POSSE [Resenha 02 - 2013/2]


  RESENHA 02
POSSE 
1. Conceito: “Uma situação de fato, em que uma pessoa, que pode ou não ser proprietária, exerce sobre uma coisa atos e poderes ostensivos, conservando-a e defendendo-a, exercitando sobre ela ingerência socioeconômica”.
O Conceito legal de posse é indiretamente fornecido pelo artigo 1.196, CC/2002 que deve ser cumulado com 1.228, CC/2002. Art. 1.196.
Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.
Art. 1.198. Considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas. Parágrafo único. Aquele que começou a comportar-se do modo como prescreve este artigo, em relação ao bem e à outra pessoa, presume-se detentor, até que prove o contrário.
De acordo com o Enunciado 236 do CJF “Arts. 1.196, 1.205 e 1.212: Considera-se possuidor, para todos os efeitos legais, também a coletividade desprovida de personalidade jurídica”.
2. Teorias que tentam explicar a posse
Historicamente dois autores tentaram explicar o fenômeno jurídico da posse:
• SAVIGNY: (1.803), a posse está retratada quando reunidos os seguintes pressupostos: “Corpus” + Animus Domini (teoria subjetiva), exatamente porque requer a presença do elemento subjetivo, ou seja, a vontade. O elemento “corpus”, presente nessa teoria, não significa a coisa em si (materialmente considerada). De igual modo, não quer dizer contato físico direto e permanente do possuidor com a coisa, mas simples possibilidade de exercer esse contato, tendo sempre a coisa a sua disposição. Assim, para a configuração da posse, segundo essa teoria (subjetiva), há necessidade do preenchimento dos seguintes requisitos: 1) disponibilidade da coisa; 2) possibilidade de submetê-la ao seu poder físico; 3)Excluir toda a intervenção estranha. O elemento “animus” é a intenção de ter a coisa como proprietário, ou de ter a coisa para si. Não se trata da convicção de ser dono, mas de vontade de ter a coisa como sua. Segundo SAVIGNY, a falta desse elemento interior ou psíquico leva à simples detenção e não a posse, daí a razão da teoria se chamar subjetiva. Conclui-se, ainda, que “a teoria subjetiva não permite o desdobramento da posse em posse direta e indireta, tendo em vista que, com o desdobramento, estar-se-ia considerando possuidor alguém que não teria apossibilidade de estabelecer o contato direto com a coisa quando bem lhe entendesse. A noção de posse como poder de fato sobre a coisa é incompatível com a bipartição da posse em graus, pois se não há o poder de fato não haveria posse” .
• IHERING: (1.818) Para esse Autor, a posse estará configurada se comprovado – tão somente – o poder exercido sobre o bem, sem qualquer investigação a respeito do elemento subjetivo (teoria objetiva). Assim, para IHERING, “sempre que houver o exercício dos poderes de fato, inerentes à propriedade, existe posse, a não ser que alguma norma diga que esse exercício configura a detenção e não a posse” CARLOS ROBERTO GONÇALVES (Curso pág. 60).
Por isso que o conceito de posse deve ser extraído da análise conjunta dos artigos 1.196 e 1.198, ambos do CC/2002, pois o primeiro diz ser possuidor todo aquele que tem o exercício de algum dos poderes inerentes à propriedade, ao passo que o segundo indica os elementos caracterizadores da detenção que é uma conduta que muito se assemelha à posse, mas é diferente na essência e nos efeitos.
Interessante observar que o parágrafo único do artigo 1.198, tem a seguinte redação: “Aquele que começou a comportar-se do modo como prescreve este artigo, em relação ao bem e à outra pessoa, presume-se detentor, até que prove o contrário”.
Assim, em tese, é possível que um detentor se transfigure em possuidor. Porém, para que isso se torne factível, é necessário demonstrar que deixou – licitamente – de conservar a posse em nome de outrem e de cumprir suas ordens e instruções.
