ACÓRDÃO 01 - USUCAPIÃO DE BEM MÓVEL (VEÍCULO)


EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - USUCAPIÃO DE BEM MÓVEL - VEÍCULO - ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA - REQUISITOS - AUSÊNCIA DO 'ANIMUS DOMINI' - Para o reconhecimento da usucapião de bem móvel, exige a lei (art. 619 do Código Civil) a posse efetiva, independente de boa-fé, por lapso não inferior a cinco anos, além da prova de que o efetivo exercício da posse ocorreu sempre com "animus domini", único elemento de qualificação da posse mansa e pacífica. Recurso improvido.APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0525.10.005756-7/001 - COMARCA DE POUSO ALEGRE - APELANTE(S): VALNEI FERNANDES - APELADO(A)(S): ALESSANDRA ALVES DE SOUZA REPDO(A) P/CURADOR(A) ESPECIAL MARÍLIA DA SILVA MACEDO, BANCO PANAMERICANO S/A - INTERESSADO: ESTADO DE MINAS GERAIS A C Ó R D Ã O Vistos etc., acorda, em Turma, a 12ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO. DES. DOMINGOS COELHO RELATOR. DES. DOMINGOS COELHO (RELATOR) V O T O Trata-se de Apelação Cível intentada por VALNEI FERNANDES em face da sentença de fls. 195-198 que julgou improcedente o pedido constante da ação de Usucapião de bem móvel intentada em desfavor de ALESSANDRA ALVES DE SOUZA. Em suas razões de inconformismo, aduz o Apelante que é insubsistente a alienação fiduciária pois inexigíveis as parcelas referentes ao contrato que estão fulminadas pela prescrição, com fulcro no art. 206, § 5º do Código Civil. Assevera que não existe prova nos autos do registro do contrato de alienação fiduciária, não valendo, portanto, contra terceiros, conforme dispõe o art. 1º, § 1º do Decreto lei n. 911/69. Informa que esta na posse do bem desde abril de 2005 e nunca o banco-credor propôs qualquer ação para reaver o bem ou cobrar a dívida. Assim, se sua posse foi ou era clandestina, deixou de ser. Contrarrazões, às fls. 213-217. Recurso próprio e tempestivo. Ausente o preparo por estar a parte amparada pelos benefícios da assistência judiciária. Presentes os requisitos de admissibilidade e ausentes preliminares a serem analisadas, passo ao exame do mérito. É cediço que para a caracterização do usucapião é mister que concorram alguns requisitos. O usucapião é um dos modos de aquisição da propriedade, através do qual o possuidor se torna proprietário do bem, sendo indispensável, para que se opere, a verificação de alguns requisitos quais sejam, a capacidade e qualidade do adquirente, razão pela qual não corre a prescrição entre ascendentes e descendentes; a posse, que deve ser mansa, pacífica e exercida com animus domini, devendo ser provada na fase instrutória da lide; e o lapso de tempo. Em se tratando de bens móveis, dispõe o art. 1.260 do Código Civil: "Aquele que possuir coisa móvel como sua, contínua e incontestadamente durante três anos, com justo título e boa fé, adquirir-lhe-à a propriedade. Prescreve o artigo 1.261: "Se a posse de coisa móvel se prolongar por cinco anos, produzirá usucapião independentemente de título e boa-fé". Pois bem. Conforme bem argumentado pelo d. Juízo de primeiro grau no decisum vergastado, o autor não provou a existência de um dos elementos necessários à configuração da usucapião, posto que, da análise dos autos, mormente do documento de f. 06, juntado por ele mesmo, resta claro que a posse sobre o veículo não foi exercida com animus domini. Ora, não se olvide acerca das aplicações dos ditames constantes do art. 1.261 do antigo Código Civil, contudo, é de se ressaltar que a posse por mais de cinco anos do bem que se pretende usucapir, não prescinde do preenchimento dos demais requisitos indispensáveis para a aquisição do domínio. Conforme se vê, o Autor tinha plena ciência da existência do contrato de alienação fiduciária firmado para a aquisição do veículo objeto da lide, pelo próprio gravame existente no CRLV do automóvel. Ora, o animus dominus deve ser analisado a partir da causa possessionis, ou seja, a partir do momento em que o possuidor age como se o bem fosse seu, extraindo algumas das faculdades inerentes ao domínio. Na lição de Orlando Gomes: "Embora se conceda a posse àquele que, por força de obrigação ou direito, detém temporariamente a coisa, alguns há que se encontram nessa situação e, sem embargo disso, não são considerados possuidores. Tais os que estão em situação de dependência para com outrem. Entende-se que, nesses casos, os que detêm a coisa conservam a posse em nome dos que a entregaram. São, portanto, detentores, RAZÃO PORQUE NÃO LHES ASSISTE O DIREITO DE INVOCAR A PROTEÇÃO POSSESSÓRIA. (...) O direito alemão qualifica os detentores, expressamente, como servidores da posse. Pertencem, sem dúvida, a uma categoria especial. (...) Os servidores da posse são todos aqueles que estão unidos a um possuidor por um vínculo de subordinação, oriundo de relação de direito privado, como de direito público, pouco importando, como ensina o mesmo Wolff, que exerçam o poder sobre a coisa por