[DIREITOS REAIS] Posse: Efeitos da posse





RESENHA 06
EFEITOS DA POSSE

1.     Direito aos frutos;

Nos termos do artigo 1.214, do CC/2002:

Art. 1.214. O possuidor de boa-fé tem direito, enquanto ela durar, aos frutos percebidos. Parágrafo único. Os frutos pendentes ao tempo em que cessar a boa-fé devem ser restituídos, depois de deduzidas as despesas da produção e custeio; devem ser também restituídos os frutos colhidos com antecipação.

A princípio, mister trazer à apreciação o conceito de fruto para o direito civil e, somente  após, analisarmos a questão relativa à boa ou má-fé.

Frutos são as utilidades econômicas que a coisa periodicamente produz, sem alteração ou perda de sua substância. Assim, frutos não se confundem com produtos, pois produto não se produz e reproduz.

Há, basicamente, três categorias de frutos:

a)     Frutos naturais – são aqueles provenientes diretamente da coisa seja por força orgânica ou com a concorrência da força do homem, tal como o resultado da colheita nas lavouras;

b)     Frutos industriais – são aqueles que decorrem exclusivamente da atuação e do engenho humano (ex. produção de uma fábrica);

c)      Frutos civis – são as rendas periódicas provenientes da concessão do uso e gozo da coisa (ex. aluguéis, arrendamentos, juros remuneratórios, etc.)

Normalmente, os frutos pertencem ao proprietário do bem contemporâneo ao tempo em que foram colhidos. No entanto, o direito civil, em verdadeira relativização do direito de seqüela, atribui ao possuidor de boa-fé o direito aos frutos em determinadas circunstâncias. Assim, enquanto estiver de boa-fé, o possuidor terá direito aos frutos.

A este respeito MHD referenda que a lei “está amparando o interesse do possuidor de boa-fé, por ser mais próximo do interesse social, já que na persuasão de ser sua a coisa a explorou dando-lhe o destino econômico a que estava afetada. Por conseguinte, o possuidor de boa-fé não terá o dever de devolver os frutos colhidos durante o tempo em que desfrutou do bem” (CÓDIGO CIVIL COMENTADO, pág. 833).

No mesmo sentido a jurisprudência do TJ-RS:

AÇÃO INDENIZATÓRIA. FRUTOS PENDENTES. BOA FÉ. ART. 1.214 DO CC. Estando o réu na posse de área de terras de boa fé, a ele pertencem os frutos oriundos da terra. Art. 1.214. O possuidor de boa-fé tem direito, enquanto ela durar, aos frutos percebidos. Apelação improvida. (Apelação Cível Nº 70040757114, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Guinther Spode, Julgado em 06/12/2011)

Qual o alcance da expressão “frutos percebidos”? O termo frutos percebidos abrange, igualmente, os produtos percebidos, bem como também os rendimentos já recebidos.
Cessada a boa-fé, o possuidor deverá proceder à entrega ou, conforme diz a lei, a “devolução” dos frutos pendentes, ou seja, aqueles ainda não colhidos e que por isso mesmo integram o bem.

Vale lembrar que é importante delimitar – temporalmente – o momento exato da cessação da boa-fé. Neste contexto, há certo consenso doutrinário no sentido de que o momento da cessão da boa-fé se dá com a citação na ação proposta pelo retomante do bem, seja uma ação de reintegração da posse ou mesmo uma ação reivindicatória. Neste sentido, vejamos uma decisão interessante do TJ-SP: 

CULTIVO DE CANA DE AÇÚCAR E OUTRAS CULTURAS - POSSE NO IMÓVEL POR COMODATO, PERDIDA POR AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE - DIREITO AOS FRUTOS. INADMISSIBILIDADE. O mandado de reintegração contra o autor somente foi cumprido depois de três meses de sua expedição, sendo que de há muito tinha o apelante ciência do vício que maculava sua posse - Entre a data da expedição do mandado e o seu cumprimento o apelante teve tempo mais do que suficiente para a colheita dos frutos porventura ainda pendentes. Assim, caracterizada a posse de má-fé do apelante, ciente há muito tempo da ordem de devolução do imóvel, fica sem o direito de perceber os frutos pendentes e as benfeitorias úteis introduzidas no imóvel - Recurso Improvido. APL 992050953647 SP, 2010

Conforme visto pelo artigo 1.214, do CC/2002, o possuidor de boa-fé tem direito aos custos relativos à produção e custeio. Logicamente, essa é uma regra geral do sistema que busca impedir o enriquecimento sem causa (884, CC/2002). Portanto, se o possuidor teve despesas com sementes, mão-de-obra, mudas, adubo etc. deve ser integralmente ressarcido.
De igual modo, os frutos colhidos por antecipação, ou seja, após a ciência da situação de posse de má-fé, que a Lei chama de “frutos colhidos por antecipação”, devem ser restituídos. Essa situação evidencia, de acordo com a lei, uma conduta em sentido inverso à boa-fé, pois os frutos, em geral, devem ser colhidos nas épocas oportunas.    
Ainda permeia o tema dos frutos os artigos 1.215 e 1.216, do CC/2002:

Art. 1.215. Os frutos naturais e industriais reputam-se colhidos e percebidos, logo que são separados; os civis reputam-se percebidos dia por dia.

