RESENHA
09
Formas
de aquisição da propriedade (usucapião):
1.
Usucapião – conceito
No dizer de TARTUCE “a usucapião constitui uma situação de
aquisição do domínio ou mesmo de outro direito real, pela posse prolongada”
(MANUAL, pág. 825).
VENOSA, na mesma linha de
raciocínio complementa que “a posse
prolongada da coisa pode conduzir à aquisição da propriedade, se presentes
determinados requisitos estabelecidos em lei. Em termos mais concretos
denomina-se usucapião o modo de aquisição da propriedade mediante a posse
suficientemente prolongada sob determinadas condições” (VENOSA, 2005, p.
216).
Desse modo, a lei civil
brasileira permite que a posse qualificada como “posse usucapionem”, exercida de determinado modo e por tempo certo,
gere direito à propriedade.
Vale lembrar que “posse usucapionem” se diferencia da “posse ad interdicta”[1]
e que situações de mera permissão
ou tolerância não induzem posse (art. 1.208, CC). De igual
modo, a transferência desautorizada da posse numa relação locatícia (posse
precária), não induz a “posse usucapionem”,
ou seja, não é capaz de gerar usucapião. Eis um julgado interessante do TJ-MT,
a respeito do tema:
RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL -
EMBARGOS DE TERCEIROS - IMÓVEL URBANO CONSTRITADO JUDICIALMENTE - ILEGITIMIDADE
ATIVA DOS EMBARGANTES - POSSE PRECÁRIA - IMÓVEL OBJETO DE LOCAÇÃO - AUSÊNCIA DE
CONCORDÂNCIA DE SUBLOCAÇÃO DO LOCADOR - ELEMENTOS QUE INDICAM A POSSE DE
TERCEIROS, COM EXCLUSÃO DO ANIMUS DOMINI - ALEGAÇÃO DE USUCAPIÃO PELOS
EMBARGANTES - IMPROCEDÊNCIA - RECURSO DESPROVIDO. O sublocatário ilegítimo é
mero intruso sem legitimidade para opor embargos de terceiro para suspender a
execução provisória do despejo. Se os elementos dos embargos de terceiros
indicam a posse dos embargantes exercida precariamente, porque oriunda de
sublocação de imóvel, sem autorização do locador, não há como reconhecer a
usucapião da área, em razão da ausência do animus
domini. Ap, 77805/2011, DES.GUIOMAR TEODORO BORGES, SEXTA CÂMARA CÍVEL,
Data do Julgamento 08/02/2012, Data da publicação no DJE 28/02/2012
·
Usucapião e bens públicos:
Em se tratando de bens
eminentemente públicos, a Constituição é clara em proibir a incidência da
usucapião, vejamos:
“Art. 191. (...) Parágrafo único: os imóveis públicos não serão
adquiridos por usucapião”.
Já os bens de sociedade de economia mista, segundo o
STJ, são usucapíveis, in verbis:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO.
MATÉRIA DE DEFESA. BEM PERTENCENTE A SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA.
POSSIBILIDADE. I – Entre as causas de perda da propriedade está o usucapião
que, em sendo extraordinário, dispensa a prova do justo título e da boa-fé,
consumando-se no prazo de 20 (vinte) anos ininterruptos, em consonância com o
artigo 550 do Código Civil anterior, sem que haja qualquer oposição por parte
do proprietário. II – Bens
pertencentes a sociedade de economia mista podem ser adquiridos por usucapião.
Precedentes. Recurso especial provido. (REsp 647.357/MG, Rel. Ministro CASTRO
FILHO, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/09/2006, DJ 23/10/2006, p. 300)
Ademais, no que se refere à
natureza desses bens, há intensa discussão doutrinária. De um lado, há aqueles
que advogam o entendimento de que tais bens (pertencentes às empresas públicas
e sociedades de economia mista) seriam “bens
privados com destinação especial” incidindo, portanto, a regra da
impenhorabilidade[2].
Em que pese tal entendimento, preferimos
a opinião do Professor JOSÉ DOS SANTOS
CARVALHO FILHO cuja tese é a seguinte: “[o]
sistema de precatório é aplicável apenas à Fazenda Pública (art. 100, CF), e no
sentido desta evidentemente não se incluem pessoas administrativas de direito
privado, como as empresas públicas e sociedades de economia mista” MANUAL
DE DIREITO ADMINISTRATIVO, pág. 457).
·
Natureza Jurídica da sentença de Usucapião:
De acordo com a doutrina, a
sentença proferida na ação de usucapião é meramente declaratória do direito de
propriedade.
Neste sentido, vejamos a
esclarecedora ementa do Resp. 118360-SP
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. JULGAMENTO
EXTRA PETITA. INOCORRÊNCIA. AÇÃO REIVINDICATÓRIA. TÍTULO DE PROPRIEDADE.
SENTENÇA DE USUCAPIÃO. NATUREZA JURÍDICA (DECLARATÓRIA). FORMA DE AQUISIÇÃO
ORIGINÁRIA. FINALIDADE DO REGISTRO NO CARTÓRIO DE IMÓVEIS. PUBLICIDADE E
DIREITO DE DISPOR DO USUCAPIENTE. RECURSO DESPROVIDO. 1. Não há falar em
julgamento extra petita, pois "cabe exclusivamente ao julgador a aplicação
do direito à espécie, fixando as conseqüências jurídicas diante dos fatos
narrados pelas partes consoante os brocardos da mihi factum dabo tibi ius e
jura novit curia" (EDcl no REsp 472.533/MS, Rel. Min. FERNANDO GONÇALVES,
DJ 26.09.2005). 2. A usucapião é modo originário de aquisição da propriedade;
ou seja, não há transferência de domínio ou vinculação entre o proprietário
anterior e o usucapiente. 3. A sentença proferida no processo de usucapião
(art. 941 do CPC) possui natureza meramente declaratória (e não constitutiva),
pois apenas reconhece, com oponibilidade erga omnes, um direito já existente
com a posse ad usucapionem, exalando, por isso mesmo, efeitos ex tunc. O efeito
retroativo da sentença se dá desde a consumação da prescrição aquisitiva. 4. O
registro da sentença de usucapião no cartório extrajudicial não é essencial
para a consolidação da propriedade imobiliária, porquanto, ao contrário do que
ocorre com as aquisições derivadas de imóveis, o ato registral, em tais casos,
não possui caráter constitutivo. Assim, a sentença oriunda do processo de
usucapião é tão somente título para registro (arts. 945 do CPC; 550 do CC/1916;
1.241, parágrafo único, do CC/2002) - e não título constitutivo do direito do
usucapiente, buscando este, com a demanda, atribuir segurança jurídica e
efeitos de coisa julgada com a declaração formal de sua condição. 5. O registro
da usucapião no cartório de imóveis serve não para constituir, mas para dar
publicidade à aquisição originária (alertando terceiros), bem como para
permitir o exercício do ius disponendi (direito de dispor), além de regularizar
o próprio registro cartorial. 6. Recurso especial a que se nega provimento. (REsp
118360/SP, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO
TJ/RS), TERCEIRA TURMA, julgado em 16/12/2010, DJe 02/02/2011)
·
Principais características da posse usucapionem (posse que gera
usucapião):
a)
Posse com intenção de dono (elemento
anímico: animus domini): este
elemento (como visto ao estudarmos o instituto da posse) é afeto à teoria de
SAVIGNY. Nos contratos de locação ou arrendamento não há, de ordinário, esse
elemento (animus domini), havendo,
contudo, a possibilidade da interversio
possessionis, admitindo-se a alteração da causa da posse, como, por
exemplo, naquela situação em que o sujeito ocupa um imóvel por mais de trinta
anos e há mais de vinte não paga os aluguéis respectivos não encontrando qualquer
resistência ou oposição do proprietário-locador.
O enunciado 237, do CJF tem o seguinte teor “é cabível a modificação do título da posse – terversio possessionis –
na hipótese em que o até então possuidor direto demonstrar ato exterior e
inequívoco de oposição ao antigo possuidor indireto, tendo por efeito a
caracterização do animus domini”.
A interversio possessionis,
segundo melhor doutrina, poderá ocorrer até mesmo naquela situação onde havia
uma relação jurídica entre o possuidor direto e o indireto, como nos casos de
locação ou arrendamento (precarista). Ilustrando bem essa questão, ROSENVALD
argumenta que “não se consegue perceber
qualquer diferença entre o precarista e aqueles que iniciam a posse com base em
atos de violência ou clandestinidade” (CURSO, pág. 159).
b)
Posse mansa e pacífica: ou seja, o
possuidor, no transcurso de sua posse não deve encontrar resistência por parte
de quem tenha legítimo interesse (proprietário do bem). Havendo qualquer
contestação da posse por parte do proprietário, desaparece a característica em
apreço.
c)
Posse contínua e duradoura: exige o
sistema civil que a posse não tenha intervalos. Admite-se, como exceção, a soma
dos períodos de posse (acessio
possessionis), nos termos do artigo 1.243, do CC/2002: “O possuidor pode, para o fim de contar o
tempo exigido pelos artigos antecedentes, acrescentar à sua posse a dos seus
antecessores (art. 1.207), contanto que todas sejam contínuas, pacíficas e, nos
casos do art. 1.242, com justo título e boa-fé”.
d)
Posse justa: a posse usucapível deve apresentar-se sem vícios
(violência, precariedade e
clandestinidade), pois numa situação fática onde estes vícios estejam
presentes, de acordo com o artigo 1.208, do CC/2002, não haverá posse justa. Vale
lembrar a possibilidade do convalescimento da posse (mesmo da precária);
e)
Posse de boa-fé e com justo título: em algumas
situações, como veremos (usucapião ordinária) a lei vai exigir a conjugação
desses dois fatores para gerar a possibilidade de usucapião.
2.
Usucapião de bens imóveis
2.1Modalidades de usucapião de bens
imóveis
a)
Usucapião ordinária: Previsão
legal: 1.242, CC:
Art.
1.242. Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e
incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos.
Parágrafo
único. Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido
adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório,
cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a
sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico.
O preceito em análise traz duas
modalidades de usucapião. Primeiramente, no caput,
temos os requisitos da usucapião ordinária regular
ou comum. No parágrafo único
temos a hipótese denominada pela doutrina de usucapião ordinária por posse-trabalho (também chamada de
usucapião tabular), como veremos abaixo.
Requisitos para a usucapião ordinária comum do art. 1.242,
CC/2002 (caput):
Ø Posse mansa, pacífica e
ininterrupta (animus domini) por dez
anos;
Ø Justo título;
Ø Boa-fé;
Justo
título: Qual o
alcance da expressão justo título do
art. 1.242, CC/2002? O Enunciado 86 do
CJF prega que a expressão deve ser interpretada de modo abrangente: “A expressão justo título contida nos artigos
1.242 e 1.260 do CC abrange todo e qualquer ato jurídico hábil em tese, a
transferir a propriedade independentemente de registro”.
ROSENVALD e CRISTIANO CHAVES
asseveram que justo título é “o
instrumento que conduz um possuidor a iludir-se, por acreditar que ele lhe
outorga a condição de proprietário. Trata-se de um título que, em tese,
apresenta-se como instrumento formalmente idôneo a transferir a propriedade,
malgrado apresente algum defeito que impeça a sua aquisição. Em outras
palavras, é o ato translativo inapto a transferir a propriedade por padecer de
um vício de natureza formal ou substancial” (CURSO, pág. 422).
Não é outro o entendimento do
STJ, senão vejamos o trecho de um acórdão em Recurso Especial:
“(...) Por justo título, para efeito da usucapião ordinária, deve-se
compreender o ato ou fato jurídico que, em tese, possa transmitir a propriedade,
mas que, por lhe faltar algum requisito formal ou intrínseco (como a venda “a
non domino”), não produz tal efeito jurídico. Tal ato ou fato jurídico, por ser
juridicamente aceito pelo ordenamento jurídico, confere ao possuidor, em seu
consciente, a legitimidade de direito à posse, como se dono do bem transmitido
fosse ("cum animo domini"); IV - O contrato particular de cessão e
transferência de direitos e obrigações de instrumento particular de compra e
venda, o qual originou a longeva posse exercida pela ora recorrente, para
efeito de comprovação da posse, deve ser reputado justo título;” (RESP:
171.204/GO, 2009)
Importante anotar que a expressão
justo título, no sistema civil brasileiro, possui duas acepções distintas a
depender do contexto em que é utilizada.
No contexto da posse, mais
precisamente no artigo 1.200, do CC, fala-se em “posse justa” quando não
oriunda de violência, clandestinidade ou precariedade. O Enunciado 303, do CJF esclarece que “considera-se justo título para presunção relativa
da boa-fé do possuidor o justo motivo que lhe autoriza a aquisição derivada da
posse, esteja ou não materializado em instrumento público ou particular.
Compreensão na perspectiva da função social da posse”.
Por outro lado, no contexto da
usucapião (Art. 1.242), o justo título tem um conceito mais restrito, sendo
considerado como tal apenas o documento apto, em tese, a transferir a
propriedade (formal de partilha, instrumento particular de compra e venda,
escritura pública de compra e venda).
Boa-fé: E o requisito da boa-fé? De
qual tipo de boa-fé o código está se referindo? Sabemos que o na sistemática do
CC/2002 temos dois tipos de boa-fé: a boa-fé objetiva e a boa-fé subjetiva.
No contexto das modalidades de
usucapião, o CC/2002 está se referindo à boa-fé subjetiva, ou seja, naquele
estado subjetivo de ignorância. MHD registra que a boa-fé, mencionada no artigo
1.242, do CC, é “a convicção do possuidor
de que possui o imóvel legitimamente” (CÓDIGO CIVIL COMENTADO, pág.
865).
Requisitos para a usucapião ordinária comum do art. 1.242,
CC/2002 (parágrafo único):
O parágrafo único do artigo
1.242, do CC, traz, ainda uma interessante modalidade de usucapião. Trata-se da
modalidade chamada de usucapião por posse-trabalho. Para sua configuração a lei
possibilita a redução do prazo previsto no caput
que é de dez anos para apenas cinco anos.
Exige-se, para tanto, que o
imóvel objeto do pedido tenha sido adquirido pela via do registro imobiliário (onerosamente) e
que posteriormente ocorra o cancelamento do respectivo ato registral. Assim, por exemplo, se a aquisição se deu pela via da doação, não há a incidência dessa regra que, nos termos da lei, exige "onerosidade".
Com efeito, para que ocorra a
redução a norma exige um segundo requisito cumulativo. É necessário que no
referido imóvel tenha sido estabelecida a moradia
do possuidor ou que esse mesmo possuidor tenha realizado investimentos de interesse social
ou econômico. Esse requisito é que atribui essa
nomenclatura a esta modalidade de usucapião, ou seja, posse-trabalho.
A possibilidade dessa redução no
prazo para a usucapião ordinária reflete, indubitavelmente, a opção do sistema
por privilegiar a função social da posse.
·
Usucapião Tabular
A modalidade prevista no artigo
1.242, parágrafo único, do CC/2002,
também é conhecida por alguns doutrinadores pelo romanismo: usucapião tabular.
Isso, naturalmente, em virtude
das disposições do art. 216, da Lei dos Registros Públicos, in verbis:
Art. 214 - As nulidades de pleno direito do
registro, uma vez provadas, invalidam-no, independentemente de ação direta.
§
1.º A nulidade será decretada depois de ouvidos os atingidos.
§
3.º Se o juiz entender que a
superveniência de novos registros poderá causar danos de difícil reparação
poderá determinar de ofício, a qualquer momento, ainda que sem oitiva das
partes, o bloqueio da matrícula do imóvel.
§
4.º Bloqueada a matrícula, o
oficial não poderá mais nela praticar qualquer ato, salvo com autorização
judicial, permitindo-se, todavia, aos interessados a prenotação de seus
títulos, que ficarão com o prazo prorrogado até a solução do bloqueio.
§ 5.º A nulidade não será
decretada se atingir terceiro de boa-fé que já tiver preenchido as condições de
usucapião do imóvel.
Como cediço, nosso sistema
registral (cartorial) não é dotado de presunção absoluta de veracidade, pois
não acolhe o princípio da abstração da
causa, como ocorre no sistema alemão[3].
É possível, por força do artigo
1.245, § 2.º que qualquer interessado, que possua legitimidade postule – em juízo – a desconstituição do registro
imobiliário[4]
pela existência, por exemplo, de um vício no título que serviu de base para a
transcrição. Caso o vício não tenha origem no negócio jurídico subjacente, mas
no próprio ato registral, como na hipótese de desrespeito aos princípios
cartorários, o artigo, em seu caput
admite a invalidação independentemente de ação judicial, o que se dará administrativamente
perante o juiz corregedor, após oitiva dos envolvidos.
Com efeito, há de se registrar
que a presunção relativa conferida pelo sistema cartorial gera certo grau de
insegurança.
No dizer de ROSENVALD, o objetivo
da norma constante do § 5.º do artigo 216, da LRP, é justamente afastar essa
insegurança. Eis que o renomado autor leciona que “[e]sta situação de insegurança jurídica será afastada mediante a
eficácia convalidante da usucapião tabular, cujo desiderato é sanear a
titularidade aparente, com o expurgo dos vícios congênitos que maculavam a
estrutura do título, de forma a preservar o registro em face do reconhecimento
da usucapião ordinária” (CURSO, pág. 430).
Na verdade, a usucapião tabular
acaba por excepcionar a regra da não convalidação do negócio jurídico nulo,
prevista no artigo 169, do CC/2002. Eis o preceptivo:
“Art. 169. O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem
convalesce pelo decurso do tempo”.
Pode-se afirmar com certa dose de segurança, que a alteração
promovida pela Lei 10.931/1994, que modificou a redação do artigo 214, da LRP,
apenas veio referendar a necessidade de ponderação de vários princípios, tais
como: o princípio da confiança, da boa-fé, a teoria da aparência, a preservação
da segurança jurídica, e, sobretudo a função social da posse.
Exemplo de aplicabilidade: venda
a non domino.
b)
Usucapião extraordinária
Art.
1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como
seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé;
podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de
título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.
Parágrafo
único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor
houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras
ou serviços de caráter produtivo.
De maneira similar à hipótese do
artigo 1.242 (usucapião ordinária), o artigo 1.238, do CC/2002, abarca duas
modalidades distintas de usucapião, ou seja, a modalidade extraordinária comum presente no caput e a modalidade que
prestigia a posse-trabalho com
prazo reduzido.
O requisito essencial para a
configuração da usucapião extraordinária é a posse mansa e pacífica, pelo prazo
mencionado (15 ou 10 anos), ininterruptamente, com animus domini.
Assim, não há necessidade de
provar boa-fé e justo título, tal como preconizado no artigo 1.242, já
analisado.
Veja que a usucapião
extraordinária dispensa a demonstração da ocupação pelo trabalho (hipótese do
caput), bem como a exigência de limites máximos de terreno ou mesmo a
titularidade de outros bens, ao contrário da usucapião ordinária que demanda,
também, justo título e boa-fé.
No dizer da doutrina “há dois modos de possuir capazes de alcançar
a usucapião: a posse simples e a qualificada. A posse simples é aquela que se
satisfaz com o exercício de fato pelo usucapiente de algum dos poderes
inerentes à propriedade (art. 1.196, CC), conduzido-se o possuidor como o faria
o dono, ao exteriorizar o poder sobre o bem. Assim, mesmo que não habite o
imóvel – deixando-o sob a vigilância de um detentor –, alcançará a usucapião em
quinze anos, caso satisfaça os outros requisitos. Mas, se além de demonstrada a
posse, qualificar-se a ocupação do bem pela concessão de função social, por
intermédio de efetiva moradia do possuidor no local ou realização de obras e
serviços de caráter produtivo (parágrafo único do artigo 1.238, CC), o
usucapiente será agraciado pela redução do prazo para dez anos” (ROSENVALD,
CURSO pág. 414).
·
Questões processuais
interessantes envolvendo as ações de usucapião.
Primeira questão processual:
Uma questão processual importante
é a seguinte: quando um possuidor não consegue provar nos autos o elemento
temporal. Esse fato reveste-se dos atributos da coisa julgada, ou seja, imutabilidade e indiscutibilidade (Art. 467, CPC)?
De acordo com a doutrina não, pois o possuidor poderia ingressar novamente.
Vejamos o posicionamento de NELSON LUIZ PINTO a respeito dessa questão: “se uma ação de usucapião extraordinária é
julgada improcedente porque o autor não conseguiu provar o lapso temporal
exigido pela lei, mas somente parte dele, posteriormente, complementado o tempo
necessário, poderá ser proposta nova ação, com outra causa de pedir” (Apud ROSENVALD, CURSO, pág. 415).
Segunda questão processual:
PERGUNTA: Mas esse prazo pode ser complementado após o ajuizamento da ação???
Nestas hipóteses, tendo em vista
o artigo 462, do CPC, a jurisprudência tem se inclinado pela compreensão de que
a prestação jurisdicional deverá ser concedida de acordo com a situação dos
fatos por ocasião da sentença. Vejamos, neste sentido, a decisão do STJ:
“É plenamente possível o
reconhecimento do usucapião quando o prazo exigido por lei se exauriu no curso
do processo, por força do art. 462 do CPC, que privilegia o estado atual em que
se encontram as coisas, evitando-se provimento judicial de procedência quando
já pereceu o direito do autor ou de improcedência quando o direito pleiteado na
inicial, delineado pela causa petendi narrada, é reforçado por fatos
supervenientes. 5. Recurso especial parcialmente conhecido e, na extensão,
provido.” (REsp 1088082/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA
TURMA, julgado em 02/03/2010, DJe 15/03/2010)
Ainda no bojo do REsp 1088082/RJ temos a seguinte ponderação do relator:
"É de se ressaltar ainda que a doutrina civilista moderna entende ser possível a declaração de usucapião quando o prazo exigido por lei se exauriu no curso do processo, verbis : 'Porém, se o prazo for completado no curso da lide, entendemos que o Juiz deverá sentenciar no estado em que o processo se encontra, recepcionando o fato constitutivo do direito superveniente, prestigiando a efetividade processual, a teor do art. 462 do Código de Processo Civil. É de se compreender que a prestação jurisdicional deverá ser concedida de acordo com a situação dos fatos no momento da sentença. Não se esqueça, por sinal, que a citação feita ao proprietário na ação de usucapião não se insere dentre as causas interruptivas da usucapião. Ora, o art. 202, inciso I, do Código Civil foi instituído em proveito daquele a quem o prazo da usucapião prejudicaria apenas nas ações por ele ajuizadas, mas não naquelas contra ele promovidas. Daí a necessidade de se outorgar eficácia jurídica ao fato superveniente, pois a lide mudou de configuração no seu curso".
No mesmo sentido:
USUCAPIÃO ORDINÁRIO. ADIMPLEMENTO DO REQUISITO TEMPORAL DA POSSE DIRETA. ART. 462 DO CPC. Diante da fluência do prazo temporal de 20 anos durante o tramitar da ação de usucapião, consorciada à ausência de oposição à posse qualificada dos apelantes, atendido o requisito temporal, dá-se provimento à apelação para julgar procedente a ação. Exegese do art. 462 do CPC. Apelo provido. (Apelação Cível Nº 70039810700, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Guinther Spode, Julgado em 14/06/2011) (TJ-RS - AC: 70039810700 RS , Relator: Guinther Spode, Data de Julgamento: 14/06/2011, Décima Nona Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 21/06/2011)
Ainda no bojo do REsp 1088082/RJ temos a seguinte ponderação do relator:
"É de se ressaltar ainda que a doutrina civilista moderna entende ser possível a declaração de usucapião quando o prazo exigido por lei se exauriu no curso do processo, verbis : 'Porém, se o prazo for completado no curso da lide, entendemos que o Juiz deverá sentenciar no estado em que o processo se encontra, recepcionando o fato constitutivo do direito superveniente, prestigiando a efetividade processual, a teor do art. 462 do Código de Processo Civil. É de se compreender que a prestação jurisdicional deverá ser concedida de acordo com a situação dos fatos no momento da sentença. Não se esqueça, por sinal, que a citação feita ao proprietário na ação de usucapião não se insere dentre as causas interruptivas da usucapião. Ora, o art. 202, inciso I, do Código Civil foi instituído em proveito daquele a quem o prazo da usucapião prejudicaria apenas nas ações por ele ajuizadas, mas não naquelas contra ele promovidas. Daí a necessidade de se outorgar eficácia jurídica ao fato superveniente, pois a lide mudou de configuração no seu curso".
No mesmo sentido:
USUCAPIÃO ORDINÁRIO. ADIMPLEMENTO DO REQUISITO TEMPORAL DA POSSE DIRETA. ART. 462 DO CPC. Diante da fluência do prazo temporal de 20 anos durante o tramitar da ação de usucapião, consorciada à ausência de oposição à posse qualificada dos apelantes, atendido o requisito temporal, dá-se provimento à apelação para julgar procedente a ação. Exegese do art. 462 do CPC. Apelo provido. (Apelação Cível Nº 70039810700, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Guinther Spode, Julgado em 14/06/2011) (TJ-RS - AC: 70039810700 RS , Relator: Guinther Spode, Data de Julgamento: 14/06/2011, Décima Nona Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 21/06/2011)
·
Terceira questão processual:
Mas o que ocorrerá se o juiz julgar procedente uma ação petitória ajuizada pelo proprietário? Exemplo: O possuidor está na área utilizando-a como moradia pelo prazo de 8 anos. Se ao longo do oitavo ano o possuidor for citado em ação reivindicatória proposta pelo proprietário e, sendo julgada procedente a ação petitória, após o transcurso de prazo necessário para usucapir (após o 10º ano). Como ficará a situação do réu-possuidor? Se ação reivindicatória for julgada procedente, mesmo tendo transcorrido o prazo de 10 anos, não terá o réu-possuidor implementado o prazo necessário, pois nos termos do artigo 219, § 1.º do CPC “a interrupção da prescrição retroagirá à data da propositura da ação”.
Mas o que ocorrerá se o juiz julgar procedente uma ação petitória ajuizada pelo proprietário? Exemplo: O possuidor está na área utilizando-a como moradia pelo prazo de 8 anos. Se ao longo do oitavo ano o possuidor for citado em ação reivindicatória proposta pelo proprietário e, sendo julgada procedente a ação petitória, após o transcurso de prazo necessário para usucapir (após o 10º ano). Como ficará a situação do réu-possuidor? Se ação reivindicatória for julgada procedente, mesmo tendo transcorrido o prazo de 10 anos, não terá o réu-possuidor implementado o prazo necessário, pois nos termos do artigo 219, § 1.º do CPC “a interrupção da prescrição retroagirá à data da propositura da ação”.
Pela lição de ROSENVALD “o
julgamento favorável ao autor da ação reivindicatória acarretará a paralisação
da contagem da usucapião retroativamente à data da propositura da ação. Assim,
se o retomante ajuíza ação reivindicatória ou possessória antes de o possuidor
completar o lapso precricional, mesmo que a sentença procedente seja proferida
após o termo final, seus efeitos já se operam à data do protocolo da petição
inicial” (CURSO, pág. 418/419).
Naturalmente, essas implicações
decorrem da regra do artigo 1.244, do CC/2002, in vebis:
“Art. 1.244. Estende-se ao possuidor o disposto quanto ao devedor acerca
das causas que obstam, suspendem ou interrompem a prescrição, as quais também
se aplicam à usucapião”.
Vejamos uma situação muito
interessante decidida pelo TJ-MT (2013) em que o retomante intentou uma ação de
rescisão contratual c/c reintegração de
posse dois dias antes do prazo para a consolidação da usucapião. Tal como
mencionado, com a propositura da ação, ocorrerá a interrupção do prazo para usucapir na data da propositura da
ação (1º, Art. 219, CPC), vejamos:
RECURSO DE APELAÇÃO – AÇÃO
DECLARATÓRIA DE USUCAPIÃO – COMPROVAÇÃO DO LAPSO TEMPORAL – REQUISITO INDISPENSÁVEL
– PRESCRIÇÃO – TERMO INICIAL – CITAÇÃO
VÁLIDA – APLICAÇÃO DO ARTIGO 219, §1º DO CPC – EFICÁCIA INTERRUPTIVA QUE
RETROAGE À PROPOSITURA DA AÇÃO QUE SE OPÕE AO DIREITO DO USUCAPIENTE – AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR – INUTILIDADE
CONFIGURADA – SENTENÇA MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO.
1- Aquele
que ajuíza a Ação Declaratória de Usucapião visando o domínio da propriedade
com força no artigo 1238 do CPC (usucapião extraordinário), deve demonstrar
cabalmente os seguintes requisitos: posse mansa, pacífica e contínua pelo prazo
prolongado de 15 (quinze) anos e com animus
domini. No caso concreto, a Recorrente não comprovou o requisito temporal,
já que não demonstrou a posse ininterrupta sobre o bem pelo período de tempo
exigido.
2- A
prescrição é interrompida com a citação válida; entretanto, realizada a
citação, a sua eficácia retroage ao momento da propositura da ação, a teor do
que estatui o artigo 219, §1º, do Código de Processo Civil. In casu, não há falar em aquisição da
propriedade pela usucapião, porque a Apelada se opôs a esse direito quando
ajuizou a Ação de Resolução Contratual c/c Reintegração de Posse dois dias
antes de findar o prazo para retomar o bem possuído.
3- Se
constatado desde o início da Ação Declaratória de Usucapião que o interessado
não comprovou o lapso temporal exigido para o reconhecimento do direito
pleiteado, mostra-se ausente a utilidade do feito, motivo pelo qual não há
interesse de agir. Ap, 3112/2012, DESA.CLARICE CLAUDINO DA SILVA, SEGUNDA
CÂMARA CÍVEL, Data do Julgamento 19/12/2012, Data da publicação no DJE
18/01/2013
·
Direito intertemporal nas
usucapiões extraordinária e ordinária:
Neste ponto, torna-se necessária
a análise relativa ao período de transição do CC/1916 para o CC/2002, a fim de
que possamos entender a questão do direito intertemporal que incide na hipótese.
O novo código, aplicando a
diretriz da operabilidade, reduziu os prazos dessas espécies de usucapião, regulando,
no artigo 2.029, o seguinte:
“Art. 2.029. Até dois anos após a entrada em vigor deste Código,
os prazos estabelecidos no parágrafo único do art. 1.238 e no parágrafo único
do art. 1.242 serão acrescidos de dois anos, qualquer que seja o tempo transcorrido
na vigência do anterior, Lei 3.071, de 1.º de janeiro de 1.916.”
Criou-se, portanto, uma regra de
transição em matéria de usucapião por posse-trabalho, tanto na usucapião
ordinária como na extraordinária. As demais modalidades de usucapião, inclusive
aquelas reguladas no caput dos
artigos 1.238 e 1.242, não serão atingidas pela regra de transição em apreço,
mas sim, pela regra de transição do artigo 2.028, do mesmo código.
Dessa forma, pela redação do art.
2.029, aqueles prazos de 10 e 5 anos apenas se aplicarão após o transcurso do
primeiro biênio de vigência do novo código.
·
Usucapião como matéria de defesa
O professor ROSENVALD argumenta
que o STF, “ao editar a súmula 237,
possibilitou a arguição da usucapião em defesa nas ações petitórias e
possessórias ajuizadas contra o possuidor que já completou o lapso temporal
exigido em lei”.
É justamente esse o sentido da
referida súmula, vejamos: “STF – 237. O
usucapião pode ser arguido em defesa”.
A alegação deverá ser
instrumentalizada por meio de pedido contraposto, devendo o réu atentar-se para
a questão do princípio da eventualidade, alegando a usucapião na oportunidade
da contestação (momento processual preclusivo).
A despeito da existência de algum
nível de controvérsia na doutrina, deve ser mencionado que a própria sentença
que reconheceu a viabilidade da defesa de mérito consistente na usucapião deve
servir de título hábil para a transcrição cartorial.
Aliás, neste sentido, a Lei
6.969/1.981, que regula a usucapião especial rural, prescreve em seu artigo
7.º, o seguinte: “A usucapião especial poderá ser invocada como matéria de
defesa, valendo a sentença que a reconhecer como título para transcrição no
Registro de Imóveis”.
Inspirado nessa vertente, o
Enunciado 315, do CJF também reafirma essa possibilidade nos termos seguintes “O art. 1.241
do Código Civil permite que o possuidor que figurar como réu em ação
reivindicatória ou possessória formule pedido contraposto e postule ao juiz
seja declarada adquirida, mediante usucapião, a propriedade imóvel, valendo a
sentença como instrumento para registro imobiliário, ressalvados eventuais
interesses de confinantes e terceiros”.
PERGUNTA: Cabe reconvenção (alegando usucapião) em uma ação reivindicatória?
A jurisprudência não tem admitido atualmente essa hipótese, vejamos:
PERGUNTA: Cabe reconvenção (alegando usucapião) em uma ação reivindicatória?
A jurisprudência não tem admitido atualmente essa hipótese, vejamos:
PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO REIVINDICATÓRIA - RECONVENÇÃO OBJETIVANDO DECLARAÇÃO DE USUCAPIÃO - RITOS PROCESSUAIS INCOMPATÍVEIS - IMPOSSIBILIDADE. A despeito de induvidosa a possibilidade de se alegar usucapião como matéria de defesa na ação reivindicatória, afigura-se descabida tal pretensão em sede de reconvenção, pelo simples e curial motivo de que o procedimento especial da ação de usucapião se revela incompatível com o rito ordinário da reivindicatória. (Agravo de Instrumento 1.0313.08.262753-7/001, Relator(a): Des.(a) Tarcisio Martins Costa , 9ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 24/08/2010, publicação da súmula em 08/09/2010)
c)
Usucapião
constitucional ou especial rural ou pro labore (Art. 191, CT/88)
Essa espécie de usucapião é
qualificada como “constitucional” justamente porque o cerne de sua regulação
vem previsto no art. 191, do texto maior, vejamos:
Art.
191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como
seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural,
não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de
sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.
Parágrafo
único. Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.
O assunto ainda é tratado no
artigo 1.239, do CC/2002 e lei 6.969/1981.
Temos, portanto, como requisitos
para essa modalidade de usucapião:
Ø Área
não superior a 50 hectares:
Enunciado 313, do CJF “Quando a posse
ocorre sobre área superior aos limites legais, não é possível a aquisição pela
via da usucapião especial, ainda que o pedido restrinja a dimensão do que se
quer usucapir”. Esse enunciado deve ser ponderado, conforme doutrina.
Ø Posse
mansa e pacífica, com animus domini,
pelo prazo de cinco anos ininterruptos: (posse qualificada);
Ø O
imóvel deve ser utilizado para subsistência da família: Assim, deve ser utilizado para
agricultura, pecuária, extrativismo etc.
Ø O
possuidor não pode ser proprietário de outro imóvel: urbano ou rural.
Ø O
imóvel não deve estar localizado na área urbana: A Constituição menciona que o imóvel deve
estar localizado em “zona rural”. Assim, para efeito de estabelecer essa
questão, boa parte da doutrina orienta-se pelos critérios estabelecidos pelo
CTN, em seu artigo 32[5].
A jurisprudência entende, de igual modo, que o imóvel não pode estar localizado
em perímetro urbano, vejamos o que decidiu o TJ-MT: “APELAÇÃO
CÍVEL - AÇÃO DE USUCAPIÃO - JUNTADA DE DOCUMENTOS NOVOS - OFENSA AO ART. 397 DO
CPC IMPOSSIBILIDADE - USUCAPIÃO RURAL - IMÓVEL LOCALIZADO EM ZONA URBANA -
AUSENTE PRESSUPOSTO PARA DECLARAÇÃO DE DOMÍNIO - DECISÃO MANTIDA - APELO
IMPROVIDO. Se as peças trazidas pela Apelante não se inserem na condição de “documentos
novos”, impõe-se o desentranhamento e a desconsideração do seu conteúdo. O
imóvel objeto de usucapião rural, com fundamento no art. 191 da CF, deve não só
ser destinado à produção rural, como também localizar-se em zona rural, não se
estendendo o benefício a imóveis inseridos no perímetro urbano. Ap,
100868/2008, DRA. CLARICE CLAUDINO DA SILVA, QUINTA CÂMARA CÍVEL, Data do
Julgamento 28/01/2009, Data da publicação no DJE 10/02/2009”
De acordo com a doutrina, essa
modalidade de usucapião também é conhecida “como
usucapião pro labore, teve por objetivo a fixação do homem no campo, requerendo
ocupação produtiva do imóvel, devendo neste morar e trabalhar o usucapiente ou
a entidade familiar” (ROSENVALD, curso, pág. 467).
Assim, situando-se o imóvel no perímetro urbano, assim definido na legislação municipal respectiva, o pedido não deverá ser aceito.
De igual modo, a jurisprudência entende não ser possível a alteração da modalidade do pedido de usucapião no curso do processo, pois essa atitude do autor configuraria "inovação processual" não permitida.
Neste sentido, vejamos o que decidiu o TJ-MG: "USUCAPIÃO ESPECIAL RURAL. IMÓVEL SITUADO EM PERÍMETRO URBANO DESDE A ÉPOCA DA PROPOSITURA DA DEMANDA. REQUISITO NÃO PREENCHIDO. MODIFICAÇÃO DA MODALIDADE DE USUCAPIÃO. IMPOSSIBILIDADE. INOVAÇÃO. SENTENÇA MANTIDA. 1- A ausência do preenchimento de qualquer requisito para fins de aquisição de imóvel por usucapião especial é fator impeditivo para a declaração de domínio. 2 - Sendo incontroversa a localização do imóvel usucapiendo dentro do perímetro urbano do Município, resta obstaculizada a aquisição do domínio por meio da usucapião especial rural. (Apelação Cível 1.0352.01.003193-3/001, Relator(a): Des.(a) Francisco Kupidlowski , 13ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 12/11/2009, publicação da súmula em 30/11/2009)"
Questões importantes:
·
Dada a
natureza especial dessa modalidade de usucapião, a jurisprudência não admite a acessio possessiones para esta
modalidade de usucapião, ou seja, não pode haver somatório de possuidores
diferentes, como ocorre em geral (art. 1.243, CC/2002), vejamos:
RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL -
USUCAPIÃO PRO LABORE - ART. 191 DA CF88 - POSSIBILIDADE DE SOMAR A POSSE DOS
ANTECESSORES - NATUREZA ESPECIAL DA PRESCRIÇÃO AQUISITIVA - NECESSIDADE DO
TRABALHO PESSOAL DO USUCAPIENTE - IMPLEMENTAÇÃO DO PRAZO DO USUCAPIÃO APÓS O
AJUIZAMENTO DA AÇÃO - POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO - APELAÇÃO PROVIDA. O
usucapião constitucional demanda a prova do labor rural desempenhado pelo
usucapiente, não cabendo, nessa hipótese, a acessionis possesoris. Nada obsta
que a prescrição aquisitiva da propriedade seja reconhecida pelo decurso do
tempo necessário, ainda que após o ajuizamento da ação, uma vez que a citação
na ação e usucapião não tem o condão de interromper a contagem do lapso
prescricional. Ap, 30572/2010, DES. ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, PRIMEIRA CÂMARA
CÍVEL, Data do Julgamento 10/08/2010, Data da publicação no DJE 20/08/2010
Outra
questão interessante é a que respeita a previsão contida no artigo 2.º da Lei
de regência dessa modalidade de usucapião (6.969/81). O referido dispositivo
afirma ser possível a usucapião de terras devolutas, vejamos o preceptivo: "Art. 2º - A usucapião especial, a que se refere esta Lei, abrange as terras particulares e as terras devolutas, em geral, sem prejuízo de outros direitos conferidos ao posseiro, pelo Estatuto da Terra ou pelas leis que dispõem sobre processo discriminatório de terras devolutas."
PERGUNTA: Qual o conceito jurídico de terras devolutas? Maria Sylvia Zanella Di Pietro, afirma que, “pelo conceito legal, terras devolutas eram terras vagas, abandonadas, não utilizadas quer pelo poder público quer por particulares. Essa concepção corresponde ao sentido etimológico do vocábulo “devoluto” : devolvido, vazio, desocupado “ e que “excluíam-se do conceito de terras devolutas : as utilizadas pelo poder público, as que fossem objeto de sesmarias legítimas ou mesmo de sesmarias ilegítimas, porém revalidáveis, e as que fossem objeto de posse (moradia e cultivo). As demais eram consideradas devolutas” e, enfatiza, “não se pode dizer que fossem terras sem dono, porque pertenciam ao patrimônio público, que poderia vende-las ou doá-las (art. 1.º)” (PIETRO DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo : Editora Atlas, 8ª edição, 1997)
Estas terras, segundo entendimento da doutrina administrativista, são “bens imóveis que qualificados como públicos pela Lei n.º 601/1.850, porque na data da vigência dela, não se encontravam nem afetadas ao desenvolvimento de atividades estatais nem sob a posse privada, não receberam outra qualificação jurídica posteriormente” (MARÇAL JUSTEN FILHO, Curso, pág. 1079)[6].
u Usucapião rural e terras devolutas:
PERGUNTA: Qual o conceito jurídico de terras devolutas? Maria Sylvia Zanella Di Pietro, afirma que, “pelo conceito legal, terras devolutas eram terras vagas, abandonadas, não utilizadas quer pelo poder público quer por particulares. Essa concepção corresponde ao sentido etimológico do vocábulo “devoluto” : devolvido, vazio, desocupado “ e que “excluíam-se do conceito de terras devolutas : as utilizadas pelo poder público, as que fossem objeto de sesmarias legítimas ou mesmo de sesmarias ilegítimas, porém revalidáveis, e as que fossem objeto de posse (moradia e cultivo). As demais eram consideradas devolutas” e, enfatiza, “não se pode dizer que fossem terras sem dono, porque pertenciam ao patrimônio público, que poderia vende-las ou doá-las (art. 1.º)” (PIETRO DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo : Editora Atlas, 8ª edição, 1997)
Estas terras, segundo entendimento da doutrina administrativista, são “bens imóveis que qualificados como públicos pela Lei n.º 601/1.850, porque na data da vigência dela, não se encontravam nem afetadas ao desenvolvimento de atividades estatais nem sob a posse privada, não receberam outra qualificação jurídica posteriormente” (MARÇAL JUSTEN FILHO, Curso, pág. 1079)[6].
Resumindo: no dizer do citado autor, terras devolutas “correspondem a bens dominicais” (pág. 1081). Bem! Se as terras devolutas são bens dominicais, isso implica dizer que são bens públicos, portanto, o artigo 2.º da Lei 6.969/1.981 não é compatível com o disposto no parágrafo único do art. 191, da Constituição que enuncia o seguinte “os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião”. Essa é a opinião corrente na doutrina, ou seja, o citado dispositivo não foi recepcionado pela Constituição de 1988.
Atenção: O simples
fato de inexistir registro imobiliário de determinado bem imóvel não induz que
o mesmo seja classificado como terra devoluta, sendo necessária a prova do
Estado neste sentido.
Sobre esse tema, vejam o que decidiu o STJ: “DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. USUCAPIÃO. IMÓVEL URBANO. AUSÊNCIA DE REGISTRO ACERCA DA PROPRIEDADE DO IMÓVEL. INEXISTÊNCIA DE PRESUNÇÃO EM FAVOR DO ESTADO DE QUE A TERRA É PÚBLICA. 1. A inexistência de registro imobiliário do bem objeto de ação de usucapião não induz presunção de que o imóvel seja público (terras devolutas), cabendo ao Estado provar a titularidade do terreno como óbice ao reconhecimento da prescrição aquisitiva. 2. Recurso especial não provido.” (REsp 964.223/RN, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 18/10/2011, DJe 04/11/2011)
Em outra decisão o STJ entendeu que:
RECURSO ESPECIAL. USUCAPIÃO. FAIXA DE FRONTEIRA. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE REGISTRO ACERCA DA PROPRIEDADE DO IMÓVEL. INEXISTÊNCIA DE PRESUNÇÃO EM FAVOR DO ESTADO DE QUE A TERRA É PÚBLICA. 1. O terreno localizado em faixa de fronteira, por si só, não é considerado de domínio público, consoante entendimento pacífico da Corte Superior. 2. Não havendo registro de propriedade do imóvel, inexiste, em favor do Estado, presunção iuris tantum de que sejam terras devolutas, cabendo a este provar a titularidade pública do bem. Caso contrário, o terreno pode ser usucapido. 3. Recurso especial não conhecido. (REsp 674558/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 13/10/2009, DJe 26/10/2009)
De igual modo, o STF possui entendimento consolidado no sentido de que “Também a inexistência de transcrição da gleba em nome de particular não faz presumir que as terras sejam devolutas. (...). Conseqüentemente, o só fato de não se achar transcrito o imóvel não significa deva tratar-se de gleba devoluta. ” (RTJ 66/797, 798, Rel. Min. RODRIGUES ALCKMIN – grifei)
Sobre esse tema, vejam o que decidiu o STJ: “DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. USUCAPIÃO. IMÓVEL URBANO. AUSÊNCIA DE REGISTRO ACERCA DA PROPRIEDADE DO IMÓVEL. INEXISTÊNCIA DE PRESUNÇÃO EM FAVOR DO ESTADO DE QUE A TERRA É PÚBLICA. 1. A inexistência de registro imobiliário do bem objeto de ação de usucapião não induz presunção de que o imóvel seja público (terras devolutas), cabendo ao Estado provar a titularidade do terreno como óbice ao reconhecimento da prescrição aquisitiva. 2. Recurso especial não provido.” (REsp 964.223/RN, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 18/10/2011, DJe 04/11/2011)
Em outra decisão o STJ entendeu que:
RECURSO ESPECIAL. USUCAPIÃO. FAIXA DE FRONTEIRA. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE REGISTRO ACERCA DA PROPRIEDADE DO IMÓVEL. INEXISTÊNCIA DE PRESUNÇÃO EM FAVOR DO ESTADO DE QUE A TERRA É PÚBLICA. 1. O terreno localizado em faixa de fronteira, por si só, não é considerado de domínio público, consoante entendimento pacífico da Corte Superior. 2. Não havendo registro de propriedade do imóvel, inexiste, em favor do Estado, presunção iuris tantum de que sejam terras devolutas, cabendo a este provar a titularidade pública do bem. Caso contrário, o terreno pode ser usucapido. 3. Recurso especial não conhecido. (REsp 674558/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 13/10/2009, DJe 26/10/2009)
De igual modo, o STF possui entendimento consolidado no sentido de que “Também a inexistência de transcrição da gleba em nome de particular não faz presumir que as terras sejam devolutas. (...). Conseqüentemente, o só fato de não se achar transcrito o imóvel não significa deva tratar-se de gleba devoluta. ” (RTJ 66/797, 798, Rel. Min. RODRIGUES ALCKMIN – grifei)
· PERGUNTA: E se a implementação do lapso temporal respectivo
tiver ocorrido antes da promulgação da Constituição de 1988? Nestes casos, dada
a natureza declaratória da sentença que concede a usucapião, o entendimento é
no sentido de que é possível a usucapião, pois à época, antes da CT/88, não
havia vedação constitucional do parágrafo único do artigo 191, da CT/88.
d)
Usucapião
constitucional ou especial urbana (pro
misero)
Essa modalidade de usucapião
também é qualificada de constitucional em razão da previsão do artigo 183, in verbis:
Art. 183.
Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros
quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para
sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja
proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1º - O
título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher,
ou a ambos, independentemente do estado civil.
§ 2º - Esse
direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.
§ 3º - Os
imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.
A presente modalidade também está
prevista no Estatuto das Cidades (Lei 10.257/2001) e no art. 1.240, do CC/2002,
e requer os seguintes pressupostos:
Ø Posse qualificada; Aliás, aqui a
pessoalidade da posse é fundamental. Não há como aplicar a presente modalidade
de usucapião quando não é o respectivo possuidor quem – de fato – ocupa o
imóvel;
Ø Imóvel localizado em área urbana
(Critérios do artigo 32, do CTN), utilizado para fins de moradia;
Ø Área máxima: limitação de metragem (250m²) do
imóvel;
Ø O possuidor não pode ser
proprietário de outro imóvel (urbano ou rural)
Questões importantes:
·
Finalidade dessa usucapião: Essa modalidade de usucapião
foi instituída a fim de instrumentalizar o direito mínimo de moradia, razão
pela qual é chamado de pro misero.
·
Acessio
possessionis: Não se admite, conforme previsão do Estatuto das Cidades, a acessio possessionis (geral), vejamos:
“Art. 9.º (...) § 3.º: “Para efeitos desse artigo, o herdeiro legítimo continua
de pleno direito, a posse de seu antecessor, desde que já resida no imóvel por
ocasião da abertura da sucessão”.
Veja que no caso permite-se a sucessio possessionis (soma dos tempos de posse) na hipótese de sucessão mortis causa. De igual modo, o Enunciado 317, do CJF esclarece-nos que: “317. A accessio possessionis, de que trata o art. 1.243, primeira parte, do Código Civil, não encontra aplicabilidade relativamente aos arts. 1.239 e 1.240 do mesmo diploma legal, em face da normatividade do usucapião constitucional urbano e rural, arts. 183 e 191, respectivamente”.
Veja que no caso permite-se a sucessio possessionis (soma dos tempos de posse) na hipótese de sucessão mortis causa. De igual modo, o Enunciado 317, do CJF esclarece-nos que: “317. A accessio possessionis, de que trata o art. 1.243, primeira parte, do Código Civil, não encontra aplicabilidade relativamente aos arts. 1.239 e 1.240 do mesmo diploma legal, em face da normatividade do usucapião constitucional urbano e rural, arts. 183 e 191, respectivamente”.
·
Necessidade de construções
definitivas no imóvel: Existe o
entendimento doutrinário no sentido de que deve
haver acessão física sobre o imóvel, não se contentando a lei apenas com
barracas ou outras formas de estruturas provisórias. Portanto, deve haver
incorporação duradoura de materiais ao solo.
·
Pessoa Jurídica: A pessoa jurídica não pode
pleitear essa modalidade de usucapião dada a necessidade do elemento
pessoalidade.
·
E se a área
for superior aos 250m²? Nestes casos, não se admite a utilização dessa modalidade de
usucapião, mesmo na situação onde, por exemplo, o possuidor exercendo posse
qualificada sobre área maior 800m², limite-se a pedir o reconhecimento da
usucapião pro misero no que concerne
aos 250m², permitidos pela Constituição.
A este respeito, o CJF expediu o seguinte Enunciado: “313. Quando a posse ocorre sobre área superior aos limites legais, não é possível a aquisição pela via da usucapião especial, ainda que o pedido restrinja a dimensão do que se quer usucapir”.
Neste sentido o TJ-MT decidiu que “RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL - USUCAPIÃO URBANO ESPECIAL - ARTIGO 183 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - POSSE SOBRE ÁREA SUPERIOR À METRAGEM EXIGIDA - PRETENSÃO DE USUCAPIR PARTE DO IMÓVEL - PROIBIÇÃO CONSTITUCIONAL - IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO RECONHECIDA - RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO - MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. Em se tratando de usucapião especial urbano, ultrapassando a área usucapienda o limite de 250 m², previsto no art. 183, da CF/88, impõe-se a extinção do processo, sem resolução do mérito, nos termos do artigo 267, VI, do CPC, haja vista a manifesta impossibilidade jurídica do pedido, por não comportar o dispositivo constitucional interpretação ampliativa. Inviável declaração de usucapião apenas de 250m² de área notadamente de tamanho maior, ou mesmo apenas a área da casa edificada no terreno, por consistir em parcelamento ilegal que vai de encontro com a norma constitucional.” Ap, 104695/2011, DES. SEBASTIÃO DE MORAES FILHO, QUINTA CÂMARA CÍVEL, Data do Julgamento 07/03/2012, Data da publicação no DJE 19/03/2012
A este respeito, o CJF expediu o seguinte Enunciado: “313. Quando a posse ocorre sobre área superior aos limites legais, não é possível a aquisição pela via da usucapião especial, ainda que o pedido restrinja a dimensão do que se quer usucapir”.
Neste sentido o TJ-MT decidiu que “RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL - USUCAPIÃO URBANO ESPECIAL - ARTIGO 183 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - POSSE SOBRE ÁREA SUPERIOR À METRAGEM EXIGIDA - PRETENSÃO DE USUCAPIR PARTE DO IMÓVEL - PROIBIÇÃO CONSTITUCIONAL - IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO RECONHECIDA - RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO - MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. Em se tratando de usucapião especial urbano, ultrapassando a área usucapienda o limite de 250 m², previsto no art. 183, da CF/88, impõe-se a extinção do processo, sem resolução do mérito, nos termos do artigo 267, VI, do CPC, haja vista a manifesta impossibilidade jurídica do pedido, por não comportar o dispositivo constitucional interpretação ampliativa. Inviável declaração de usucapião apenas de 250m² de área notadamente de tamanho maior, ou mesmo apenas a área da casa edificada no terreno, por consistir em parcelamento ilegal que vai de encontro com a norma constitucional.” Ap, 104695/2011, DES. SEBASTIÃO DE MORAES FILHO, QUINTA CÂMARA CÍVEL, Data do Julgamento 07/03/2012, Data da publicação no DJE 19/03/2012
·
Mais uma
questão interessante. Seria possível a usucapião de área menor que 250m²? Não há
óbice à aquisição de área inferior a 250, até mesmo porque a legislação de
regência menciona “área de até 250m²”.
Contudo, uma observação deve ser feita. Caso o plano diretor do município fixe
uma área mínima de parcelamento igual ou superior a 250m² (módulo urbano
mínimo), a situação é diferente. O imóvel objeto da usucapião e posterior
registro não poderá desprezar a legislação de ordenação do solo. Neste sentido,
o STJ decidiu que: “CIVIL - RECURSO
ESPECIAL - USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO - ÁREA INFERIOR AO MÓDULO URBANO - LEI
MUNICIPAL - VEDAÇÃO - ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AOS ARTS. 550 e 552 DO CC/16 –
INOCORRÊNCIA. 1 - In casu, como bem ressaltado no acórdão impugnado, “o imóvel
que se pretende usucapir não atende às normas municipais que estabelecem o
módulo mínimo local, para parcelamento do solo urbano.” (fls. 168/169), não
constituindo o referido imóvel, portanto, objeto legalizável, nos termos da lei
municipal. Conforme evidenciado pela Prefeitura Municipal de Socorro, no Ofício
de fls. 135, o módulo mínimo para o parcelamento do solo urbano daquele
município é de 250m2, e o imóvel em questão possui apenas 126m2. Ora, caso se
admitisse o usucapião de tal área, estar-se-ia viabilizando, de forma direta, o
registro de área inferior àquela permitida pela lei daquele município. Há,
portanto, vício na própria relação jurídica que se pretende modificar com a
aquisição definitiva do imóvel. 2 - Destarte, incensurável o v. acórdão
recorrido (fls. 169) quando afirmou que "o entendimento do pedido
implicaria em ofensa a norma municipal relativa ao parcelamento do solo urbano,
pela via reflexa do usucapião. Seria, com isso, legalizado o que a Lei não
permite. Anotou, a propósito, o DD. Promotor de Justiça que, na Comarca de
Socorro, isso vem ocorrendo "como meio de buscar a legitimação de
parcelamento de imóveis realizados irregularmente e clandestinamente. 3 - Recurso não conhecido.” (REsp
402.792/SP, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, QUARTA TURMA, julgado em
26/10/2004, DJ 06/12/2004, p. 316)
·
Usucapião pro família
A lei 12.424/2011 inseriu, no
CC/2002, o artigo 1.240-A, como uma variante da usucapião urbana, vejamos:
“Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos
ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel
urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade
divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para
sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não
seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
§ 1º O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez”.
