RESENHA
11
Direitos reais de garantia:
1.
Direitos reais de garantia
(conceito)
Como
cediço, vige em nosso sistema de direito civil o princípio da responsabilidade patrimonial.
Eis
que o artigo 591, do CPC, tem a seguinte redação: “O devedor reponde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os
seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei”.
O
problema ocorre quanto esse patrimônio é insuficiente para o pagamento de todos
os credores, gerando uma situação jurídica chamada de insolvência. Outra
situação um tanto quanto comum é a má-fé por parte de alguns devedores, que
usam das mais variadas artimanhas jurídicas para contornar seu dever
patrimonial (fraudes, desvios e transferências patrimoniais etc.).
Visando
solucionar essas ocorrências e garantir maior segurança jurídica aos negócios
em geral, o sistema cuidou de criar regras mais seguras aos credores,
estabelecendo um vínculo real
sobre bens determinados do devedor.
As
garantias reais de diferenciam daquelas de natureza pessoal ou fidejussórias
exatamente em razão de que naquelas “terceira
pessoa se obriga, por meio de fiança, a solver o débito, não satisfeito pelo
devedor principal. Nas de natureza real, o próprio devedor, ou alguém por ele,
oferece todo ou parte de seu patrimônio para assegurar o cumprimento da
obrigação” (CARLOS ROBERTO GONÇALVES, pág. 528).
O
nosso código civil cuida dos denominados direitos reais de garantia sobre bens
alheios nos artigos 1.419 à 1.510: hipoteca,
penhor e anticrese.
O
CC/2002 também disciplina a propriedade fiduciária nos artigos 1.361 à 1.368,
que, em verdade é uma modalidade de garantia real sobre bem próprio.
2.
Modalidades de direitos reais de
garantia
Como
já frisado, são direitos reais de garantia: hipoteca o penhor e a anticrese.
A
hipoteca é a forma de garantia real
estabelecida sobre bens imóveis. Todavia, essa observação não é considerada
absoluta, pois é possível a constituição de hipoteca sobre aeronaves e navios
(art. 1.473, CC/2002). Já o penhor
refere-se à garantia sobre bens móveis (ex. uma jóia). A anticrese é a garantia real que se estabelece sobre a coisa que
deverá pagar a dívida com as suas rendas (ex. a locação de um bem imóvel do
devedor).
Na
hipoteca o bem permanece em poder do devedor, ou seja, ele mesmo continua sendo
seu possuidor, ao passo que na anticrese e penhor, como regra geral, o bem se
desloca do devedor para o credor que passará a exercer a posse direta sobre o
mesmo.
3.
Regras gerais dos direitos reais
de garantia
3.1 Requisitos subjetivos
(relacionados a quem pode gravar os bens com as garantidas reais):
Em
linhas gerais, não podem hipotecar, dar em anticrese, ou empenhar:
a)
Os menores de 16 anos, por serem considerados
absolutamente incapazes. Contudo, mediante autorização judicial específica, os
menores, devidamente representados pelos seus pais poderão realizar tais atos
(art. 1.691), desde que haja “necessidade
ou evidente interesse da prole”, vejamos o preceptivo legal:
Art. 1.691. Não podem
os pais alienar, ou gravar de ônus real os imóveis dos filhos, nem contrair, em
nome deles, obrigações que ultrapassem os limites da simples administração,
salvo por necessidade ou evidente interesse da prole, mediante prévia autorização
do juiz.
Parágrafo único. Podem
pleitear a declaração de nulidade dos atos previstos neste artigo:
I - os filhos;
II - os herdeiros;
III - o representante
legal.
b)
Os maiores de 16 e menores de 18
anos, sem
assistência dos pais e autorização judicial;
c)
Os menores e os interditos sob
tutela (Art. 1748,
IV e 1.750, do CC/2002), salvo se obtiverem autorização especial do juiz;
d)
Os pródigos, exceto se estiverem assistidos
pelos seus curadores (Art. 1.782, CC/2002):
Art. 1.782. A
interdição do pródigo só o privará de, sem curador, emprestar, transigir, dar
quitação, alienar, hipotecar, demandar ou ser demandado, e praticar, em geral,
os atos que não sejam de mera administração.
e)
As pessoas casadas, pois há exigência específica
(Art. 1.647, CC/2002). A falta de vênia conjugal torna o ato anulável. Assim,
pode ser pleiteada a sua nulidade no prazo de até dois anos depois de terminada
a sociedade conjugal.
A possibilidade de anulação do
ato pelo cônjuge eventualmente prejudicado não tem sido reconhecida, em
extensão, para os companheiros, vejamos:
PENHORA. BEM DADO EM HIPOTECA.
DEVEDOR QUE VIVIA EM UNIÃO ESTÁVEL. DESCONHECIMENTO DO CREDOR. VALIDADE DA
HIPOTECA. 1. Os efeitos patrimoniais da união estável são semelhantes aos do
casamento em comunhão parcial de bens (Art. 1.725 do novo Código Civil). 2. Não
deve ser preservada a meação da companheira do devedor que agiu de má-fé,
omitindo viver em união estável para oferecer bem do casal em hipoteca, sob
pena de sacrifício da segurança jurídica e prejuízo do credor. (REsp
952.141/RS, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em
28/06/2007, DJ 01/08/2007, p. 491)
f)
O inventariante também não poderá gravar de ônus
real os bens a serem partilhados, salvo autorização judicial específica. No
entanto, o herdeiro, individualmente, poderá dar em garantia real a sua fração
ou quinhão hereditário;
g)
O Falido, pois a Lei 11.101/2005, que
rege o processo falimentar, o afasta da administração dos seus bens (art. 102).
3.2 Requisitos objetivos
(relacionados aos bens que serão objeto das garantidas reais):
A
regra básica está no artigo 1.420, do CC/2002, que em sua parte final determina
que “só os bens que se podem alienar
poderão ser dados em penhor, anticrese ou hipoteca”. Portanto, não podem
ser objeto de garantias reais, sob pena de nulidade, os bens fora do comércio
como os públicos, os inalienáveis (enquanto assim permanecerem), o bem de
família etc.
PERGUNTA: A coisa pertencente a várias
pessoas (condomínio) pode ser dada em garantia real? O parágrafo terceiro do
artigo 1.420, do CC/2002, responde a esta pergunta, vejamos: “A coisa comum
a dois ou mais proprietários não pode ser dada em garantia real, na sua
totalidade, sem o consentimento de todos; mas cada um pode individualmente dar
em garantia real a parte que tiver”.
Outra
questão: e se o bem comum (em condomínio) for indivisível? Para atender ao
princípio da especialização, que orienta o registro, deve-se descrever todo o
imóvel e esclarecer que ele se encontra em comum, incidindo a garantia na fração
ideal do devedor.
3.3 Requisitos formais
Como
as garantias reais têm por fim promover o destacamento
de parte do patrimônio do devedor, que, como visto, é garantia geral das suas
obrigações (art. 591, CPC), é necessária a observância de algumas regras
formais, dentre as quais a especialização
e a publicidade.
A
especialização é a descrição pormenorizada, no contrato, do bem dado em
garantia, do valor da dívida, taxa de juros, vencimentos etc.. É o que
determina o artigo 1.424, do CC/2002:
Art. 1.424. Os contratos de penhor, anticrese ou hipoteca declararão, sob pena de não terem eficácia: I - o valor do crédito, sua estimação, ou valor máximo; II - o prazo fixado para pagamento; III - a taxa dos juros, se houver;
A publicidade, de igual modo, é essencial nos
contratos de garantias reais. No caso da hipoteca, anticrese e penhor rural,
deve ser registrada no RGI (art. 1.438, 1.492, do CC/2002 e, ainda, artigo 167
da Lei de Registros Públicos).
No
dizer de SILVIO RODRIGUES “a ausência
desses requisitos não acarreta, porém, a nulidade do contrato, mas apenas a sua
ineficácia, pois não produz
os efeitos próprios de um direito real. Valerá apenas como direito pessoal,
vinculando somente as partes que intervieram na convenção. Em conseqüência,
fica o credor privado da seqüela, da preferência e da ação real, restando-lhe
apenas o direito de participar do concurso de credores, na condição de
quirografário” (Direito Civil, v. 5. P. 340, apud, CARLOS R. GONÇALVES).
3.4 Características dos direitos
reais de garantia sobre bens alheios
a) Direito de Preferência: Decorre do artigo 1.422, do
CC/2002, vejamos:
Art. 1.422. O credor
hipotecário e o pignoratício têm o direito de excutir a coisa hipotecada ou
empenhada, e preferir, no pagamento, a outros credores, observada, quanto à
hipoteca, a prioridade no registro.
Parágrafo único.
Excetuam-se da regra estabelecida neste artigo as dívidas que, em virtude de
outras leis, devam ser pagas precipuamente a quaisquer outros créditos.
O
direito de preferência, sem dúvida, é uma das principais características dos
direitos reais de garantia sobre bens alheios. Consiste, basicamente, no fato
de garantir ao credor o direito de pagar-se com o produto da venda judicial do
bem gravado em primeiro lugar. Assim, os demais credores do devedor, não
participam de concurso de credores no que respeita ao bem objeto da garantia.
Apenas
quando o valor obtido com a alienação judicial superar o valor da dívida
hipotecária é que eles, os credores quirografários, participam do rateio das
sobras. No entanto, se o valor do bem for insuficiente para o pagamento da
dívida garantida, o credor com garantia passará a ter direito ao saldo restante
na mesma condição[1]
dos credores quirografários[2].
O direito de preferência é deferido apenas ao credor hipotecário e ao
pignoratício. O credor anticrético poderá reter o bem até que a dívida seja
saldada (Art. 1.423, CC/2002).
O
direito de preferência, contudo, não é absoluto. Assim, havendo regras
específicas elas devem ser observadas, pois o próprio artigo 1.422 do CC/2002,
em seu parágrafo único, determina que excetuam-se da regra geral (prevista no caput) as preferências eventualmente
estabelecidas por outras leis especiais, como no caso da Lei 11.101/2005 (art.
83).
Com
efeito, afastando a preferência das garantias reais, o STJ possui entendimento
consolidado no sentido de que as despesas condominiais, em razão da sua natureza
propter rem, preferem ao crédito
hipotecário, vejamos:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. DESPESAS CONDOMINIAIS. PREFERÊNCIA AO
CRÉDITO HIPOTECÁRIO. PRECEDENTES. QUESTÃO PACIFICADA NO ÂMBITO DESTA CORTE
SUPERIOR. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 83 DO STJ. 1.
Nos termos do posicionamento consolidado na jurisprudência de ambas as Turmas
componentes da Segunda Seção do STJ, o crédito condominial tem preferência
sobre o crédito hipotecário. Precedentes. 2. Estando o acórdão recorrido em
conformidade com a jurisprudência deste Tribunal Superior, fica o recurso
especial obstado pela incidência da Súmula 83 do STJ. 3. Agravo regimental a
que se nega provimento. (AgRg no Ag 1382719/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL
GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 18/08/2011, DJe 29/08/2011)
b) Direito de Seqüela: O direito de seqüela também é
um importante diferencial das garantias reais. Assim, por exemplo, quem compra
imóvel hipotecado corre o risco de ver o bem alienado judicialmente em virtude
de dívidas anteriores. O civilista ORLANDO GOMES esclarece que “o vínculo não se descola da coisa cujo valor
está afetado ao pagamento da dívida. Se o devedor a transmite a outrem,
continua onerada, transferindo-se, com ela, o gravame” (Apud CARLOS R.
GONÇALVES, Direitos reais, pag. 378).
Essa
regra, embora seja uma das principais características dos direitos reais,
igualmente comporta exceções. Vejamos o que determina a súmula n.º 308, do STJ:
“A hipoteca firmada entre a construtora e o
agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e
venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel”
Outra
observação importante deve ser feita. A usucapião, como forma de aquisição
originária que é, prevalece sobre direitos reais de garantia estabelecidos
sobre o mesmo bem, como a hipoteca. Neste sentido, vejamos o que decidiu
recentemente o STJ:
“5. Os direitos reais de garantia
não subsistem se desaparecer o "direito principal" que lhe dá
suporte, como no caso de perecimento da propriedade por qualquer motivo. Com a
usucapião, a propriedade anterior, gravada pela hipoteca, extingue-se e dá
lugar a uma outra, ab novo, que não decorre da antiga, porquanto não há
transferência de direitos, mas aquisição originária. Se a própria propriedade
anterior se extingue, dando lugar a uma nova, originária, tudo o que gravava a
antiga propriedade - e lhe era acessório - também se extinguirá. 6. Assim, com
a declaração de aquisição de domínio por usucapião, deve desaparecer o gravame
real hipotecário constituído pelo antigo proprietário, antes ou depois do
início da posse ad usucapionem, seja porque a sentença apenas declara a
usucapião com efeitos ex tunc, seja porque a usucapião é forma originária de
aquisição de propriedade, não decorrente da antiga e não guardando com ela relação
de continuidade. 7. Ademais, "a hipoteca firmada entre a construtora e o
agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e
venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel" (Súmula n. 308).
8. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 941.464/SC, Rel. Ministro LUIS
FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 24/04/2012, DJe 29/06/2012)
c)
Direito de Excussão: Nos termos do artigo 1.422, do CC, “o credor hipotecário ou pignoratício têm o
direito de excutir a coisa hipotecada ou empenhada”.
Isso
significa dizer que o credor poderá levar o bem – objeto da garantia – a uma
hasta pública, via processo judicial de execução, a fim de vendê-lo e ficar com
o produto da venda.
No
mesmo sentido, é importante frisar que quando houver duas ou mais hipotecas
sobre o mesmo imóvel, o credor que
registrou em primeiro lugar terá preferência em relação ao segundo registro e
assim sucessivamente. O que vale para estabelecer essa relação de
preferência é a data do registro e não a data da relação jurídica que gerou a
garantia real.
d) Indivisibilidade: Essa característica ou efeito
dos direitos reais de garantia está insculpida no artigo 1.421, do CC/2002, nos
seguintes termos:
“Art. 1.421. O pagamento de uma ou mais
prestações da dívida não importa exoneração correspondente da garantia, ainda
que esta compreenda vários bens, salvo disposição expressa no título ou na
quitação”
Com
base nesta disposição, é possível concluir que mesmo que o devedor efetue o
pagamento de metade da dívida, isso não implica, necessariamente, a exoneração
de metade da garantia que permanece íntegra, sem qualquer abatimento, salvo se
houver, no título respectivo, uma disposição em contrário.
Assim,
somente haverá liberação proporcional se o título o permitir ou em caso de quitação
parcial (ato que depende do credor).
Como
decorrência desse princípio, o artigo 1.429 do CC/2002, destaca o seguinte:
Art. 1.429. Os sucessores do devedor não podem remir
parcialmente o penhor ou a hipoteca na proporção dos seus quinhões; qualquer
deles, porém, pode fazê-lo no todo.
Parágrafo único. O herdeiro ou sucessor que fizer a
remição fica sub-rogado nos direitos do credor pelas quotas que houver
satisfeito.
OBS.: Remir
a dívida significa liberação da coisa gravada pelo ônus real em virtude de
pagamento. Diferentemente, remissão (com ‘ss’) no direito das obrigações
significa extinção da obrigação em razão de perdão.
Portanto, o sucessor do devedor,
caso pretenda liberar o bem do ônus real deverá fazê-lo por inteiro,
oportunidade em que se sub-rogará nos direitos do credor no que respeita as
cotas dos demais herdeiros, caso existentes.
4.
Outras regras importantes
4.1Vencimento antecipado da dívida
Como
forma de reforçar a garantia do credor, nas obrigações garantidas com ônus
real, o artigo 1.245, dispôs que:
Art.
1.425. A dívida considera-se vencida:
I
- se, deteriorando-se, ou depreciando-se o bem dado em segurança, desfalcar a
garantia, e o devedor, intimado, não a reforçar ou substituir;
II
- se o devedor cair em insolvência ou falir;
III
- se as prestações não forem pontualmente pagas, toda vez que deste modo se
achar estipulado o pagamento. Neste caso, o recebimento posterior da prestação atrasada
importa renúncia do credor ao seu direito de execução imediata;
IV
- se perecer o bem dado em garantia, e não for substituído;
V
- se se desapropriar o bem dado em garantia, hipótese na qual se depositará a
parte do preço que for necessária para o pagamento integral do credor.
§
1o Nos casos de perecimento da coisa dada em garantia, esta
se sub-rogará na indenização do seguro, ou no ressarcimento do dano, em
benefício do credor, a quem assistirá sobre ela preferência até seu completo
reembolso.
§
2o Nos casos dos incisos IV e V, só se vencerá a hipoteca
antes do prazo estipulado, se o perecimento, ou a desapropriação recair sobre o
bem dado em garantia, e esta não abranger outras; subsistindo, no caso
contrário, a dívida reduzida, com a respectiva garantia sobre os demais bens,
não desapropriados ou destruídos.
Incide, em
todas as hipóteses mencionadas acima, por razão lógica, o disposto no artigo
1.426, também do CC/2002: “não se compreendem os juros correspondentes
ao tempo ainda não decorrido”.
No caso da
deterioração, não interessa o motivo. Portanto, ainda que a deterioração seja
oriunda de causa natural, fortuito ou força maior, o devedor deverá, nos termos
da lei, reforçar ou substituir a garantia.
4.2Garantia real prestada por
terceiro
De
acordo com o disposto no artigo 1.427, do CC/2002:
Art. 1.427. Salvo cláusula expressa, o terceiro que
presta garantia real por dívida alheia não fica obrigado a substituí-la, ou
reforçá-la, quando, sem culpa sua, se perca, deteriore, ou desvalorize.
Com
base nessa regra, adverte lucidamente a doutrina que “o terceiro não fica pessoalmente vinculado, não se transformando em
codevedor nem em fiador, pois não assume responsabilidade que possa atingir
todo o seu patrimônio, a menos que o contrato reze o contrário. Por tal razão,
não fica obrigado a substituir ou reforçar a garantia se a coisa gravada se
deteriora, ou se desvaloriza, pois só ela responde pela obrigação. Essa
responsabilidade não se amplia aos demais componentes do patrimônio do terceiro”
(CARLOS ROBERTO GONÇALVES, pág. 550).
Com
isso, conclui-se que o credor não poderá exigir do terceiro que prestou a
garantia, o reforço ou substituição do bem. Inaplicável, portanto, o disposto
no artigo 1.425, I, citado anteriormente.
Pela
regra analisada, existem duas exceções: a) quando o próprio terceiro se
comprometer contratualmente a substituir ou reforçar a garantia; b) quando o
perecimento ou desvalorização ocorrer em razão de culpa do terceiro que prestou a garantia.
4.3Proibição da cláusula comissória
(nulidade do pacto comissório real)
Com
a finalidade de evitar usura o
CC/2002 proíbe, expressamente, o seguinte:
Art. 1.428. É nula a cláusula que autoriza o credor
pignoratício, anticrético ou hipotecário a ficar com o objeto da garantia, se a
dívida não for paga no vencimento.
Parágrafo único. Após o vencimento, poderá o devedor dar
a coisa em pagamento da dívida.
A
principal razão da proibição é de ordem moral. Assim, se na execução da
garantia, o valor do bem superar o valor da dívida, o que sobejar deverá ser
entregue ao devedor.
Interessante
observar que a nulidade da cláusula não atinge todo o contrato, em observância
do artigo 184, do CC/2002[3].
Veja
que muito embora o pacto comissório seja proibido no caput do artigo 1.428, do CC/2002, o parágrafo único autoriza a dação em pagamento, utilizando-se do
mesmo bem anteriormente oferecido em garantia, desde que seja posterior ao
vencimento da dívida.
A
doutrina justifica que a finalidade dessa possibilidade de dação em pagamento é
prestigiar o devedor, pois “a isso não
está obrigado, mas que pode fazer a opção se lhe convier. Não se cuida de
direito assegurado ao credor, mas de faculdade reconhecida ao devedor que
resulta da vontade livre daquele que deve. Não se vislumbra, na espécie, a
pressão da necessidade impondo a solução ao devedor” (CARLOS ROBERTO
GONÇALVES, pág. 552).
