[DIREITOS REAIS] Registro Imobiliário



RESENHA 10

Formas de aquisição da propriedade (Registro imobiliário):

1.     Atividade cartorial brasileira – finalidades e natureza jurídica e responsabilidade civil  

O registro do título é a principal modalidade de aquisição derivada da propriedade e está disciplinado no CC/2002, e, também, na Lei 6.015/1973 (Lei dos registros públicos).

Antes de verificarmos as peculiaridades desse ato registral, é necessária uma análise do sistema cartorial brasileiro. O tema deve ser tratado à luz do artigo 236, da Constituição da República:

Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público. 

§ 1º - Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário.

§ 2º - Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.

§ 3º - O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses.
   
A lei 8.935/1994, que regulamenta o artigo 236, da CT/88, estabelece, no artigo 1.º que “os serviços notariais e de registro são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos”.

Com relação às finalidades do serviço do serviço do cartório de imóveis, MARIA HELENA DINIZ justifica que “o assentamento dá proteção especial à propriedade imobiliária, por fornecer meios probatórios fidedignos da situação do imóvel, sob o ponto de vista da respectiva titularidade e dos ônus reais que o gravam, e por revestir-se de publicidade, que lhe é inerente, tornando os dados registrados conhecidos de terceiros” (CÓDIGO CIVIL COMENTADO, pág. 867). 

Basicamente, a função do Registro Imobiliário (RGI)[1] é a de constituir o repositório fiel da propriedade imóvel e dos negócios jurídicos a ele referentes no país, segundo regiões certas e determinadas, ajustadas a sua circunscrição.

O Registro de um imóvel induz prova de domínio e tem a característica de dar publicidade e poder informar a situação de um imóvel através de histórico feito das alienações e alterações sofridas no decorrer do tempo, prevenindo a má-fé de uns em prejuízo da boa-fé de outros. A publicidade se obtém pelas seguintes maneiras: informações verbais e pelas certidões.

·         Responsabilidade civil – cartórios

Os cartórios, segundo o STJ não possuem personalidade jurídica e, portanto, não tem legitimidade passiva para figurar em eventual ação de indenização[2].

A este respeito a Lei de Regência (Lei 8.935/1994) disciplina o seguinte:

Art. 22. Os notários e oficiais de registro responderão pelos danos que eles e seus prepostos causem a terceiros, na prática de atos próprios da serventia, assegurado aos primeiros o direito de regresso nos casos de dolo ou culpa”. Verifica-se, pois, que a responsabilidade é pessoal e não do cartório em si, uma vez que estes são desprovidos de personalidade jurídica própria.

PERGUNTA? Mas a responsabilidade dos notários, na forma do artigo 22, acima transcrito é objetiva ou subjetiva? O STJ posicionou-se que se trata de responsabilidade objetiva, vejamos:

ADMINISTRATIVO. DANOS MATERIAIS CAUSADOS POR TITULAR DE SERVENTIA EXTRAJUDICIAL. ATIVIDADE DELEGADA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DO ESTADO. 1. Hipótese em que o Tribunal de origem julgou procedente o pedido deduzido em Ação Ordinária movida contra o Estado do Amazonas, condenando-o a pagar indenização por danos imputados ao titular de serventia. 2. No caso de delegação da atividade estatal (art. 236, § 1º, da Constituição), seu desenvolvimento deve se dar por conta e risco do delegatário, nos moldes do regime das concessões e permissões de serviço público. 3. O art. 22 da Lei 8.935/1994 é claro ao estabelecer a responsabilidade dos notários e oficiais de registro por danos causados a terceiros, não permitindo a interpretação de que deve responder solidariamente o ente estatal. 4. Tanto por se tratar de serviço delegado, como pela norma legal em comento, não há como imputar eventual responsabilidade pelos serviços notariais e registrais diretamente ao Estado. Ainda que objetiva a responsabilidade da Administração, esta somente responde de forma subsidiária ao delegatário, sendo evidente a carência de ação por ilegitimidade passiva ad causam. 5. Em caso de atividade notarial e de registro exercida por delegação, tal como na hipótese, a responsabilidade objetiva por danos é do notário, diferentemente do que ocorre quando se tratar de cartório ainda oficializado. Precedente do STF. 6. Recurso Especial provido. (REsp 1087862/AM, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/02/2010, DJe 19/05/2010)

Segundo a doutrina, a natureza jurídica dos cartórios é de “unidades independentes de prestações de serviços públicos. São serventias extrajudiciais ligadas ao Poder Judiciário, que não possuem personalidade jurídica própria. São centros autônomos de prestação de serviços públicos delegados a um particular após aprovação em concurso de provas e títulos.” (De Arruda, Ana Luísa de Oliveira Nazar. Cartórios Extrajudiciais: Aspectos Civis e Trabalhistas, São Paulo: Atlas, 2008, p. 14/15).