Art. 1.216. O possuidor de má-fé responde por todos os frutos colhidos e percebidos, bem como pelos que, por culpa sua, deixou de perceber, desde o momento em que se constituiu de má-fé; tem direito às despesas da produção e custeio.

Essa indenização decorrerá, logicamente, de uma sentença judicial desde que não haja acordo amigável para o devido ressarcimento. Deve ser alertado que o conceito de “culpa” mencionado no artigo 1.216 vai muito além das hipóteses clássicas de comportamentos culposos, quais sejam a negligência, imprudência e imperícia.

Aqui se incluem as noções de culpa grave e dolo, pois pouco importa a modalidade de “culpa” em que incidiu o possuidor que deixou de perceber. O que existe é a intenção clara do sistema em punir o possuidor de má-fé.

2.     Responsabilidade civil do possuidor;

2.1. Responsabilidade do possuidor de boa-fé

Como regra geral, o sistema do CC/2002 estabeleceu que o possuidor de boa-fé somente será responsabilizado se der “causa” ao evento danoso envolvendo a coisa objeto da discussão. 

Vejamos o artigo central a respeito dessa temática:

Art. 1.217. O possuidor de boa-fé não responde pela perda ou deterioração da coisa, a que não der causa.

Assim, pode-se afirmar que o código, nesse particular, adotou o modelo de responsabilidade subjetiva, razão pela qual o lesado deverá comprovar o dano, a culpa ou dolo e o nexo causal. Caso contrário, o pedido certamente perecerá.

2.2. Responsabilidade do possuidor de má-fé

No que tange ao possuidor de má-fé, o tratamento do código foi mais áspero, vejamos:

Art. 1.218. O possuidor de má-fé responde pela perda, ou deterioração da coisa, ainda que acidentais, salvo se provar que de igual modo se teriam dado, estando ela na posse do reivindicante.

A este respeito, a doutrina tem argumentado, inclusive, a adoção da responsabilidade fundada no risco integral, pois menciona o dever indenizatório ainda que acidental, afastando, por exemplo, a alegação das excludentes do artigo 393, igualmente do CC/2002.

O professor ROSENVALD fez questão de ressaltar que “o legislador criou uma verdadeira hipótese de responsabilidade objetiva pelo risco integral (ou responsabilidade objetiva agravada), na qual o real titular do bem não precisará provar a culpa do possuidor de má-fé, nem este poderá ilidir o dever de reparar por eventos externos à sua atuação, como o fortuito externo e o fato de terceiro” (CURSO, pág. 176).

Na verdade, o que temos aqui é uma nítida expressão do princípio da boa-fé, diretriz geral do nosso código civil. Aliás, essa é a orientação geral no direito das obrigações “Art. 399. O devedor em mora responde pela impossibilidade da prestação, embora essa impossibilidade resulte de caso fortuito ou de força maior, se estes ocorrerem durante o atraso; salvo se provar isenção de culpa, ou que o dano sobreviria ainda quando a obrigação fosse oportunamente desempenhada”.

Discorrendo sobre a teoria do risco integral, o eminente civilista SERGIO CAVALIERI FILHO obtempera que se trata de “uma modalidade extremada da doutrina do risco destinada a justificar o dever de indenizar até nos casos de inexistência do nexo causal. Mesmo na responsabilidade objetiva, conforme já enfatizado, embora dispensável o elemento culpa, a relação de causalidade é indispensável” (PROGRAMA DE RESPONSABILIDADE CIVIL, pág. 144).

3.     Direito às benfeitorias;

Ao tratar dos bens reciprocamente considerados, o CC/2002, disciplina o seguinte:

Art. 96. As benfeitorias podem ser voluptuárias, úteis ou necessárias.
§ 1o São voluptuárias as de mero deleite ou recreio, que não aumentam o uso habitual do bem, ainda que o tornem mais agradável ou sejam de elevado valor.
§ 2o São úteis as que aumentam ou facilitam o uso do bem.
§ 3o São necessárias as que têm por fim conservar o bem ou evitar que se deteriore.

No que se refere à posse esse tema é igualmente relevante. Isso porque o CC/2002 traz os efeitos da posse sobre as benfeitorias, a começar pelo disposto no artigo 1.219, do CC/2002, vejamos:

Art. 1.219. O possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa, e poderá exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis.

Quanto às benfeitorias necessárias e úteis, exatamente em razão das suas características, devem ser indenizadas ao possuidor de boa-fé que vier a perder a posse sobre o bem. Respeitante as voluptuárias a lei confere a possibilidade de levantá-las se não houver intenção do retomante de indenizá-las.