A natureza dessa causa se lícita ou ilícita, é o que vai determinar se o possuidor (anterior fâmulo da posse) será considerado “possuidor justo” ou “possuidor precário”. A teoria de IHERING influenciou nosso ordenamento, tanto o CC/1916, como o CC/2002.
PERGUNTA: Qual a Natureza Jurídica da Posse? Trata-se de um direito de natureza real ou obrigacional? Primeiramente é preciso ressaltar que a posse é um direito subjetivo. Para IHERING a posse seria um direito subjetivo real, pois contém seus três elementos estruturais: a) a coisa como objeto; b) sujeição do objeto ao seu titular; c) eficácia erga omnes; Para outros a posse é um direito subjetivo obrigacional, pois não teria sido arrolada no art. 1.225, do CC. Está arrolada antes do art. 1.225 (topologia do CC/2002), rol taxativo dos direitos reais. A posse não é registrável como os direitos reais. Assim, não possui a mesma publicidade, o que faria com que a posse não tivesse o caráter erga omnes típico dos direitos reais.
Para ROSENVALD, no entanto, não é necessário reconhecer e individualizar a natureza jurídica da posse, a qual pode se manifestar de maneira plural, da seguinte forma: a) Como direito real, quando exercida pelo próprio proprietário; b) Pode ser vista como direito real ou obrigacional, dependendo da relação jurídica que vincula o possuidor (Ex. se usufruto, posse como direito real; se locação, arrendamento, posse como direito obrigacional), portanto, a NJ da posse vai depender da NJ do negócio subjacente. c) Posse como direito autônomo à propriedade: ocorre quando o sujeito se apodera e ocupa determinada coisa. Esse fenômeno emana exclusivamente de uma situação fática e existencial, escapando, portanto, das suas situações anteriores. Posse Natural
3. Vantagem da teoria de IHERING
A grande vantagem da teoria de IHERING é não se exigir a prova do animus; e, ainda, permitir o desdobramento da posse (posses paralelas).
3.1. Desdobramento da posse (posses paralelas). O desdobramento da posse é possível a partir de um direito real ou obrigacional (Ex.: locação, usufruto, arrendamento). O locatário, usufrutuário ou arrendatário tem direito aos efeitos possessórios.  posse direta (locatário, usufrutuário, arrendatário, etc):  posse indireta (locador, nu-proprietário, arrendante, etc): • cabe proteção possessória entre o possuidor direto e indireto!
4. Detentor
O detentor ocupa o bem sob uma subordinação. Assim, não lhe são assegurados os direitos e vantagens relativos à posse, como por exemplo, as ações possessórias. O detentor da posse também é chamado de fâmulo da posse (servidor ou serviçal da posse).
Art. 1.198. Considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas.
• Não é necessária relação formal de emprego para configurar a dependência;
• O fâmulo da posse pode exercer a autotutela do bem? Sim, é da essência do instituto, mas pela literalidade do art. 1.210, §º, não, pois a lei menciona que apenas o “possuidor” poderá “manter-se ou restituir-se por sua própria força”, sendo que o detentor não é considerado possuidor;
• Para a teoria de IHERING será detentor aquele que a lei determinar. A detenção é a posse juridicamente desqualificada.
BENS PÚBLICOS: No caso de ocupação de bens públicos haverá, em regra, mera detenção. Bens públicos são insuscetíveis de aquisição via ação possessória (Art. 102, CC/2002). Todavia, a doutrina entende que os bens dominicais (apenas estes) podem ser possuídos, embora sejam insuscetíveis de usucapião.
Se alguém ocupa, por exemplo, uma praça pública o Poder Público poderá retomá-la, pois se trata de bem de uso comum do povo. Aliás, o Poder Público poderá fazê-lo, independentemente de acionar o judiciário, pois os atos administrativos são dotados do atributo da auto-executoriedade . Portanto, em relação aos bens dominicais, de acordo com a doutrina, há possibilidade de gerar direitos possessórios.