·         Sistema de aquisição pelo registro cartorial      

O sistema brasileiro de aquisição de propriedade imóvel é complexo, pois o título ou contrato anterior – relação jurídica subjacente – é insuficiente para garantir a propriedade. É apenas um título de natureza obrigacional, sendo necessária a elaboração de ato que conferirá eficácia real ao negócio jurídico: notadamente o registro.

Pode-se dizer, portanto, que na alienação de imóveis estamos diante de um negócio jurídico composto por duas fases, uma obrigacional e outra real. Neste particular, ROSENVALD argumenta que “o título apenas lhe defere uma posição e credor de uma relação obrigacional”.

Assim, conclui-se que nosso sistema de aquisição imobiliária se aproxima, em tese, do sistema alemão, porém, não despreza a causa negocial subjacente que servirá de instrumento para a transferência cartorial da propriedade, desde que, obviamente, esteja apta do ponto de vista da validade do negócio jurídico (Art. 104, CC).

Com isso, para que a propriedade realmente sofra alteração subjetiva, torna-se necessário o ato registral (registro). O código civil é enfático ao estabelecer que:

Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.
§ 1o Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.
§ 2o Enquanto não se promover, por meio de ação própria, a decretação de invalidade do registro, e o respectivo cancelamento, o adquirente continua a ser havido como dono do imóvel.

            Portanto, o que realmente efetiva a transferência de propriedade imóvel é o ato do registro feito pelo cartório respectivo (RGI). Caso a relação jurídica que deu origem ao negócio seja uma escritura pública, obrigatória para os negócios de alienação de imóveis em valor superior a 30 salários mínimos (art. 108, CC), esta poderá ser lavrada em qualquer Cartório do País, mas o registro deverá ser na circunscrição imobiliária respectiva, onde estiver cadastrada a matrícula do imóvel (art. 169, LRP).

A Lei de Registros Públicos (LRP) define, em termos práticos, as atividades a cargo do Registro de Imóveis, vejamos:

Art. 172. No Registro de Imóveis serão feitos, nos termos desta Lei, o registro e a averbação dos títulos ou atos constitutivos, declaratórios, translativos e extintivos de direitos reais sobre imóveis reconhecidos em lei, "inter vivos" ou "mortis causa" quer para sua constituição, transferência e extinção, quer para sua validade em relação a terceiros, quer para a sua disponibilidade. (LRP)

Para a aquisição por meio do registro é necessário, preliminarmente, que o imóvel tenha uma matrícula. Aliás, o artigo 236, da LRP (Lei dos Registros Públicos) afirma que “nenhum registro poderá ser feito sem que o imóvel a que se referir esteja matriculado”.

A doutrina esclarece que matrícula é “a primeira inscrição da propriedade do imóvel; por isto, é realizada justamente ao tempo do primeiro registro. Espécie de certidão de nascimento do direito de propriedade” (ROSENVALD, curso, pág. 393).

A matrícula é a identificação individualizada, por meio de um código seqüencial, que será aberto por ocasião do primeiro registro a ser feito na vigência da Lei 6.015/1973; o artigo 176, da LRP, traz todos os requisitos da matrícula.

Atributos e princípios do registro de imóveis:  

a)     Natureza constitutiva:

O registro tem natureza constitutiva do direito de propriedade. Isso implica que antes de formalizado tal ato cartorial, o alienante permanece como legítimo proprietário do bem. Eis que essa modalidade de aquisição produz, portanto, efeitos ex nunc, jamais retroagindo à época da elaboração do negócio jurídico subjacente, como, por exemplo, o contrato de compra e venda. Atenção: No caso da usucapião e sucessão mortis causa, a natureza do registro é meramente declaratória. A transferência da propriedade ocorre, no caso da usucapião, com a implementação dos requisitos que lhe são próprios (mormente o prazo). Já no caso da sucessão mortis causa, a transferência ocorrerá no momento da abertura da sucessão, de acordo com o artigo 1784 do CC/2002 – princípio da saisine[3]. O próprio artigo 1.227, do CC/2002, faz alusão à natureza constitutiva do registro, mas ressalva “os casos expressos neste código”. As ressalvas são, justamente, os casos mencionados acima.

b)     Princípio da prioridade ou preferência:

Nos termos do artigo 182, da LRP, “todos os títulos tomarão, no protocolo, o número de ordem que lhes competir em razão da seqüência rigorosa de sua apresentação”. Aqui entra em cena o importante aspecto temporal de apresentação do título: a prenotação (artigos 11 e 12 da LRP). Neste particular, a doutrina afirma que “se o alienante vender o imóvel a pessoas diferentes, adquiri-lo-á o primeiro que registrar em razão do número de ordem determinante de prioridade, ainda que o título translativo prenotado seja de data posterior, restando ao outro adquirente tão-somente ação indenizatória contra o alienante, em face do inadimplemento da obrigação de dar” (ROSENVALD, Curso, pág. 374). De igual modo, o CC/2002, por intermédio do artigo 1.246, enuncia que “o registro é eficaz desde o momento em que se apresentar o título ao oficial de registro, e este o prenotar no protocolo”. A jurisprudência não tem destoado desse entendimento, vejamos o que decidiu o TJMT: RECURSO DE APELAÇÃO - SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA - REGISTRO - DEFERIMENTO - PREFERÊNCIA PELO NÚMERO DE ORDEM- ARTIGO 186 DA LEI DE REGISTRO PÚBLICO - PREVALECE O PRIMEIRO REGISTRO - PRÍNCIPIOS DA ANTERIORIDADE E DA PRIORIDADE VINCULANDO O REGISTRO E A ORDEM CRONOLÓGICA DOS TÍTULOS - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO IMPROVIDO. “O número de ordem determinará a prioridade do título, e esta a preferência dos direitos reais, ainda que apresentados pela mesma pessoa mais de um título simultaneamente.” (art. 186-Lei 6015/73)  Ap, 114512/2008, DES.JOSÉ TADEU CURY, PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL, Data do Julgamento 12/01/2009, Data da publicação no DJE 21/01/2009

c)      Força Probante        

Nosso direito não acolheu a abstração da causa no que se refere ao registro de imóveis. Como visto, essa é uma característica do direito alemão. Aliás, a própria LRP é clara ao mencionar que “o registro enquanto não cancelado, produz todos os seus efeitos legais ainda que, por outra maneira, se prove que o título está desfeito, anulado, extinto ou rescindido”. Portanto, há apenas uma presunção relativa de veracidade do registro que poderá ser elidida com prova idônea, por exemplo, de vícios no negócio originário. Há aqui o estabelecimento de certa vantagem processual, pois se criou uma hipótese de inversão do ônus da prova em favor do proprietário registral. 
 
d)     Princípio da continuidade:
O grande mestre ROSENVALD afirma que o registro “de um título prende-se ao registro anterior em uma seqüência de atos, perfazendo um perfeito encadeamento. Não há registro isolado, ele deve manter uma efetiva conexão com os diversos negócios jurídicos dispositivos que lhe precederam” (CURSO, pág. 380). O princípio em análise vem previsto no artigo 195, da LRP: “Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro”. O que irá propiciar, portanto, a autenticidade e segurança do ato registral é justamente a manutenção desse seqüencial lógico de cada imóvel. O princípio da continuidade não é absoluto, porquanto em algumas hipóteses, poderá ser afastado, tal como nos casos de usucapião e desapropriação.

e)      Princípio da publicidade

A publicidade gerada pelo ato do registro tem função essencial nos negócios imobiliários. É por meio da certificação dos registros que os adquirentes têm condições de aferir se o bem, objeto da alienação, é responsável por dívidas anteriores. O título que dá lastro ao negócio, caso não levando a registro não poderá ser oposto a terceiros e gerará apenas direitos obrigacionais entre os envolvidos. Portanto, a publicidade tem essa finalidade de garantir – por parte de todos – o conhecimento da real titularidade do imóvel e sua situação.  ROSENVALD argumenta que é pela publicidade que se “incrementa a segurança jurídica e confiança no     tráfego negocial na medida em que toda deslocação imobiliária requer um sinal externo ostensivo, prevenindo-se fraudes que poderiam resultar da clandestinidade” (CURSO, pág. 384). Para garantir o acesso a informação imobiliária, o artigo 17, da LRP, assegura o seguinte: “Qualquer pessoa pode requerer certidão do registro sem informar ao oficial ou ao funcionário o motivo ou interesse do pedido”.



[1] Ver artigo 167, da Lei 6.015/1.973
[2] RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. RECONHECIMENTO DE FIRMA MEDIANTE ASSINATURA FALSIFICADA. RESPONSABILIDADE CIVIL. OFÍCIO DE NOTAS. ILEGITIMIDADE PASSIVA. AUSÊNCIA DE PERSONALIDADE JURÍDICA E JUDICIÁRIA 1. Consoante as regras do art. 22 da Lei 8.935/94 e do art. 38 da Lei n.º 9.492/97, a responsabilidade civil por dano decorrente da má prestação de serviço cartorário é pessoal do titular da serventia à época do fato, em razão da delegação do serviço que lhe é conferida pelo Poder Público em seu nome. 2. Os cartórios ou serventias não possuem legitimidade para figurar no pólo passivo de demanda indenizatória, pois são desprovidos de personalidade jurídica e judiciária, representando, apenas, o espaço físico onde é exercida a função pública delegada consistente na atividade notarial ou registral. 3. Iegitimidade passiva do atual titular do serviço notarial ou registral pelo pagamento de débitos atrasados do antigo titular. 4. Doutrina e jurisprudência acerca do tema, especialmente precedentes específicos desta Corte. 5. Recurso especial provido. (REsp 1177372/RJ, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, Rel. p/ Acórdão Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 28/06/2011, DJe 01/02/2012)
[3]Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários