DIREITOS REAIS X DIREITOS OBRIGACIONAIS [Resenha 01/2013]






RESENHA 01
INTRODUÇÃO

1. Direitos reais X direitos obrigacionais

1.      Conceito de direitos reais: “Complexo de normas que regulamentam as relações dominiais entre a pessoa humana e as coisas apropriáveis” (CARLOS ROBERTO GONÇALVES, Direito das Coisas, 2010, Saraiva, São Paulo, p. 19).

Pergunta: Existe relação jurídica entre pessoas e coisas? Alguns autores afirmam que sim (TARTUCE, MANUAL, pág. 748). No entanto, para responder a esse questionamento, é interessante observar as chamadas teorias justificadoras a respeito do tema. Para a teoria personalista, os direitos reais são relações jurídicas entre pessoas intermediadas por coisas. Portanto, haveria de um lado dessa relação jurídica um sujeito determinado e, do outro lado, a coletividade (também chamado de sujeito passivo universal). Dessa forma, a partir do momento em que há violação ao direito real, surge uma pretensão que, como sabemos, deve ser exercitada em um determinado lapso temporal, sob pena de essa desídia (omissão) gerar uma situação jurídica que irá merecer – por parte do sistema jurídico – uma proteção especial (como ocorre nas ações de usucapião). No outro vértice está a teoria realista ou clássica, que advoga a tese de que os direitos reais constituem, na verdade, um poder que a pessoa exerce sobre a coisa e com eficácia “erga omnes”.

Mas o que vem a ser esse “dever geral de abstenção”? basicamente consiste no dever que todos nós temos de respeitar o direito real alheio. Evoluindo no estudo do tema surgiu a chamada teoria personalista moderna. Para essa corrente doutrinária não há relação jurídica entre pessoas e coisas e, também não há essa relação jurídica entre o titular do direito real (por exemplo, a propriedade), e de outro lado, o sujeito passivo universal (todas as outras pessoas menos o proprietário). Isto porque como eu vou participar de uma suposta relação jurídica, assumindo, portanto, obrigações, se não tenho conhecimento da existência dessa relação jurídica (?). Portanto, para a teoria personalista moderna, há, entre o titular de um direito real e a coisa (objeto), apenas uma situação jurídica e não relação jurídica. A relação jurídica somente surge a partir da violação do direito real quando será, em tese, possível identificar o sujeito passivo. Essa, sem dúvida, é a teoria mais acertada.
  
2.      Diferença entre direitos pessoais e direitos reais; Os direitos reais têm como conteúdo a regulação das relações entre pessoas e coisas. Já o direito obrigacional tem por objetivo a regulação de relações jurídicas entre pessoas, apenas; Os sujeitos, nas relações obrigacionais, são definidos (dois ou mais), ao passo que nos direitos reais trabalha-se, como visto pela teoria personalista (acima), com a noção do sujeito passivo universal (toda a coletividade é atingida pelos direitos reais, pois há o dever geral de respeito imposto a todos).  Nos direitos obrigacionais, o princípio básico regulamentador é o contrato. Nos direitos reais é a publicidade

3.      Principais características dos direitos reais:

a)      Oponibilidade “erga omnes” (Absolutismo);

Como ensina ROSENVALD o absolutismo “é o traço básico no qual a dogmática sempre se apegou para apartar os direitos reais dos direitos obrigacionais, tradicionalmente marcados pela relatividade” (CURSO, pág. 34). Por conta desse princípio o direito real torna-se oponível erga omnes, no qual o seu titular tem a faculdade de persegui-lo contra qualquer pessoa. No entanto o absolutismo tem sido temperado. Não se concebe, por exemplo, os chamados atos emulativos (que visam, a partir do exercício normal do direito de propriedade, causar deliberadamente danos a terceiros). De igual modo, está em voga o chamado princípio da função social da propriedade (CT/88, art. 5 XXIII), basta lembrar, para isso, a tensão entre o direito de exploração da propriedade e a necessidade de cumprimento da legislação ambiental.  

b)     Direito de seqüela;

