rotineiro de mensagens pelo telefone celular com o claro intuito de intimidá-la e forçá-la a abrir mão "do controle financeiro da pensão recebida pela mãe" de ambos. 3. Nesse contexto, inarredável concluir pela incidência da Lei n.º 11.343/06, tendo em vista o sofrimento psicológico em tese sofrido por mulher em âmbito familiar, nos termos expressos do art. 5.º, inciso II, da mencionada legislação. 4. "Para a configuração de violência doméstica, basta que estejam presentes as hipóteses previstas no artigo 5º da Lei 11.343/2006 (Lei Maria da Penha), dentre as quais não se encontra a necessidade de coabitação entre autor e vítima." (HC 115.857/MG, 6.ª Turma, Rel. Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG), DJe de 02/02/2009.) 5. Recurso provido para determinar que Juiz de Direito da 3.ª Vara do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Brasília/DF prossiga no julgamento da causa”. (REsp 1239850/DF, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 16/02/2012, DJe 05/03/2012)

c) Qualquer relação íntima de afeto: a expressão decorre do art. 5º, III, da Lei 11.340/2006 cuja redação é a seguinte: “em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação”. Essa relação íntima requer, pelo menos a princípio, certo nexo entre a agressão e a situação que a gerou, de maneira que a relação íntima seja a causa da violência.

PERGUNTA: E no caso de relacionamentos amorosos passageiros? Poderá ser configurada a “relação íntima de afeto”, mencionada no artigo 5º, III, da Lei 11.340/2006? Segundo o STJ, não!!!, vejamos a seguinte ementa: “CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PENAL. LEI MARIA DA PENHA. VIOLÊNCIA PRATICADA EM DESFAVOR DE EX-NAMORADA. CONDUTA CRIMINOSA VINCULADA A RELAÇÃO ÍNTIMA DE AFETO. CARACTERIZAÇÃO DE ÂMBITO DOMÉSTICO E FAMILIAR. LEI N.º 11.340/2006. APLICAÇÃO. 1. A Lei n.º 11.340/2006, denominada Lei Maria da Penha, em seu art. 5.º, inc. III, caracteriza como violência doméstica aquela em que o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Contudo, necessário se faz salientar que a aplicabilidade da mencionada legislação a relações íntimas de afeto como o namoro deve ser analisada em face do caso concreto. Não se pode ampliar o termo - relação íntima de afeto - para abarcar um relacionamento passageiro, fugaz ou esporádico. 2. In casu, verifica-se nexo de causalidade entre a conduta criminosa e a relação de intimidade existente entre agressor e vítima, que estaria sendo ameaçada de morte após romper namoro de quase dois anos, situação apta a atrair a incidência da Lei n.º 11.340/2006. 3. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da 1.ª Vara Criminal de Conselheiro Lafaiete/MG.” (CC 100.654/MG, Rel. Ministra LAURITA VAZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 25/03/2009, DJe 13/05/2009)

Contudo, em se tratando de relações duradouras, ainda que não haja coabitação, aplica-se a lei Maria da Penha. Nestes termos, o STJ decidiu que: “CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. LEI MARIA DA PENHA. RELAÇÃO DE NAMORO. DECISÃO DA 3ª SEÇÃO DO STJ. AFETO E CONVIVÊNCIA INDEPENDENTE DE COABITAÇÃO. CARACTERIZAÇÃO DE ÂMBITO DOMÉSTICO E FAMILIAR. LEI Nº 11.340/2006. APLICAÇÃO. COMPETÊNCIA DO JUÍZO DE DIREITO DA 1ª VARA CRIMINAL. 1. Caracteriza violência doméstica, para os efeitos da Lei 11.340/2006, quaisquer agressões físicas, sexuais ou psicológicas causadas por homem em uma mulher com quem tenha convivido em qualquer relação íntima de afeto, independente de coabitação. 2. O namoro é uma relação íntima de afeto que independe de coabitação; portanto, a agressão do namorado contra a namorada, ainda que tenha cessado o relacionamento, mas que ocorra em decorrência dele, caracteriza violência doméstica. 3. A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, ao decidir os conflitos nºs. 91980 e 94447, não se posicionou no sentido de que o namoro não foi alcançado pela Lei Maria da Penha, ela decidiu, por maioria, que naqueles casos concretos, a agressão não decorria do namoro. 4. A Lei Maria da Penha é um exemplo de implementação para a tutela do gênero feminino, devendo ser aplicada aos casos em que se encontram as mulheres vítimas da violência doméstica e familiar. 5. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo de Direito da 1ª Vara Criminal de Conselheiro Lafaiete -MG.” (CC 96.532/MG, Rel. Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG), TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 05/12/2008, DJe 19/12/2008)

