[DIREITOS REAIS] Direitos reais de garantia




RESENHA 11
Direitos reais de garantia:

1.     Direitos reais de garantia (conceito)

Como cediço, vige em nosso sistema de direito civil o princípio da responsabilidade patrimonial.

Eis que o artigo 591, do CPC, tem a seguinte redação: “O devedor reponde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei”.

O problema ocorre quanto esse patrimônio é insuficiente para o pagamento de todos os credores, gerando uma situação jurídica chamada de insolvência. Outra situação um tanto quanto comum é a má-fé por parte de alguns devedores, que usam das mais variadas artimanhas jurídicas para contornar seu dever patrimonial (fraudes, desvios e transferências patrimoniais etc.). 

Visando solucionar essas ocorrências e garantir maior segurança jurídica aos negócios em geral, o sistema cuidou de criar regras mais seguras aos credores, estabelecendo um vínculo real sobre bens determinados do devedor.

As garantias reais de diferenciam daquelas de natureza pessoal ou fidejussórias exatamente em razão de que naquelas “terceira pessoa se obriga, por meio de fiança, a solver o débito, não satisfeito pelo devedor principal. Nas de natureza real, o próprio devedor, ou alguém por ele, oferece todo ou parte de seu patrimônio para assegurar o cumprimento da obrigação” (CARLOS ROBERTO GONÇALVES, pág. 528).    

O nosso código civil cuida dos denominados direitos reais de garantia sobre bens alheios nos artigos 1.419 à 1.510: hipoteca, penhor e anticrese.

O CC/2002 também disciplina a propriedade fiduciária nos artigos 1.361 à 1.368, que, em verdade é uma modalidade de garantia real sobre bem próprio. 

2.     Modalidades de direitos reais de garantia

Como já frisado, são direitos reais de garantia: hipoteca o penhor e a anticrese.

A hipoteca é a forma de garantia real estabelecida sobre bens imóveis. Todavia, essa observação não é considerada absoluta, pois é possível a constituição de hipoteca sobre aeronaves e navios (art. 1.473, CC/2002). Já o penhor refere-se à garantia sobre bens móveis (ex. uma jóia). A anticrese é a garantia real que se estabelece sobre a coisa que deverá pagar a dívida com as suas rendas (ex. a locação de um bem imóvel do devedor).

Na hipoteca o bem permanece em poder do devedor, ou seja, ele mesmo continua sendo seu possuidor, ao passo que na anticrese e penhor, como regra geral, o bem se desloca do devedor para o credor que passará a exercer a posse direta sobre o mesmo.

3.     Regras gerais dos direitos reais de garantia

3.1 Requisitos subjetivos (relacionados a quem pode gravar os bens com as garantidas reais):

Em linhas gerais, não podem hipotecar, dar em anticrese, ou empenhar:

a)     Os menores de 16 anos, por serem considerados absolutamente incapazes. Contudo, mediante autorização judicial específica, os menores, devidamente representados pelos seus pais poderão realizar tais atos (art. 1.691), desde que haja “necessidade ou evidente interesse da prole”, vejamos o preceptivo legal:

Art. 1.691. Não podem os pais alienar, ou gravar de ônus real os imóveis dos filhos, nem contrair, em nome deles, obrigações que ultrapassem os limites da simples administração, salvo por necessidade ou evidente interesse da prole, mediante prévia autorização do juiz.
Parágrafo único. Podem pleitear a declaração de nulidade dos atos previstos neste artigo:
I - os filhos;
II - os herdeiros;
III - o representante legal.

b)     Os maiores de 16 e menores de 18 anos, sem assistência dos pais e autorização judicial;

c)      Os menores e os interditos sob tutela (Art. 1748, IV e 1.750, do CC/2002), salvo se obtiverem autorização especial do juiz;

d)     Os pródigos, exceto se estiverem assistidos pelos seus curadores (Art. 1.782, CC/2002):

Art. 1.782. A interdição do pródigo só o privará de, sem curador, emprestar, transigir, dar quitação, alienar, hipotecar, demandar ou ser demandado, e praticar, em geral, os atos que não sejam de mera administração.

e)     As pessoas casadas, pois há exigência específica (Art. 1.647, CC/2002). A falta de vênia conjugal torna o ato anulável. Assim, pode ser pleiteada a sua nulidade no prazo de até dois anos depois de terminada a sociedade conjugal.

A possibilidade de anulação do ato pelo cônjuge eventualmente prejudicado não tem sido reconhecida, em extensão, para os companheiros, vejamos: 

PENHORA. BEM DADO EM HIPOTECA. DEVEDOR QUE VIVIA EM UNIÃO ESTÁVEL. DESCONHECIMENTO DO CREDOR. VALIDADE DA HIPOTECA. 1. Os efeitos patrimoniais da união estável são semelhantes aos do casamento em comunhão parcial de bens (Art. 1.725 do novo Código Civil). 2. Não deve ser preservada a meação da companheira do devedor que agiu de má-fé, omitindo viver em união estável para oferecer bem do casal em hipoteca, sob pena de sacrifício da segurança jurídica e prejuízo do credor. (REsp 952.141/RS, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em 28/06/2007, DJ 01/08/2007, p. 491) 

f)       O inventariante também não poderá gravar de ônus real os bens a serem partilhados, salvo autorização judicial específica. No entanto, o herdeiro, individualmente, poderá dar em garantia real a sua fração ou quinhão hereditário;

g)     O Falido, pois a Lei 11.101/2005, que rege o processo falimentar, o afasta da administração dos seus bens (art. 102).

3.2 Requisitos objetivos (relacionados aos bens que serão objeto das garantidas reais):

A regra básica está no artigo 1.420, do CC/2002, que em sua parte final determina que “só os bens que se podem alienar poderão ser dados em penhor, anticrese ou hipoteca”. Portanto, não podem ser objeto de garantias reais, sob pena de nulidade, os bens fora do comércio como os públicos, os inalienáveis (enquanto assim permanecerem), o bem de família etc. 


PERGUNTA: A coisa pertencente a várias pessoas (condomínio) pode ser dada em garantia real? O parágrafo terceiro do artigo 1.420, do CC/2002, responde a esta pergunta, vejamos: “A coisa comum a dois ou mais proprietários não pode ser dada em garantia real, na sua totalidade, sem o consentimento de todos; mas cada um pode individualmente dar em garantia real a parte que tiver”.

Outra questão: e se o bem comum (em condomínio) for indivisível? Para atender ao princípio da especialização, que orienta o registro, deve-se descrever todo o imóvel e esclarecer que ele se encontra em comum, incidindo a garantia na fração ideal do devedor. 

3.3 Requisitos formais

Como as garantias reais têm por fim promover o destacamento de parte do patrimônio do devedor, que, como visto, é garantia geral das suas obrigações (art. 591, CPC), é necessária a observância de algumas regras formais, dentre as quais a especialização e a publicidade.

A especialização é a descrição pormenorizada, no contrato, do bem dado em garantia, do valor da dívida, taxa de juros, vencimentos etc.. É o que determina o artigo 1.424, do CC/2002:

Art. 1.424. Os contratos de penhor, anticrese ou hipoteca declararão, sob pena de não terem eficácia: I - o valor do crédito, sua estimação, ou valor máximo; II - o prazo fixado para pagamento; III - a taxa dos juros, se houver;

 A publicidade, de igual modo, é essencial nos contratos de garantias reais. No caso da hipoteca, anticrese e penhor rural, deve ser registrada no RGI (art. 1.438, 1.492, do CC/2002 e, ainda, artigo 167 da Lei de Registros Públicos).

No dizer de SILVIO RODRIGUES “a ausência desses requisitos não acarreta, porém, a nulidade do contrato, mas apenas a sua ineficácia, pois não produz os efeitos próprios de um direito real. Valerá apenas como direito pessoal, vinculando somente as partes que intervieram na convenção. Em conseqüência, fica o credor privado da seqüela, da preferência e da ação real, restando-lhe apenas o direito de participar do concurso de credores, na condição de quirografário” (Direito Civil, v. 5. P. 340, apud, CARLOS R. GONÇALVES).