O direito de seqüela decorre exatamente da característica anteriormente apontada (erga omnes). Significa dizer que os direito reais aderem à coisa. Para ROSENVALD o “atributo da seqüela é a mais eloqüente manifestação da evidente situação de submissão do bem ao titular do direito real. Pelo fato de não existir relação jurídica entre a pessoa e coisa, porém entre pessoas, todos os bens se encontram em estado de pertinência ao exercício dos poderes pelos seus titulares. A seqüela decorre do absolutismo dos direitos reais, pois se posso exigir de todos um direito de abstenção, nada impede de retirar o bem do poder daquele que viola tal comando” (CURSO, pág. 38). 

c)      Rol taxativo;

Os direitos reais devem estar previstos em lei. O principal rol dos direitos reais está presente no art. 1.225, do CC/2002. Na esteira da lição de MHD, “[o]s direitos reais não podem ser objeto de livre convenção das partes, que não podem, por si mesmas, criá-los, por estarem vinculados aos tipos jurídicos que a norma jurídica colocou à sua disposição” (Código Comentado, pág. 841). Essa limitação não é visualizada nos direitos obrigacionais onde impera a autonomia privada, inclusive quanto a elaboração de “novos tipos” obrigacionais. Veja-se, por exemplo, o conteúdo do artigo 425 do CC/2002: “Art. 425. É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste código”. Interessante observar, contudo, que essa liberdade de criação contratual não é absoluta. Eis que o mesmo CC/2002, determina, no bojo parágrafo único do artigo 2.035, que “Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos”. 

d)     Possibilidade de abandono (renúncia);

Os direitos reais podem ser abandonados pelos seus titulares. A possibilidade de perda da propriedade (principal direito real), representa uma exceção à perpetuidade dos direitos reais. Assim, a omissão do titular do domínio em exercer ativamente os direitos inerentes à propriedade poderá ser a causa de sua extinção. Nosso Código Civil presume que a ausência de pagamento de impostos incidentes sobre o imóvel pode configurar hipótese de abandono, vejamos:

Art. 1.276. (....)
§ 2.º Presumir-se-á de modo absoluto a intenção a que se refere este artigo, quando, cessados os atos de posse, deixar o proprietário de satisfazer os ônus fiscais.

e)      Incorporação da coisa por meio da posse;

A propriedade, direito real por excelência, pode ser adquirida via usucapião em alguma de suas várias modalidades. 

f)       Regência pelo princípio da publicidade;

Por força desse verdadeiro princípio, os direitos reais devem ser constituídos e/ou transmitidos com a mais ampla e notória publicidade, o que se alcança, no caso dos imóveis, por meio da transcrição do título no CRI (Cartório de Registro de Imóveis), nos termos da lei 6.015/1973. No caso de bens móveis, conquanto em alguns casos a lei possa exigir a transferência em algum determinando órgão como por exemplo, o DETRAN, a transferência pode se dar também, via posse pública e tradição.  

g)      Direito de preferência;

Essa característica assegura ao titular de um direito real de garantia, o privilégio de obter o pagamento do débito com o valor obtido com bem constrito. Dessa forma, há maior segurança para o credor titular de um direito real de garantia (ex. hipoteca), pois no caso de concurso de credores o bem objeto da garantia será excluído da execução coletiva para servir – primeiramente – à satisfação do credor. Assim, caso o valor do bem supere o débito em garantia, o restante poderá ser aplicado para pagamento dos demais credores, observadas as suas respectivas preferências. O direito real de garantia, portanto, prevalece sobre os créditos não preferenciais, sendo uma de decorrência do direito de seqüela, que, por sua vez, é uma decorrência do direito do absolutismo. Mas é importante dizer que essa preferência não é absoluta, vez que a própria lei poderá, a depender da importância social do crédito e a partir de uma opção política, afastá-la. É o que ocorre nos casos das preferências legais. O próprio artigo 1.422, do CC/2002, excepciona a regra geral da preferência, permitindo que “outras leis” afastem a prevalência dos direitos reais de garantia.