PERGUNTA: É possível no âmbito da violência doméstica a aplicação do princípio da insignificância (bagatela)? De acordo com o STF, os pressupostos para aplicação do referido princípio são: a) a mínima ofensividade da conduta do agente; b) a ausência de periculosidade social da ação; c) o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; e, d) a inexpressividadeda da lesão jurídica provocada. Contudo, no âmbito da violência doméstica e familiar o entendimento majoritário do STJ é no sentido da não aplicação do princípio, dada a relevância das condutas, vejamos: “PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL LESÃO CORPORAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. PRINCÍPIO DA BAGATELA IMPRÓPRIA. IRRELEVÂNCIA PENAL DO FATO.NÃO APLICAÇÃO. 1. Não têm aplicação aos delitos com violência à pessoa, no âmbito das relações domésticas, tanto o princípio da insignificância como o da bagatela imprópria, sendo pacífico o entendimento deste Superior Tribunal de Justiça no sentido da relevância penal de tais condutas. 2. Agravo regimental improvido” (STJ – AgRg no REsp n. 1464335/MS, Sexta Turma, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe 31.3.2015)




[1] “Atualmente, as ações afirmativas podem ser definidas como um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário, concebidas com vista ao combate à discriminação racial, de gênero e de origem nacional, bem como para corrigir os efeitos presentes da discriminação praticada no passado, tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais como a educação e o emprego. [...], as ações afirmativas têm natureza multifacetária, e visam a evitar que a discriminação se verifique nas formas usualmente conhecidas – isto é, formalmente, por meio de normas de aplicação geral ou específica, ou através de mecanismos informais, difusos, estruturais, enraizados nas práticas culturais e no imaginário coletivo” BARBOSA, Joaquim B. Barbosa. Ação afirmativa & princípio constitucional da igualdade: o Direito como instrumento de transformação social. A experiência dos EUA. Rio de Janeiro: Renovar, 2001

[2] A SOBERANIA PATRIARCAL: O SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL NO TRATAMENTO DA VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA A MULHER. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, n. 48, p. 260/290, maio/jun. 2004.

[3] Livro “O Poder do Macho”, Heleieth Saffioti, 1987.

[4] SILVA JÚNIOR, Edison Miguel da. Direito penal de gênero. Lei nº 11.340/06: violência doméstica e familiar contra a mulher. Jus Navigandi, Teresina, ano 11n. 123114nov. 2006 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/9144>. Acesso em: 14 jun. 2012.

[5] A Lei Maria da Penha na Justiça. A efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

[6] Violência machista da mulher e Lei Maria da Penha: mulher bate em homem e em outra mulher. Disponível em: http://www.jusbrasil.com.br/noticias/1366047/violencia-machista-da-mulher-e-lei-maria-da-penha-mulher-bate-em-homem-e-em-outra-mulher Acesso em: 28 ago. 2013.

[7] CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PENAL. JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL E JUIZ DE DIREITO. CRIME COM VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA MULHER. CRIME CONTRA HONRA PRATICADO POR IRMÃ DA VÍTIMA. INAPLICABILIDADE DA LEI Nº 11.340/06. COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL. 1. Delito contra honra, envolvendo irmãs, não configura hipótese de incidência da Lei nº 11.340/06, que tem como objeto a mulher numa perspectiva de gênero e em condições de hipossuficiência ou inferioridade física e econômica. 2. Sujeito passivo da violência doméstica, objeto da referida lei, é a mulher. Sujeito ativo pode ser tanto o homem quanto a mulher, desde que fique caracterizado o vínculo de relação doméstica, familiar ou de afetividade. 2. No caso, havendo apenas desavenças e ofensas entre irmãs, não há qualquer motivação de gênero ou situação de vulnerabilidade que caracterize situação de relação íntima que possa causar violência doméstica ou familiar contra a mulher. Não se aplica a Lei nº 11.340/06. 3. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito do Juizado Especial Criminal de Governador Valadares/MG, o suscitado. (CC 88.027/MG, Rel. Ministro OG FERNANDES, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 05/12/2008, DJe 18/12/2008)

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