Os requisitos são praticamente os
mesmos da modalidade prevista no artigo 1.240, do CC/2002. A doutrina, no
entanto, observa que “exige-se, para além dos pressupostos já assinalados,
que o pretendente seja co-proprietário do imóvel em conjunto com seu ex-cônjuge
ou ex-companheiro. A disposição permitirá a aquisição da parte ideal pertencente
ao seu ex-cônjuge ou companheiro que tenha abandonado o lar, tornando-se o
interessado que permaneça na posse do bem seu proprietário exclusivo. Ademais,
o prazo, neste caso, é sensivelmente inferior às demais espécies de usucapião
contempladas no Código Civil, pois basta ao pretendente exercer a posse por um
período ininterrupto de 2 anos para adquirir a fração de propriedade outrora
pertencente ao seu ex-cônjuge ou ex-companheiro” (www.jus.com.br).
Observa-se, pela redação do artigo 1.240-A, que a lei exige
a existência de compropriedade sobre
o bem. A nova modalidade de usucapião tem a função de garantir o direito de
moradia para o conjugue que, em tese, ficou desamparado, financeira e
efetivamente e extinguir o condomínio outrora existente.
·
Inconstitucionalidade do art. 1.240-A, do CC/2002
Alguns autores consideram o modelo de usucapião do artigo
1.240-A inconstitucional. Isso em decorrência da EC n.º 66/2010, que alterou o
artigo 226, da Constituição da República, inciso IV (“O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”), sendo
acolhido o princípio da ruptura sem qualquer questionamento acerca da eventual
culpa de um ou outro consorte.
Com a possibilidade da dissolução do casamento sem qualquer
questionamento a respeito do elemento culpa, estariam, em tese, revogadas todas as normas
legais, inclusive o artigo 1.573, do CC/2002 que de alguma forma faziam alusão
às causas da separação.
e)
Usucapião
especial urbana coletiva (Estatuto das Cidades)
O artigo 10 do Estatuto das Cidades (Lei 10.257/2001) tem a seguinte redação:
Art. 10. As áreas urbanas com mais de duzentos e cinqüenta metros
quadrados, ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por cinco
anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os
terrenos ocupados por cada possuidor, são susceptíveis de serem usucapidas
coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel
urbano ou rural.
Os
requisitos, portanto, são:
Ø Área urbana superior a 250m²;
Ø Posse qualificada (com animus
domini) pelo prazo de cinco anos. Para aferir a questão da posse, sobretudo no que respeita ao tempo de posse, não poderá o magistrado avaliar a
situação individualizada de cada possuidor, mas terá em conta a ocupação
coletiva, sob pena de inviabilizar o instituto que tem uma feição eminentemente
coletiva (interesses metaindividuais).
· Ø Ocupação por famílias de baixa renda: “Famílias de baixa renda” é um conceito jurídico indeterminado, ou
seja, deverá ser preenchido, em cada caso, pelo Magistrado, mas há forte
inclinação doutrinária no sentido de que famílias de baixa renda são aquelas
que sobrevivem com até três salários mínimos;
· Ø Impossibilidade de identificação da área de cada possuidor;
· Ø O possuidor (adquirente) não pode ser proprietário de outro imóvel
(urbano ou rural).
ROSENVALD
argumenta que essa “modalidade de
usucapião se destina a inserir a população carente – ocupante de assentamentos
informais – na cidade legal, regularizando áreas de ocupação coletiva já
consolidada pela via de transformações urbanísticas estruturais. Pretende-se
desenvolver procedimento específico para moradores de ocupações múltiplas, que
poderá representar instrumento veloz e eficiente para a declaração judicial de
um direito adquirido pelos possuidores devido ao uso social que deram à área
ocupada, tornando-a habitação para eles e suas famílias” (CURSO, pág. 446).
Os
parágrafos do citado artigo 10 trazem regras igualmente importantes:
§ 1o O possuidor
pode, para o fim de contar o prazo exigido por este artigo, acrescentar sua
posse à de seu antecessor, contanto que ambas sejam contínuas.
§ 2o A usucapião
especial coletiva de imóvel urbano será declarada pelo juiz, mediante sentença,
a qual servirá de título para registro no cartório de registro de imóveis.
§ 3o Na sentença,
o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno a cada possuidor,
independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe, salvo hipótese de
acordo escrito entre os condôminos, estabelecendo frações ideais diferenciadas.
§ 4o O condomínio
especial constituído é indivisível, não sendo passível de extinção, salvo
deliberação favorável tomada por, no mínimo, dois terços dos condôminos, no caso
de execução de urbanização posterior à constituição do condomínio.
§ 5o As
deliberações relativas à administração do condomínio especial serão tomadas por
maioria de votos dos condôminos presentes, obrigando também os demais,
discordantes ou ausentes.
·
Questões de
ordem prática importantes:
Quem será
autor da ação de usucapião coletiva? Quem detém legitimidade? O artigo 12, do
Estatuto das Cidades menciona que a ação será proposta: i) pelo possuidor
isoladamente ou em litisconsórcio; ii) pelos possuidores em composse. Esses
dois primeiros legitimados defenderão a aquisição da propriedade com pretensão
meramente individual (à exceção do pleito em litisconsórcio), pois, in casu, incide a regra do artigo 6.º,
do Código de Processo Civil; iii) Pela Associação de Moradores (no caso da
usucapião coletiva, art. 10), como substituto
processual, desde que devidamente autorizada pelos possuidores em assembléia
específica.
É possível
seu ajuizamento pelo MP? Parte da doutrina entende que sim, através da “utilização do instrumento da ação civil
pública, ou outra modalidade de ação coletiva, a fim de se obter medida
jurisdicional, com efeito, semelhante, dado que é evidente possível se
enquadrar o desenvolvimento urbano e o direito de morar como um interesse
metaindividual, seja difuso, coletivo, ou individual homogêneo, dependendo da
forma de construção da causa de pedir e do pedido (...)”. Aliás, argumenta o
autor “que a própria Lei 10.257/01 –
Estatuto da Cidade – através do seu art. 53, alterou artigos da Lei n. 7.347/85
– Lei da ação civil pública - para incluir entre as matérias possíveis de
tutela da ACP, os danos à ordem urbanística (artigo 1º.
III) e, ainda, via artigo 54, deu nova redação ao artigo 4º. da Lei n.
7.347/85, normatizando que "Poderá ser ajuizada ação cautelar para os fins
desta Lei, objetivando, inclusive, evitar o dano ao meio ambiente, ao
consumidor, à
ordem urbanística ou aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico,
turístico e paisagístico” (www.jus.com.br).
f)
Usucapião
Administrativa (Lei 11.977/2.009)
A usucapião
administrativa foi inserida em nosso sistema jurídico por meio da Lei
11.977/2.009 que disciplina também o Programa “Minha Casa Minha Vida” do Governo Federal.
De acordo
com a citada lei “[a] regularização fundiária
consiste no conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais
que visam à regularização de assentamentos irregulares e à titulação de seus
ocupantes, de modo a garantir o direito social à moradia, o pleno
desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado (art. 46).”
Um dos
pontos mais interessantes da medida de regularização fundiária citada é a desjudicialização. A medida tem o mesmo
espírito de outras leis que visam retirar tarefas do judiciário, atribuindo-as
aos Cartórios.
O processo
de regularização[7]
tem várias etapas, a saber:
a)
Elaboração e
apresentação inicial do projeto: O projeto poderá ser apresentado, nos
termos do artigo 50, pela União, Estados e DF, Municípios e, ainda, pelos
interessados (beneficiários), cooperativas habitacionais,
associações de moradores, fundações, organizações sociais, organizações da
sociedade civil de interesse público ou outras associações civis que tenham por
finalidade atividades nas áreas de desenvolvimento urbano ou regularização
fundiária. Vale registrar que o projeto de regularização fundiária deverá
ser aprovado pelo Município (Art. 53).
b)
Averbação da
demarcação:
Nos termos da Lei 11.977/2.009 a demarcação urbanística é o “procedimento administrativo pelo qual o
poder público, no âmbito da regularização fundiária de interesse social,
demarca imóvel de domínio público ou privado, definindo seus limites, área,
localização e confrontantes, com a finalidade de identificar seus ocupantes e
qualificar a natureza e o tempo das respectivas posses”;
c)
Encaminhamento
do auto de demarcação urbanística ao RGI: “Art.
57. Encaminhado o auto de demarcação urbanística ao registro de imóveis,
o oficial deverá proceder às buscas para identificação do proprietário da área
a ser regularizada e de matrículas ou transcrições que a tenham por objeto”.
d)
Notificação
do proprietário e confrontantes: Art. 57. § 1.º: “O proprietário e confrontantes serão notificados pessoalmente ou
fictamente para apresentar impugnação no prazo de 15 dias”;
·
Quem irá manifestar-se sobre a impugnação é o Poder Público;
·
O Oficial de Registro poderá tentar promover acordo entre o
impugnante e o Poder Público. Interessante notar que, nos termos do artigo 57,
§ 10 “Não
havendo acordo, a demarcação urbanística será encerrada em relação à área
impugnada”.
e)
Não havendo impugnação o Poder Público deverá elaborar o projeto de urbanização (art. 51)
e submetê-lo ao registro no RGI.
f)
Após o registro mencionado anteriormente o Poder Público concederá
título de legitimação da posse
aos ocupantes cadastrados (Art. 58 § 1.º);
g)
Conversão da
legitimação de posse em propriedade: “Art.