Porém, como adverte ROSENVALD “se o retomante espontaneamente se recusar a efetuar o pagamento destas benfeitorias, nascerá para o possuidor de boa-fé a faculdade de efetuar o seu levantamento, mesmo que este procedimento em tese possa danificar a coisa. Imprescindível, em tais casos, será a reparação pelo possuidor – in natura ou em pecúnia – dos danos derivados do levantamento das benfeitorias” (CURSO, pág. 180).

Em que momento deve ser constatada a boa-fé para efeito de ressarcimento das benfeitorias?
De acordo com a jurisprudência do TJ-MT, para efeito de ressarcimento das benfeitorias, o possuidor deve estar de boa-fé no momento de sua edificação, ou seja, no momento da realização da benfeitoria, vejamos uma decisão neste sentido:

IMISSÃO NA POSSE - CONTRATO DE GAVETA - RETENÇÃO DE BENFEITORIA - BOA-FÉ CONFIGURADA - ART. 1201, CC - DESCONHECIMENTO DO VÍCIO - CIRCUNSTÂNCIA DO ART. 1202, CC - NÃO CARACTERIZAÇÃO - MOMENTO DA REALIZAÇÃO DA BENFEITORIA - FUNDAMENTO DA INDENIZAÇÃO - PROTEÇÃO DO POSSUIDOR DE BOA-FÉ. Segundo a regra do art. 1.201 do CC, restando demonstrado que o possuidor desconhecia o vício do imóvel no momento da realização da benfeitoria, tem-se como de boa-fé a sua posse. Não tendo o autor provado a má-fé do possuidor, e tendo esse justo título (contrato de compra e venda), presume-se de boa-fé, segundo o ditame do art. 1.201 do CC. O momento da análise da boa-fé deve ser o instante da realização da benfeitoria, o que gera a exclusão do art. 1.202 do CC. Mesmo que o novo proprietário tenha pago valor muito maior pelo imóvel, fato que descaracterizaria o enriquecimento ilícito, a norma autorizadora da indenização por benfeitoria, tem a teleologia não apenas de evitar o enriquecimento ilícito, mas principalmente de proteger o possuidor de boa-fé e punir aquele de má-fé.  Ap, 61556/2010, DES.CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA, QUINTA CÂMARA CÍVEL, Data do Julgamento 25/08/2010, Data da publicação no DJE 03/09/2010

3.1.            Direito de retenção

O possuidor poderá, ainda, exercer o chamado direito de retenção que nada mais é do que “um meio de defesa outorgado ao credor, a quem é reconhecida a faculdade de continuar a deter a coisa alheia, mantendo-a em seu poder até ser indenizado pelo crédito que se origina, via de regra, das benfeitorias ou acessões por ele feitas” (CARLOS ROBERTO GONLAVES, pág. 217).
O direito de retenção deve ser exercitado processualmente. Assim, caso o retomante ajuíze uma ação de reintegração de posse, deverá o atual possuidor, na contestação, argüir essa defesa (direito de retenção), sob pena de preclusão[1]. Se, tratando-se de coisa móvel, houver uma demanda executiva para entrega de coisa certa o possuidor de boa-fé poderá ofertar os chamados embargos de retenção por benfeitorias com fundamento no artigo 475, IV, do Código de Processo Civil. 

Caso não exercitado o direito de retenção o possuidor perde a possibilidade de ressarcimento? Não! Há possibilidade de ajuizamento de ação autônoma para o recebimento. Mas, certamente, o exercício do direito em apreço, tornará mais efetiva possibilidade de ressarcimento pelas obras.

Prosseguindo, o CC/2002, em seu artigo 1.220 disciplina que:

Art. 1.220. Ao possuidor de má-fé serão ressarcidas somente as benfeitorias necessárias; não lhe assiste o direito de retenção pela importância destas, nem o de levantar as voluptuárias.

O CC/2002, pelo que se vê, mantém a aspereza no trato com o possuidor de má-fé, sendo-lhe garantido apenas o ressarcimento das benfeitorias necessárias. Aliás, o sistema também não lhe confere a possibilidade de retenção por essas benfeitorias.
A posse ainda exerce efeitos em relação: a) Ao direito ao uso das ações possessórias; e, b) direito à usucapião, que serão estudados oportunamente. 




NOTAS: [1] RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL - EMBARGOS DE RETENÇÃO - ARRENDAMENTO RURAL - AÇÃO DE DESPEJO - NATUREZA EXECUTIVA LATO SENSU - RETENÇÃO DE BENFEITORIAS - MOMENTO APROPRIADO - CONTESTAÇÃO - RECURSO IMPROVIDO - SENTENÇA MANTIDA POR OUTROS FUNDAMENTOS. O pleito de retenção de benfeitorias deve ser formulado pelo interessado na própria contestação da ação de despejo, oriunda de arrendamento rural, devido ao caráter de ação executiva lato sensu dessa espécie de demanda, sob pena de preclusão; sendo inviável tal discussão em sede de embargos de retenção. Ap, 15912/2009, DES. JURANDIR FLORÊNCIO DE CASTILHO, PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL, Data do Julgamento 03/08/2009, Data da publicação no DJE 13/08/2009