De
igual modo, FRANCISCO EDUARDO LOUREIRO testifica que:
“(...) A cláusula comissória é
condenada pela maioria das legislações ocidentais por duas razões: por proteger
o devedor fraco da exploração gananciosa do credor e por evitar o bem dado em
garantia ser apropriado sem correspondência com seu valor de mercado. A
invalidade alcança os negócios jurídicos indiretos, que mascaram a cláusula
comissória sob a aparência de convenção lícita, por fraude à lei, nos termos do
art. 166, VI, do Código Civil. Os exemplos mais comuns são contratos de venda e
compra com pacto de retrovenda, ou compromissos de compra e venda com objetivo
de garantia a contrato de mútuo. O negócio indireto se verifica "quando as
partes recorrem, concretamente, a um negócio determinado, para obter, através
do mesmo, resultado diverso daquele típico da estrutura do próprio negócio; as
partes visam, assim, um escopo que não é típico do próprio negócio” (Lima,
Alvino. A Fraude no Direito Civil. São Paulo, Saraiva, 1965, p. 80)[4].
O
entendimento do STJ segue o mesmo raciocínio:
RECURSO
ESPECIAL - EMBARGOS À EXECUÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CONSISTENTE NA OUTORGA DE
ESCRITURA PÚBLICA DE TRANSFERÊNCIA DE PROPRIEDADE DE BENS IMÓVEIS - PROMESSA DE
COMPRA E VENDA FIRMADA EM GARANTIA A CONTRATO DE FACTORING SOB A ÉGIDE DO
CÓDIGO CIVIL DE 1916 - CARACTERIZAÇÃO DE PACTO COMISSÓRIO VEDADO PELO
ORDENAMENTO JURÍDICO. INSURGÊNCIA DOS EXEQUENTES/EMBARGADOS. (...) 2. Assentado no acórdão recorrido e
incontroverso nos autos que a execução de obrigação de fazer lastra-se em
contratos de compromisso de compra e venda, dados como garantia para o caso de
inadimplência em contrato de factoring, pode o Superior Tribunal de Justiça,
sem incorrer em superação das Súmulas ns. 5 e 7, estabelecer fundamento
jurídico diverso daquele fixado pela Corte local para proclamar a nulidade
absoluta dos ajustes sub judice. 3. No caso, resta perfeitamente configurada a
figura do pacto comissório, pois, simulando a celebração de contratos de
compromisso de compra e venda, foram instituídas verdadeiras garantias reais
aos ajustes de factoring, permitindo
que, em caso de inadimplência, fossem os bens transmitidos diretamente ao
credor. Avença nula de pleno direito, consoante o disposto no art. 765 do
CC/1916, atual art. 1.428 do CC/2002. Precedentes da Corte. 4. Recurso especial
desprovido. (REsp 954.903/RS, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado
em 11/12/2012, DJe 01/02/2013)
5.
Das garantias reais sobre bens
alheios em espécie
5.1Hipoteca
Conceito e modalidades
De
acordo com ROSENVALD “[a] hipoteca pode
ser conceituada como direito real de garantia, em virtude do qual um bem imóvel
(exceto navios e aeronaves) remanesce na posse do devedor ou de terceiro,
assegurando preferencialmente ao credor o pagamento de uma dívida”. Assim,
“um ou mais bens específicos do
patrimônio imobiliário do devedor ou do terceiro garantidos são afetados como
caução específica de uma obrigação” (CURSO, pág. 909).
Modalidades:
a)
Hipoteca
convencional;
b)
Hipoteca
legal: (art. 1.489); é um modelo de garantia imposta pela lei. No caso em
apreço, incidem as regras dos artigos 1.205 à 1.210, do CPC, para sua
constituição. Art. 134 e seguintes do
CPP – procedimento na esfera penal;
c)
Hipotecas
especiais (navios e aeronaves) seguem regras especiais;
d)
Hipoteca
cedular (art. 1.486, Cédula Rural Hipotecária, Cédula Industrial Hipotecária,
Cédula de Produto Rural) Leis especiais (só os Bancos podem instituí-las);
e)
Hipoteca
judicial (art. 466, CPC): Refere-se a eficácia
anexa da sentença. Pode ser instituída ainda que o recurso de apelação
tenha sido recebido em ambos os efeitos.
f)
Objeto: art.
1.473, CC/2002;
g)
Registro da
hipoteca: art. 1.492, CC/2002;
h)
Possibilidade
de alienação de bem hipotecado: art. 1.475, CC/2002;
i)
Possibilidade
de várias hipotecas: art. 1476; (Ver, 171, § 2.º, II, CP)
j)
Remição pelo
credor sub-hipotecário (1.478);
Formas de
remição hipotecária:
Ø
Remição como
direito subjetivo processual afeto ao devedor ou qualquer interessado. A
remição será efetivada até a assinatura do auto de arrematação ou adjudicação e
deve envolver todo o débito (art. 651, CPC); A adjudicação é considerada
perfeita com a assinatura do auto de adjudicação pelo juiz, pelo exeqüente
(adjudicante), pelo escrivão e pelo executado (Art. 685-B, CPC).
Ø
Remição de
bens: poderá ser procedido pelo cônjuge, ascendente, descendente. O devedor
permanece responsável pelo restante do débito (art. 788, CPC);
Ø
Remição pelo
adquirente: (Art. 1.481, CC). Remindo a execução hipotecária o adquirente se
sub-roga, de pleno direito, na posição do credor originário (Art. 346, II, CC)
Ø
Remição pelo
credor sub-hipotecário: (art. 1478, CC/2002);
k)
Extinção da
hipoteca (1.499, CC/2002): Prazo máximo de duração: 30 anos: art. 1.485,
CC/2002.
5.2Penhor
Conceito e
modalidades
Nos termos do artigo 1.431, do CC/2002:
Art. 1.431. Constitui-se o penhor pela transferência efetiva da posse que, em garantia do débito ao
credor ou a quem o represente, faz o devedor, ou alguém por ele, de uma coisa
móvel, suscetível de alienação.
Parágrafo único. No penhor rural, industrial, mercantil e de
veículos, as coisas empenhadas continuam em poder do devedor, que as deve
guardar e conservar.
Assim, o penhor, como modalidade de
direito real de garantia sobre coisa alheia é um tipo de contrato que não se
aperfeiçoa apenas e tão-somente com a vontade das partes (solo consensu). Além do elemento volitivo é essencial a entrega
efetiva do bem o que não se confunde com a tradição, pois nesta a entrega efetiva
representa a transferência da propriedade, o que não ocorre no contrato de
penhor que tem natureza jurídica diversa.
A
doutrina conceitua o contrato de penhor como “o direito real que consiste na tradição de uma coisa móvel, suscetível
de alienação, realizada pelo devedor ou por terceiro ao credor, em garantia do
débito” (CARLOS ROBERTO GONÇAVELS, DIREITO CIVIL BRASILEIRO, pág.
555).
Características
do contrato de penhor:
l)
É direito
real, logo, possui todos os caracteres comuns aos direitos reais: i) recai
direitamente sobre alguma coisa; ii) opera erga omnes; iii) possui direito de
seqüela; iv) possibilidade de excussão do bem; v) preferência no pagamento do
débito do credor pignoratício; vi) deve ser levado a registro no Cartório de
Títulos e Documentos para ter eficácia contra terceiros;
m)
É direito acessório: isso quer dizer que segue o
destino do contrato principal. Sendo nula a obrigação principal nulo será o
penhor.
n)
Só se
aperfeiçoa com a tradição do bem,
pois como já se afirmado, não se aperfeiçoa unicamente com a declaração de
vontade;
o)
Objeto do penhor: coisas móveis, corpórea ou
incorpórea (crédito), de existência real ou futura (ex. safra de 2013);
p)
Especialização: É necessária a especialização
que consiste, basicamente, no cumprimento das disposições do artigo 1.424, do
CC/2002;
q)
Forma do penhor: é contrato solene, portanto,
deve ser escrito e elaborado via instrumento público ou particular e levado à
registro;
r)
Direitos do credor pignoratício: 1.433
5.3 Anticrese
5.4 Alienação fiduciária em garantia
(1361 à 1368-A, CC)
[1] Art. 1.430. Quando, excutido o penhor, ou executada a
hipoteca, o produto não bastar para pagamento da dívida e despesas judiciais,
continuará o devedor obrigado pessoalmente pelo restante.
[3] Art. 184.
Respeitada a intenção das partes, a invalidade parcial de um negócio jurídico
não o prejudicará na parte válida, se esta for separável; a invalidade da
obrigação principal implica a das obrigações acessórias, mas a destas não induz
a da obrigação principal.
[4] Código
Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência", Coordenação do Ministro Cezar
Peluso, 6ª ed., Barueri - SP, Manole, 2012, pág. 1.529