60. Sem prejuízo dos direitos decorrentes da posse exercida
anteriormente, o detentor do título de legitimação de posse, após 5 (cinco)
anos de seu registro, poderá requerer ao oficial de registro de imóveis a
conversão desse título em registro de propriedade, tendo em vista sua aquisição
por usucapião, nos termos do art. 183 da Constituição Federal.”
3. Usucapião de bens móveis
O Assunto
vem tratado no artigo 1260 à 1262, do Código Civil:
Art. 1.260. Aquele que possuir coisa móvel como sua, contínua e
incontestadamente durante três anos, com justo título e boa-fé, adquirir-lhe-á
a propriedade.
Art. 1.261. Se a posse da coisa móvel se prolongar por cinco anos,
produzirá usucapião, independentemente de título ou boa-fé.
Art. 1.262. Aplica-se à usucapião das coisas móveis o disposto nos arts. 1.243 e 1.244.
Ainda
de acordo com o Código Civil, bens móveis são aqueles “suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem
alteração da substância ou da destinação econômica”, nos termos do artigo
82.
Basicamente,
a lei exige para a configuração da usucapião de bem móvel a implementação dos seguintes
requisitos:
Ø Posse
qualificada (com animus domini) sobre
bem móvel;
Ø Lapso
temporal mínimo de três anos;
Ø Justo
título;
Ø Boa-fé;
Esses requisitos não diferem,
substancialmente, daquelas situações já estudadas por ocasião da usucapião
imobiliária. Verifica-se, pelo teor dos artigos 1260 e 1261 que, igualmente,
existem duas modalidades de usucapião, ou seja, a ordinária, na primeira
disposição e a extraordinária na outra.
Também
incidem as regras da acessio e sucessio possessionis, já analisadas por
ocasião da usucapião imobiliária.
Questões interessantes sobre usucapião de bens móveis:
Questões interessantes sobre usucapião de bens móveis:
Usucapião de veículos:
Veículo com
alienação fiduciária transferido à terceiro. O STJ tem
pronunciado a impossibilidade da
usucapião em razão da clandestinidade, vejamos::
DIREITO CIVIL. USUCAPIÃO. BEM MÓVEL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA.
AQUISIÇÃO DA POSSE POR TERCEIRO SEM CONSENTIMENTO DO CREDOR. IMPOSSIBILIDADE.
ATO DE CLANDESTINIDADE QUE NÃO INDUZ POSSE. INTELIGÊNCIA DO ART. 1.208 DO CC DE
2002. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO. 1. A transferência a terceiro de
veículo gravado como propriedade fiduciária, à revelia do proprietário
(credor), constitui ato de clandestinidade, incapaz de induzir posse (art.
1.208 do Código Civil de 2002), sendo por isso mesmo impossível a aquisição do
bem por usucapião. 2. De fato, em contratos com alienação fiduciária em
garantia, sendo o desdobramento da posse e a possibilidade de busca e apreensão
do bem inerentes ao próprio contrato, conclui-se que a transferência da posse
direta a terceiros – porque modifica a essência do contrato, bem como a
garantia do credor fiduciário – deve ser precedida de autorização. 3. Recurso
especial conhecido e provido. (REsp 881.270/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE
SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 02/03/2010, DJe 19/03/2010)
Veículo objeto de furto. Embora
possa parecer estranho, boa parte da doutrina considera essa possibilidade.
Observa-se que para a usucapião extraordinária de bem imóvel os elementos boa-fé e justo título são dispensados. Ora, se mesmo no caso de bens de raiz
(imóveis), é possível a usucapião que tenha origem na posse violenta, começando
o lapso tão logo cesse a violência (art. 1.208, CC), por que negar essa
possibilidade para os bens móveis? Portanto, cessada a violência começará a
contagem do prazo para a prescrição aquisitiva (usucapião). O entendimento
jurisprudencial é justamente nesse sentido, vejamos o que decidiu o TJ-MT:
RECURSO DE APELAÇÃO - USUCAPIÃO - BEM MÓVEL - VEÍCULO AUTOMOTOR
FURTADO - POSSE SUPERIOR A CINCO ANOS - ARTIGOS 619 DO CC - JUSTO TÍTULO -
BOA-FÉ - ANIMUS DOMINI RECONHECIMENTO DA AQUISIÇÃO DO DOMÍNIO PELA POSSE
DECLARADA - RECURSO PROVIDO - SENTENÇA REFORMADA. Consoante construção
pretoriana predominante, a posse inconteste de veículo, mesmo furtado, por mais
de cinco anos, conduz à sua aquisição por usucapião, dispensada até mesmo a
prova de título ou da boa-fé, se o animus domini restou comprovado por seus
atos de utilização do bem durante todo esse tempo como se seu fosse, inteligência
do art.619, do Código Civil (atual art.1.261). Ap, 11111/2010, DRA. MARILSEN
ANDRADE ADDARIO, SEGUNDA CÂMARA CÍVEL, Data do Julgamento 16/06/2010, Data da
publicação no DJE 09/07/2010
Não deixe de ler as notas abaixo!!!
[1] Posse “ad interdicta” é a posse que admite, em sua defesa, a
utilização dos Interditos Possessórios, e um dos requisitos para a concessão
será a existência da melhor posse (causa possessionis), porém não admite
a aquisição da propriedade por usucapião; inexiste a intenção de ser dono, o
elemento animus. Ex: posse do locatário, do
depositário, do comodatário. Ao passo que a posse “ad usucapionem”
caracteriza-se por ser a posse com objetivo de se adquirir a
propriedade pelo usucapião. Nesta
posse, encontramos os dois elementos da Teoria Subjetiva de Savigny: corpus e animus. Antes de mais nada, importante
mencionar que Nosso Código Civil inclinou-se pela teoria objetiva, embora em alguns
artigos pontuais faça concessões à teoria subjetiva, como ocorre na posse usucapionem.
[2] O STF não admite a penhora de bens da
Empresa de Correios e Telégrafos – ECT (Correios). Vejamos o seguinte julgado:
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E
TELÉGRAFOS. IMPENHORABILIDADE DE SEUS BENS, RENDAS E SERVIÇOS. RECEPÇÃO DO ARTIGO
12 DO DECRETO-LEI Nº 509/69. EXECUÇÃO. OBSERVÂNCIA DO REGIME DE PRECATÓRIO.
APLICAÇÃO DO ARTIGO 100 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. À empresa Brasileira de
Correios e Telégrafos, pessoa jurídica equiparada à Fazenda Pública, é
aplicável o privilégio da impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços. Recepção do artigo
12 do Decreto-lei nº 509/69 e não-incidência da restrição contida no artigo
173, § 1º, da Constituição Federal, que submete a empresa pública, a sociedade
de economia mista e outras entidades que explorem atividade econômica ao regime
próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e
tributárias. 2. Empresa pública que não exerce atividade econômica e presta
serviço público da competência da União Federal e por ela mantido. Execução.
Observância ao regime de precatório, sob pena de vulneração do disposto no
artigo 100 da Constituição Federal. Recurso extraordinário conhecido e provido.” (RE 225011/MG 2000)
[3] Vale citar que no “sistema alemão os contratos produzem apenas obrigações. Para a
transmissão dda propriedade é abstraída a causa (contrato), já que a passagem
da propriedade resulta de uma segunda convenção – denominada convênio
jurídico-real – realizada pelas mesmas partes perante o oficial de registro e
completamente dissociada do título originário” (ROSENVALD, CURSO, pág.
363). O objetivo desse segundo contrato, de acordo com a doutrina, é o de
eliminar eventual nulidade presente no contrato anterior (causa ou título do
negócio jurídico), e, dado o completo desprezo pelo contrato anterior (relação
subjacente), firmar presunção absoluta de propriedade em favor do
adquirente.
[4] Art. 1.245 – “§ 2.º Enquanto não se
promover, por meio de ação própria, a decretação de invalidade do registro, e o
respectivo cancelamento, o adquirente continua a ser havido como dono do
imóvel”
[5] Em tese, há possibilidade de utilização pelo
juiz, para aferir se o imóvel está ou não em área urbana, dos critérios
estabelecidos pela Lei 11.977/20, em seu artigo 47.
[6] HELY LOPES MEIRELLES ensina que as terras
devolutas “são todas aquelas que, pertencentes ao domínio público de qualquer
das entidades estatais, não se acham utilizadas pelo Poder Público, nem
destinadas a fins administrativos específicos. São bens públicos patrimoniais
ainda não utilizados pelos proprietários” (DIREITO ADM. BRASILEIRO, pág.
239-240)
[7] O artigo
49, da Lei 11.977/2.009 dispõe que: “Art.
49. Observado o disposto nesta Lei e na Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, o Município poderá dispor sobre o procedimento de regularização
fundiária em seu território. Parágrafo único. A ausência da
regulamentação prevista no caput não obsta a implementação da regularização fundiária”.