3.4 Características dos direitos reais de garantia sobre bens alheios

a) Direito de Preferência: Decorre do artigo 1.422, do CC/2002, vejamos:

Art. 1.422. O credor hipotecário e o pignoratício têm o direito de excutir a coisa hipotecada ou empenhada, e preferir, no pagamento, a outros credores, observada, quanto à hipoteca, a prioridade no registro.
Parágrafo único. Excetuam-se da regra estabelecida neste artigo as dívidas que, em virtude de outras leis, devam ser pagas precipuamente a quaisquer outros créditos.

O direito de preferência, sem dúvida, é uma das principais características dos direitos reais de garantia sobre bens alheios. Consiste, basicamente, no fato de garantir ao credor o direito de pagar-se com o produto da venda judicial do bem gravado em primeiro lugar. Assim, os demais credores do devedor, não participam de concurso de credores no que respeita ao bem objeto da garantia.

Apenas quando o valor obtido com a alienação judicial superar o valor da dívida hipotecária é que eles, os credores quirografários, participam do rateio das sobras. No entanto, se o valor do bem for insuficiente para o pagamento da dívida garantida, o credor com garantia passará a ter direito ao saldo restante na mesma condição[1] dos credores quirografários[2]. O direito de preferência é deferido apenas ao credor hipotecário e ao pignoratício. O credor anticrético poderá reter o bem até que a dívida seja saldada (Art. 1.423, CC/2002).

O direito de preferência, contudo, não é absoluto. Assim, havendo regras específicas elas devem ser observadas, pois o próprio artigo 1.422 do CC/2002, em seu parágrafo único, determina que excetuam-se da regra geral (prevista no caput) as preferências eventualmente estabelecidas por outras leis especiais, como no caso da Lei 11.101/2005 (art. 83).

Com efeito, afastando a preferência das garantias reais, o STJ possui entendimento consolidado no sentido de que as despesas condominiais, em razão da sua natureza propter rem, preferem ao crédito hipotecário, vejamos:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. DESPESAS CONDOMINIAIS. PREFERÊNCIA AO CRÉDITO HIPOTECÁRIO. PRECEDENTES. QUESTÃO PACIFICADA NO ÂMBITO DESTA CORTE SUPERIOR. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 83 DO STJ.  1. Nos termos do posicionamento consolidado na jurisprudência de ambas as Turmas componentes da Segunda Seção do STJ, o crédito condominial tem preferência sobre o crédito hipotecário. Precedentes. 2. Estando o acórdão recorrido em conformidade com a jurisprudência deste Tribunal Superior, fica o recurso especial obstado pela incidência da Súmula 83 do STJ. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no Ag 1382719/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 18/08/2011, DJe 29/08/2011)

b) Direito de Seqüela: O direito de seqüela também é um importante diferencial das garantias reais. Assim, por exemplo, quem compra imóvel hipotecado corre o risco de ver o bem alienado judicialmente em virtude de dívidas anteriores. O civilista ORLANDO GOMES esclarece que “o vínculo não se descola da coisa cujo valor está afetado ao pagamento da dívida. Se o devedor a transmite a outrem, continua onerada, transferindo-se, com ela, o gravame” (Apud CARLOS R. GONÇALVES, Direitos reais, pag. 378).

Essa regra, embora seja uma das principais características dos direitos reais, igualmente comporta exceções. Vejamos o que determina a súmula n.º 308, do STJ:

A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel

Outra observação importante deve ser feita. A usucapião, como forma de aquisição originária que é, prevalece sobre direitos reais de garantia estabelecidos sobre o mesmo bem, como a hipoteca. Neste sentido, vejamos o que decidiu recentemente o STJ:

“5. Os direitos reais de garantia não subsistem se desaparecer o "direito principal" que lhe dá suporte, como no caso de perecimento da propriedade por qualquer motivo. Com a usucapião, a propriedade anterior, gravada pela hipoteca, extingue-se e dá lugar a uma outra, ab novo, que não decorre da antiga, porquanto não há transferência de direitos, mas aquisição originária. Se a própria propriedade anterior se extingue, dando lugar a uma nova, originária, tudo o que gravava a antiga propriedade - e lhe era acessório - também se extinguirá. 6. Assim, com a declaração de aquisição de domínio por usucapião, deve desaparecer o gravame real hipotecário constituído pelo antigo proprietário, antes ou depois do início da posse ad usucapionem, seja porque a sentença apenas declara a usucapião com efeitos ex tunc, seja porque a usucapião é forma originária de aquisição de propriedade, não decorrente da antiga e não guardando com ela relação de continuidade. 7. Ademais, "a hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel" (Súmula n. 308). 8. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 941.464/SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 24/04/2012, DJe 29/06/2012)    

            c) Direito de Excussão: Nos termos do artigo 1.422, do CC, “o credor hipotecário ou pignoratício têm o direito de excutir a coisa hipotecada ou empenhada”.

Isso significa dizer que o credor poderá levar o bem – objeto da garantia – a uma hasta pública, via processo judicial de execução, a fim de vendê-lo e ficar com o produto da venda.

No mesmo sentido, é importante frisar que quando houver duas ou mais hipotecas sobre o mesmo imóvel, o credor que registrou em primeiro lugar terá preferência em relação ao segundo registro e assim sucessivamente. O que vale para estabelecer essa relação de preferência é a data do registro e não a data da relação jurídica que gerou a garantia real.

d) Indivisibilidade: Essa característica ou efeito dos direitos reais de garantia está insculpida no artigo 1.421, do CC/2002, nos seguintes termos:

Art. 1.421. O pagamento de uma ou mais prestações da dívida não importa exoneração correspondente da garantia, ainda que esta compreenda vários bens, salvo disposição expressa no título ou na quitação

Com base nesta disposição, é possível concluir que mesmo que o devedor efetue o pagamento de metade da dívida, isso não implica, necessariamente, a exoneração de metade da garantia que permanece íntegra, sem qualquer abatimento, salvo se houver, no título respectivo, uma disposição em contrário.

Assim, somente haverá liberação proporcional se o título o permitir ou em caso de quitação parcial (ato que depende do credor).

Como decorrência desse princípio, o artigo 1.429 do CC/2002, destaca o seguinte:

Art. 1.429. Os sucessores do devedor não podem remir parcialmente o penhor ou a hipoteca na proporção dos seus quinhões; qualquer deles, porém, pode fazê-lo no todo.
Parágrafo único. O herdeiro ou sucessor que fizer a remição fica sub-rogado nos direitos do credor pelas quotas que houver satisfeito.

OBS.: Remir a dívida significa liberação da coisa gravada pelo ônus real em virtude de pagamento. Diferentemente, remissão (com ‘ss’) no direito das obrigações significa extinção da obrigação em razão de perdão.

            Portanto, o sucessor do devedor, caso pretenda liberar o bem do ônus real deverá fazê-lo por inteiro, oportunidade em que se sub-rogará nos direitos do credor no que respeita as cotas dos demais herdeiros, caso existentes.

4.     Outras regras importantes

4.1Vencimento antecipado da dívida

Como forma de reforçar a garantia do credor, nas obrigações garantidas com ônus real, o artigo 1.245, dispôs que:

Art. 1.425. A dívida considera-se vencida:
I - se, deteriorando-se, ou depreciando-se o bem dado em segurança, desfalcar a garantia, e o devedor, intimado, não a reforçar ou substituir;
II - se o devedor cair em insolvência ou falir;
III - se as prestações não forem pontualmente pagas, toda vez que deste modo se achar estipulado o pagamento. Neste caso, o recebimento posterior da prestação atrasada importa renúncia do credor ao seu direito de execução imediata;
IV - se perecer o bem dado em garantia, e não for substituído;
V - se se desapropriar o bem dado em garantia, hipótese na qual se depositará a parte do preço que for necessária para o pagamento integral do credor.
§ 1o Nos casos de perecimento da coisa dada em garantia, esta se sub-rogará na indenização do seguro, ou no ressarcimento do dano, em benefício do credor, a quem assistirá sobre ela preferência até seu completo reembolso.
§ 2o Nos casos dos incisos IV e V, só se vencerá a hipoteca antes do prazo estipulado, se o perecimento, ou a desapropriação recair sobre o bem dado em garantia, e esta não abranger outras; subsistindo, no caso contrário, a dívida reduzida, com a respectiva garantia sobre os demais bens, não desapropriados ou destruídos.

Incide, em todas as hipóteses mencionadas acima, por razão lógica, o disposto no artigo 1.426, também do CC/2002: “não se compreendem os juros correspondentes ao tempo ainda não decorrido”.

No caso da deterioração, não interessa o motivo. Portanto, ainda que a deterioração seja oriunda de causa natural, fortuito ou força maior, o devedor deverá, nos termos da lei, reforçar ou substituir a garantia.     

4.2Garantia real prestada por terceiro 

De acordo com o disposto no artigo 1.427, do CC/2002:

Art. 1.427. Salvo cláusula expressa, o terceiro que presta garantia real por dívida alheia não fica obrigado a substituí-la, ou reforçá-la, quando, sem culpa sua, se perca, deteriore, ou desvalorize.

Com base nessa regra, adverte lucidamente a doutrina que “o terceiro não fica pessoalmente vinculado, não se transformando em codevedor nem em fiador, pois não assume responsabilidade que possa atingir todo o seu patrimônio, a menos que o contrato reze o contrário. Por tal razão, não fica obrigado a substituir ou reforçar a garantia se a coisa gravada se deteriora, ou se desvaloriza, pois só ela responde pela obrigação. Essa responsabilidade não se amplia aos demais componentes do patrimônio do terceiro” (CARLOS ROBERTO GONÇALVES, pág. 550). 

Com isso, conclui-se que o credor não poderá exigir do terceiro que prestou a garantia, o reforço ou substituição do bem. Inaplicável, portanto, o disposto no artigo 1.425, I, citado anteriormente.

Pela regra analisada, existem duas exceções: a) quando o próprio terceiro se comprometer contratualmente a substituir ou reforçar a garantia; b) quando o perecimento ou desvalorização ocorrer em razão de culpa do terceiro que prestou a garantia.  

4.3Proibição da cláusula comissória (nulidade do pacto comissório real)

Com a finalidade de evitar usura o CC/2002 proíbe, expressamente, o seguinte:

Art. 1.428. É nula a cláusula que autoriza o credor pignoratício, anticrético ou hipotecário a ficar com o objeto da garantia, se a dívida não for paga no vencimento.
Parágrafo único. Após o vencimento, poderá o devedor dar a coisa em pagamento da dívida.

A principal razão da proibição é de ordem moral. Assim, se na execução da garantia, o valor do bem superar o valor da dívida, o que sobejar deverá ser entregue ao devedor.

Interessante observar que a nulidade da cláusula não atinge todo o contrato, em observância do artigo 184, do CC/2002[3].

Veja que muito embora o pacto comissório seja proibido no caput do artigo 1.428, do CC/2002, o parágrafo único autoriza a dação em pagamento, utilizando-se do mesmo bem anteriormente oferecido em garantia, desde que seja posterior ao vencimento da dívida. 

A doutrina justifica que a finalidade dessa possibilidade de dação em pagamento é prestigiar o devedor, pois “a isso não está obrigado, mas que pode fazer a opção se lhe convier. Não se cuida de direito assegurado ao credor, mas de faculdade reconhecida ao devedor que resulta da vontade livre daquele que deve. Não se vislumbra, na espécie, a pressão da necessidade impondo a solução ao devedor” (CARLOS ROBERTO GONÇALVES, pág. 552).

De igual modo, FRANCISCO EDUARDO LOUREIRO testifica que:

“(...) A cláusula comissória é condenada pela maioria das legislações ocidentais por duas razões: por proteger o devedor fraco da exploração gananciosa do credor e por evitar o bem dado em garantia ser apropriado sem correspondência com seu valor de mercado. A invalidade alcança os negócios jurídicos indiretos, que mascaram a cláusula comissória sob a aparência de convenção lícita, por fraude à lei, nos termos do art. 166, VI, do Código Civil. Os exemplos mais comuns são contratos de venda e compra com pacto de retrovenda, ou compromissos de compra e venda com objetivo de garantia a contrato de mútuo. O negócio indireto se verifica "quando as partes recorrem, concretamente, a um negócio determinado, para obter, através do mesmo, resultado diverso daquele típico da estrutura do próprio negócio; as partes visam, assim, um escopo que não é típico do próprio negócio” (Lima, Alvino. A Fraude no Direito Civil. São Paulo, Saraiva, 1965, p. 80)[4].

O entendimento do STJ segue o mesmo raciocínio:

RECURSO ESPECIAL - EMBARGOS À EXECUÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CONSISTENTE NA OUTORGA DE ESCRITURA PÚBLICA DE TRANSFERÊNCIA DE PROPRIEDADE DE BENS IMÓVEIS - PROMESSA DE COMPRA E VENDA FIRMADA EM GARANTIA A CONTRATO DE FACTORING SOB A ÉGIDE DO CÓDIGO CIVIL DE 1916 - CARACTERIZAÇÃO DE PACTO COMISSÓRIO VEDADO PELO ORDENAMENTO JURÍDICO. INSURGÊNCIA DOS EXEQUENTES/EMBARGADOS. (...) 2.  Assentado no acórdão recorrido e incontroverso nos autos que a execução de obrigação de fazer lastra-se em contratos de compromisso de compra e venda, dados como garantia para o caso de inadimplência em contrato de factoring, pode o Superior Tribunal de Justiça, sem incorrer em superação das Súmulas ns. 5 e 7, estabelecer fundamento jurídico diverso daquele fixado pela Corte local para proclamar a nulidade absoluta dos ajustes sub judice. 3. No caso, resta perfeitamente configurada a figura do pacto comissório, pois, simulando a celebração de contratos de compromisso de compra e venda, foram instituídas verdadeiras garantias reais aos ajustes de factoring, permitindo que, em caso de inadimplência, fossem os bens transmitidos diretamente ao credor. Avença nula de pleno direito, consoante o disposto no art. 765 do CC/1916, atual art. 1.428 do CC/2002. Precedentes da Corte. 4. Recurso especial desprovido. (REsp 954.903/RS, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 11/12/2012, DJe 01/02/2013)

5.     Das garantias reais sobre bens alheios em espécie

5.1Hipoteca

Conceito e modalidades

De acordo com ROSENVALD “[a] hipoteca pode ser conceituada como direito real de garantia, em virtude do qual um bem imóvel (exceto navios e aeronaves) remanesce na posse do devedor ou de terceiro, assegurando preferencialmente ao credor o pagamento de uma dívida”. Assim, “um ou mais bens específicos do patrimônio imobiliário do devedor ou do terceiro garantidos são afetados como caução específica de uma obrigação” (CURSO, pág. 909).
Modalidades:

a)     Hipoteca convencional;
b)     Hipoteca legal: (art. 1.489); é um modelo de garantia imposta pela lei. No caso em apreço, incidem as regras dos artigos 1.205 à 1.210, do CPC, para sua constituição.  Art. 134 e seguintes do CPP – procedimento na esfera penal;
c)      Hipotecas especiais (navios e aeronaves) seguem regras especiais;
d)     Hipoteca cedular (art. 1.486, Cédula Rural Hipotecária, Cédula Industrial Hipotecária, Cédula de Produto Rural) Leis especiais (só os Bancos podem instituí-las); 
e)     Hipoteca judicial (art. 466, CPC): Refere-se a eficácia anexa da sentença. Pode ser instituída ainda que o recurso de apelação tenha sido recebido em ambos os efeitos.
f)       Objeto: art. 1.473, CC/2002;
g)     Registro da hipoteca: art. 1.492, CC/2002;
h)     Possibilidade de alienação de bem hipotecado: art. 1.475, CC/2002;
i)       Possibilidade de várias hipotecas: art. 1476; (Ver, 171, § 2.º, II, CP)
j)       Remição pelo credor sub-hipotecário (1.478);

Formas de remição hipotecária:

Ø  Remição como direito subjetivo processual afeto ao devedor ou qualquer interessado. A remição será efetivada até a assinatura do auto de arrematação ou adjudicação e deve envolver todo o débito (art. 651, CPC); A adjudicação é considerada perfeita com a assinatura do auto de adjudicação pelo juiz, pelo exeqüente (adjudicante), pelo escrivão e pelo executado (Art. 685-B, CPC). 

Ø  Remição de bens: poderá ser procedido pelo cônjuge, ascendente, descendente. O devedor permanece responsável pelo restante do débito (art. 788, CPC);

Ø  Remição pelo adquirente: (Art. 1.481, CC). Remindo a execução hipotecária o adquirente se sub-roga, de pleno direito, na posição do credor originário (Art. 346, II, CC)

Ø  Remição pelo credor sub-hipotecário: (art. 1478, CC/2002);

k)     Extinção da hipoteca (1.499, CC/2002): Prazo máximo de duração: 30 anos: art. 1.485, CC/2002.

5.2Penhor

Conceito e modalidades

Nos termos do artigo 1.431, do CC/2002:

Art. 1.431. Constitui-se o penhor pela transferência efetiva da posse que, em garantia do débito ao credor ou a quem o represente, faz o devedor, ou alguém por ele, de uma coisa móvel, suscetível de alienação.

Parágrafo único. No penhor rural, industrial, mercantil e de veículos, as coisas empenhadas continuam em poder do devedor, que as deve guardar e conservar.

            Assim, o penhor, como modalidade de direito real de garantia sobre coisa alheia é um tipo de contrato que não se aperfeiçoa apenas e tão-somente com a vontade das partes (solo consensu). Além do elemento volitivo é essencial a entrega efetiva do bem o que não se confunde com a tradição, pois nesta a entrega efetiva representa a transferência da propriedade, o que não ocorre no contrato de penhor que tem natureza jurídica diversa.

A doutrina conceitua o contrato de penhor como “o direito real que consiste na tradição de uma coisa móvel, suscetível de alienação, realizada pelo devedor ou por terceiro ao credor, em garantia do débito” (CARLOS ROBERTO GONÇAVELS, DIREITO CIVIL BRASILEIRO, pág. 555).  

Características do contrato de penhor:
l)       É direito real, logo, possui todos os caracteres comuns aos direitos reais: i) recai direitamente sobre alguma coisa; ii) opera erga omnes; iii) possui direito de seqüela; iv) possibilidade de excussão do bem; v) preferência no pagamento do débito do credor pignoratício; vi) deve ser levado a registro no Cartório de Títulos e Documentos para ter eficácia contra terceiros;

m)   É direito acessório: isso quer dizer que segue o destino do contrato principal. Sendo nula a obrigação principal nulo será o penhor.

n)     Só se aperfeiçoa com a tradição do bem, pois como já se afirmado, não se aperfeiçoa unicamente com a declaração de vontade;

o)     Objeto do penhor: coisas móveis, corpórea ou incorpórea (crédito), de existência real ou futura (ex. safra de 2013); 

p)     Especialização: É necessária a especialização que consiste, basicamente, no cumprimento das disposições do artigo 1.424, do CC/2002;

q)     Forma do penhor: é contrato solene, portanto, deve ser escrito e elaborado via instrumento público ou particular e levado à registro;

r)      Direitos do credor pignoratício: 1.433            


5.3 Anticrese

5.4 Alienação fiduciária em garantia

(1361 à 1368-A, CC)




[1] Art. 1.430. Quando, excutido o penhor, ou executada a hipoteca, o produto não bastar para pagamento da dívida e despesas judiciais, continuará o devedor obrigado pessoalmente pelo restante.
[2] Quiro = mão, credor sem qualquer tipo de garantia real ou pessoal, ou seja, de mãos vazias.
[3] Art. 184. Respeitada a intenção das partes, a invalidade parcial de um negócio jurídico não o prejudicará na parte válida, se esta for separável; a invalidade da obrigação principal implica a das obrigações acessórias, mas a destas não induz a da obrigação principal. 
[4] Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência", Coordenação do Ministro Cezar Peluso, 6ª ed., Barueri - SP, Manole, 2012, pág. 1.529