Trata-se de posse “ad interdicta” (pode ser defendida pelos interditos possessórios, porém não gera direito à usucapião). Assim, o proprietário (Poder Público) deverá valer-se de uma ação petitória para reaver o bem e não uma possessória. Não se trata de “posse usucapionem”, que gera a possibilidade de usucapião, mas apenas “ad interdicta”.
Atos de permissão ou tolerância (1.208, CC):
Art. 1.208. Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade.
• Permissão: ato unilateral expresso.
• Tolerância: Autorização tácita.
Nestes casos não há contrato, no máximo há uma autorização unilateral. ATENÇÃO: Teoria da suppressio: (deriva de supressão = extinção) Assim, a supressio significa a “supressão” de um direito em virtude de uma longa omissão.
Jurisprudência:
CONDOMÍNIO. Área comum. Prescrição. Boa-fé. Área destinada a corredor, que perdeu sua finalidade com a alteração do projeto e veio a ser ocupada com exclusividade por alguns condôminos, com a concordância dos demais. Consolidada a situação há mais de vinte anos sobre área não indispensável à existência do condomínio, é de ser mantido o statu quo. Aplicação do princípio da boa-fé (suppressio). Recurso conhecido e provido. (REsp 214.680/SP, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 10/08/1999, DJ 16/11/1999, p. 214)
“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. PREQUESTIONAMENTO. CONDOMÍNIO. ÁREA COMUM. UTILIZAÇÃO. EXCLUSIVIDADE. CIRCUNSTÂNCIAS CONCRETAS. USO PROLONGADO. AUTORIZAÇÃO DOS CONDÔMINOS. CONDIÇÕES FÍSICAS DE ACESSO. EXPECTATIVA DOS PROPRIETÁRIOS. PRINCÍPIO DA BOAFÉ OBJETIVA. - O recurso especial carece de prequestionamento quando a questão federal suscitada não foi debatida no acórdão recorrido. - Diante das circunstâncias concretas dos autos, nos quais os proprietários de duas unidades condominiais fazem uso exclusivo de área de propriedade comum, que há mais de 30 anos só eram utilizadas pelos moradores de referidas unidades, pois eram os únicos com acesso ao local, estavam autorizados por Assembléia Condominial, tal situação deve ser mantida, por aplicação do princípio da boa-fé objetiva”. (Resp 356821/RJ – Recurso Especial 2001/ 013211-04 – DJ 05.08.2002, p. 334 – Ministra Nancy Andrighi)
5. Composse
A posse exercida simultaneamente por duas ou mais pessoas em um bem indiviso. Composse é diferente de condomínio (conjunto de proprietários). Exemplo: doação conjuntiva de um imóvel que será utilizado por dois donatários.
Art. 1.199. Se duas ou mais pessoas possuírem coisa indivisa, poderá cada uma exercer sobre ela atos possessórios, contanto que não excluam os dos outros compossuidores.
Jurisprudência: Efeito processual interessante da composse:
PROCESSUAL CIVIL. INTERVENÇÃO DO ESTADO NA PROPRIEDADE. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. COMPOSSE. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DA COMPANHEIRA. NECESSIDADE. INTELIGÊNCIA DO ART. 10, § 2º DO CPC. 1. A falta de prequestionamento dos artigos 46, 243 e 245 do CPC impede o conhecimento do recurso especial nos termos da Súmula 282/STF. 2. Em ação de reintegração de posse, existindo a composse, é imprescindível a participação do cônjuge para o processamento válido (art. 10, § 2º, do CPC). Precedente: REsp 76.721/PR, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJU de 30.03.98 3. Impõe-se a anulação do processo ab initio ante a ausência de citação do cônjuge listisconsorte passivo necessário. 4. Rever os fundamentos do acórdão recorrido para acatar a alegação de inexistência de cônjuge, ou o fato de o réu ser o causador da falta de citação, seria necessária a incursão no campo fático-probatório. Óbice da Súmula 7/STJ. 5. Recurso especial conhecido em parte e não provido. (REsp 553.914/PE, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/03/2008, DJe 01/04/2008)