si sós ou ao lado do dono, por obrigação ou por cortesia, ostensivamente ou não, em nome do proprietário ou, mesmo, se a coisa lhes pertence"("in" "Direitos Reais" - Tomo 1º; 3ª ed., São Paulo: Forense, 1969, p. 40,). Assim, independente da qualidade da posse exercida se de boa ou má-fé, entendo que não restou caracterizado o animus domini necessário para a aquisição da propriedade do veículo, posto que o Autor não a exercia com ânimo de dono. Para Humberto Theodoro Júnior ("in" Da Prescrição Aquisitiva, 3ª ed., nº 22, pág. 121). "Ensina LENINE NEQUETE, fiel ao texto de nosso direito positivo e às tradições de nossa doutrina que "primeira condição para que a posse conduza ao usucapião é que tenha sido exercida 'animu domini', isto é, a título do proprietário da coisa ou do direito cuja aquisição se pretende: não basta a posse 'ad interdicta', se ao possuidor falta aquele ânimo". Logo, deve-se proceder a uma aplicação sistemática da regra geral que trata da usucapião, com aquela disposta no art. 1.208, do Código Civil, que delineiam os exatos lindes para o reconhecimento do direito à posse. Neste sentido, quando o bem garante da dívida é transferido a terceiro pelo devedor fiduciante, sem consentimento do credor fiduciário, tal ato deve ser considerado de natureza clandestina, incapaz de induzir em aquisição por usucapião, a teor do disposto no art. 1.208 do Código Civil. Tal interpretação implica na maior garantia do sistema constitucional, que estabelece a eficácia horizontal dos diretos fundamentais e densidade do direito de propriedade em detrimento da mera aquisição de um bem pelo decurso do tempo. O STJ, no julgamento do REsp. n. 881.270-RS, o qual teve por Relator o Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 02/03/2010, decidiu que a posse de bem por contrato de alienação fiduciária em garantia não é passível de ser usucapido pelo adquirente ou pelo cessionário deste, pois a posse pertence ao credor fiduciário que, no ato do financiamento, adquire a propriedade do bem até que o financiamento seja pago. Segundo o relator, com a decisão pacificada pelas duas turmas de Direito Privado do STJ, o Judiciário fecha as portas para o uso indiscriminado do instituto do usucapião: "A prosperar a pretensão deduzida nos autos - e aqui não se está a cogitar de má-fé no caso concreto -, abrir-se-ia uma porta larga para se engendrar ardis de toda sorte, tudo com o escopo de se furtar o devedor a pagar a dívida antes contraída. Bastaria a utilização de um intermediário para a compra do veículo e a simulação de uma "transferência" a terceiro com paradeiro até então "desconhecido", para se requerer, escoado o prazo legal, o usucapião do bem". (Fonte: Informativo STJ n. 425, em 05/03/2010). Em seu voto, o Min. Luis Felipe Salomão reiterou que como nos contratos com alienação fiduciária em garantia o desdobramento da posse e a possibilidade de busca e apreensão do bem são inerentes ao próprio contrato, a transferência da posse direta a terceiros deve ser precedida de autorização porque modifica a essência do contrato, bem como a garantia do credor fiduciário. Nesse contexto, também não procede a alegação do Apelante de que uma vez prescrito o direito do credor fiduciário para intentar a ação de Busca e Apreensão, vez que decorridos cinco anos da aquisição do veículo pela apelada, possível o reconhecimento da posse usucapionem. Isto porque, como é obvio, o prazo prescricional referir-se-ia tão somente a possibilidade de ajuizamento da ação de Busca e Apreensão pela instituição bancária, não tendo jamais o condão de tornar lícita a atitude do apelante e nem tampouco legitimar a posse sobre o bem em questão. Lado outro, também não prospera a alegação de aplicação do art. 1º, parágrafo primeiro do Dec. Lei n. 911/69. A uma porque, revogado o aludido artigo pela lei n. 10.931/04; a duas, porque em se tratando de veículos, a propriedade fiduciária constitui-se com o registro na repartição competente para o licenciamento, fazendo-se a anotação no certificado do veículo. Sendo assim, constando no Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo de fls. 06 a restrição em comento, válida é clausula de alienação contra terceiros, não havendo que se falar, portanto, na boa fé do apelante. Na verdade, o que se pode entrever dos documentos colacionados, é a total ausência de fundamentação contida na presente ação, sendo a mesma absolutamente vazia, não se dignando o autor a comprovar os fatos constitutivos do seu direito. Destarte, em razão do exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso para manter in totum, pelos seus próprios e jurídicos fundamentos, a bem lançada decisão de primeiro grau. Custas recursais pelo Apelante. Suspensas por força do art. 12 da Lei n. 1060/50. DES. JOSÉ FLÁVIO DE ALMEIDA (REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a). DES. NILO LACERDA - De acordo com o(a) Relator(a). SÚMULA: "NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO."