[DIREITOS REAIS] Posse: Aquisição e Perda




RESENHA 04

AQUISIÇÃO E PERDA DA POSSE

1. Formas de aquisição da posse.

Pelo CC/2002, temos a seguinte disposição:

Art. 1.204. Adquire-se a posse desde o momento em que se torna possível o exercício, em nome próprio, de qualquer dos poderes inerentes à propriedade.

Assim, pela redação legal, a posse poderá ser adquirida por qualquer um dos modos de aquisição em geral, tais como a apreensão, o constituto possessório ou qualquer negócio jurídico a título gratuito ou oneroso.

Posse é a ingerência socioeconômica sobre um determinado bem.
Para adquirir a propriedade de um imóvel, por exemplo, é necessária realização de uma série de atos de registro junto ao CRI. No entanto, a posse, embora possa ser oriunda de um negócio jurídico subjacente [anterior], tem seu início exclusivamente na relação fática do possuidor para com o bem, não dependendo de atos cartorários.   

A doutrina, basicamente, costuma classificar os modos de aquisição da posse em:

a)     Originário;  
b)     Derivado; 

Pela aquisição originária, também chamada de posse natural, o fenômeno da posse surge como algo novo em razão do apossamento, ou seja, da ocupação do bem (tomada de controle material sobre o bem). Assim, o possuidor ostenta, de forma pública e reiterada a prática de atos materiais sobre a coisa.

A outra vertente de aquisição da posse (derivada), também reconhecida como pose civil ou jurídica, é caracterizada pela transferência, ou seja, há uma transmissão de alguém que anteriormente exercia a posse sobre o mesmo bem. É adquirida por força de uma relação jurídica (compra e venda, doação, locação etc.).

É intuitivo, portanto, que só quem exerce a posse anteriormente é que poderá figurar nessa relação jurídica como transmitente. Afinal, não se pode transmitir o que não se tem.

O professor ROSENVALD, ao mencionar a respeito da posse originária, explica-nos a importância dessa classificação justificando que não se cogita de “vícios anteriores que maculem essa posse, ao contrário do que se verifica no modo derivado de aquisição – relacionado à posse civil – passível de contaminação de vícios genéticos, como invalidade do negócio jurídico ou venda a non domino” (CURSO, pág. 161).  

Quando se tratar de posse derivada (posse civil), a tradição é de suma importância, pois não é simplesmente o título de comodatário ou locatário que irá conferir a qualidade de possuidor, ou seja, o contrato, mas o exercício de fato sobre a coisa, independentemente do fato-jurídico anterior. O que vale, portanto, é o exercício dos poderes inerentes à propriedade sobre o bem objeto do negócio jurídico.

O mesmo não se verifica no que respeita à posse originária. Aqui não há negócio jurídico, mas sim, ato-fato, sendo suficiente a conduta humana no sentido de exercer atos possessórios (ingerência socioeconômica), dispensando qualquer relação jurídica anterior. 

2. Quem pode adquirir a posse:

Na seqüência o artigo 1.205, do Código Civil, disciplina que:

Art. 1.205. A posse pode ser adquirida: I - pela própria pessoa que a pretende ou por seu representante; II - por terceiro sem mandato, dependendo de ratificação.

Os incisos tratam de três situações distintas: a) da aquisição da posse pelo próprio possuidor; 
b) por meio de seu representante; c) pelo seu gestor de negócios.

A representação é uma verdadeira técnica de substituição de vontade.

Eis que o artigo 116, do CC/2002, ao tratar o tema da representação, enuncia que “A manifestação de vontade pelo representante, nos limites de seus poderes, produz efeitos em relação ao representado”. Lembrando que nos termos do artigo 115, também do CC/20202, “Os poderes de representação conferem-se por lei ou pelo representado”.

Essas considerações tornam factível o raciocínio da aquisição de posse por um menor, quando devidamente representado.  

No inciso II temos uma situação interessante: a chamada “gestão de negócios”, igualmente pormenorizada pelo CC/2002, no artigo 662:

Art. 662. Os atos praticados por quem não tenha mandato, ou o tenha sem poderes suficientes, são ineficazes em relação àquele em cujo nome foram praticados, salvo se este os ratificar. Parágrafo único. A ratificação há de ser expressa, ou resultar de ato inequívoco, e retroagirá à data do ato.

Pessoas jurídicas podem adquirir posse?

Sim, embora não mencionadas no artigo 1.205, do CC/2002, as pessoas jurídicas também podem adquirir posse desde que por meio de seus presentantes (lembrar que: presentante é aquela pessoa indicada no contrato ou estatuto social que torna ‘presente’ a pessoa jurídca). 

De igual modo, os entes despersonalizados: espólio, massa falida, condomínio podem adquirir posse. Neste sentido o Enunciado 236, do CJF: “Considera-se possuidor, para todos os efeitos legais, também a coletividade desprovida de personalidade jurídica”.

2.1. Constituto Possessório

Deve ser mencionado que a posse pode ser adquirida pelo também via constituto possessório.  

Aliás, o CJF, publicou o seguinte enunciado: “A posse das coisas móveis e imóveis também pode ser transmitida pelo constituto possessório”, o que leva-nos à consideração desse instituto dentre as formas de aquisição da posse.

O que vem a ser constituto possessório?

No dizer de WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO “constituto possessório é o ato pelo qual aquele que possuía em seu nome passa a possuir em nome de outrem” (CURSO DE DIREITO CIVIL, Editora, Saraiva, pag. 48).

Imagine a seguinte situação: “A” é proprietário e possuidor de uma casa. Necessitando de dinheiro, vede-a para “B”, porém permanece na casa a título de locatário ou comodatário. Veja que houve o desdobramento da posse. Ainda que “B” nunca tenha exercido qualquer ato de ingerência socioeconômica sobre a coisa (que é o que caracteriza a posse), será considerado possuidor, caso presente a cláusula constituti que não se presume, ou seja, deve constar da convenção. Assim, “B” que, frise-se, nunca esteve exercendo atos concretos de posse sobre o bem, será considerado possuidor para todos os efeitos, podendo manejar, inclusive as ações possessórias respectivas na defesa de seus interesses de possuidor.   

O constituto possessório é meio de aquisição fictícia da pose. Fictícia porque dispensa a apreensão física da      coisa. Assim, ocorre quando o comprador, por exemplo, já deixa a coisa comprada em poder do vendedor, seja em comodato (empréstimo de coisa infungível), seja em locação.

Por meio dessa ficção, o adquirente não chega nem mesmo a receber a coisa, porém mesmo assim, adquire posse sobre ela. Evita-se, desse modo, a necessidade de entrega da coisa pelo vendedor e, ato contínuo, de devolução por ato do adquirente.

Qual a vantagem da cláusula constituti

O vendedor que até então tinha posse plena (direta e indireta), passa a ter apenas posse direta (“detenção” física), enquanto o comprador, posse indireta (título de possuidor); no caso, a transmissão da posse se deu por força de contrato; não em virtude de apreensão física. Uma vez presente a cláusula constituti, o adquirente, aquele que passa a ter posse indireta sobre a coisa, poderá manejar os interditos possessórios (ação de reintegração de posse, por exemplo, diante de eventual esbulho). Em síntese, essa é a vantagem da cláusula constitui: a possibilidade de utilização da proteção processual da posse.

Jurisprudência do STJ, sobre o assunto:

DIREITO CIVIL. POSSE. AQUISIÇÃO. CONSTITUTO POSSESSÓRIO. MANEJO DE AÇÕES POSSESSÓRIAS. POSSIBILIDADE. (...) 6. O adquirente de imóvel que não o ocupa por um mês após a lavratura da escritura, com cláusula de transmissão expressa da posse, considera-se, ainda assim, possuidor, porquanto o imóvel encontra-se em situação compatível com sua destinação econômica. É natural que o novo proprietário tenha tempo para decidir a destinação que dará ao imóvel, seja reformando-o, seja planejando sua mudança. 7. Se na escritura pública inseriu-se cláusula estabelecendo constituto possessório, é possível ao adquirente manejar ações possessórias para defesa de seu direito. 8. Recurso especial conhecido e improvido. (REsp 1158992/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 07/04/2011, DJe 14/04/2011).

O que fazer quando se adquire um bem a partir de um proprietário que não tem posse direta sobre o bem?

A situação é corriqueira envolvendo os imóveis alienados pela CEF em leilões. Nestes casos o adquirente, após conclusão do negócio jurídico com a CAIXA, deve procurar a justiça estadual para ingressar com a competente medida de imissão na posse. Essa ação visa conferir posse a quem nunca a teve.

Veja a jurisprudência do TJ-MT, a respeito da temática:

AGRAVO - AÇÃO DE IMISSÃO DE POSSE - IMÓVEL COMPRADO EM LEILÃO REALIZADO PELA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - IMISSÃO DEFERIDA EM FAVOR DOS AUTORES/ADQUIRENTES - RECURSO DESPROVIDO - DECISÃO MANTIDA. Demonstrado, como no caso em análise, que o imóvel objeto da lide foi adquirido pelos autores da ação de imissão de posse, aqui agravados, em leilão realizado pela Caixa Econômica Federal, possível é o deferimento da imissão por eles vindicada. AI, 127755/2011, DES.GUIOMAR TEODORO BORGES, SEXTA CÂMARA CÍVEL, Data do Julgamento 15/02/2012, Data da publicação no DJE 06/03/2012

   3. União de posses.  

Nos termos dos artigos 1.206 e 1.207, do CC/2002:

Art. 1.206. A posse transmite-se aos herdeiros ou legatários do possuidor com os mesmos caracteres.

Art. 1.207. O sucessor universal continua de direito a posse do seu antecessor; e ao sucessor singular é facultado unir sua posse à do antecessor, para os efeitos legais.

No primeiro dispositivo, temos a transmissão da posse aos herdeiros e legatários[1], sendo frisado pelo código que a alteração subjetiva da posse não muda suas características. Trata-se, portanto, de uma transmissão ex lege (regulada pela lei).

Dessa forma, por exemplo, tratando-se de posse de má-fé, essa característica será igualmente transmitida aos herdeiros, mesmo que o herdeiro não tenha conhecimento dessa circunstância. 

Para o sucessor universal não restam alternativas.

Por se tratar de uma universalidade ou uma parte dessa mesma universalidade (quinhão), a sua posse será, necessariamente, acrescida (somada) à posse do seu antecessor.

O mesmo não sucede com o sucessor a título singular que recebe coisa certa e determinada. 

Para esses casos a lei inseriu no bojo do artigo 1.207 a possibilidade de soma dos tempos de posse, isso a critério do sucessor a título singular. Portanto, o sucessor a título singular está autorizado a somar (unir) sua posse à do seu antecessor para abreviar o tempo para usucapir.    

4. Perda da posse. 

Nos termos do artigo 1.223, do CC/2002:

Art. 1.223. Perde-se a posse quando cessa, embora contra a vontade do possuidor, o poder sobre o bem, ao qual se refere o art. 1.196.

O possuidor mantém o seu status apenas e tão somente quando evidenciado o exercício do poder potestativo sobre o bem (ingerência socioeconômica).

De modo que, de acordo com o conceito de possuidor presente no artigo 1.196, do CC/2002, desnecessário a enumeração legal dos casos de perda da posse.  




[1] Legado: “é a disposição testamentária a título singular pela qual o testador deixa a pessoa estranha ou não à sucessão legítima um ou mais objetos individualizados ou uma certa quantia em dinheiro (MHD, CÓDIGO COMENTADO” pág. 1339.