EQUIVALENTES JURISDICIONAIS NO SISTEMA BRASILEIRO (Ler o texto...)

INTRODUÇÃO DOS EQUIVALENTES JURISDICIONAIS 
NO SISTEMA BRASILEIRO


Autor: Cláudio Hedney da Rocha 

A busca por celeridade na resolução de conflitos não é uma preocupação nova por parte da administração do judiciário. Desde a década de setenta observa-se uma nítida inclinação neste sentido. Aliás, nos últimos anos o tema é uma constante nos órgãos de cúpula, passando pelo Supremo Tribunal Federal (STF), Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e, enfim, por todos os operadores do direito.

Inúmeras são as causas do verdadeiro estrangulamento do sistema tradicional de resolução de conflitos. Apenas a título ilustrativo, podemos relacionar o rigor formal dos meios processuais, o déficit de pessoal, principalmente servidores intermediários e magistrados, falta de capacitação, bem como a tão mencionada defasagem orçamentária.

Sobre o tema da morosidade, GRINOVER (2013) registra que:

“A morosidade dos processos, seu custo, a burocratização na gestão dos processos, certa complicação procedimental; a mentalidade do juiz, que nem sempre lança mão dos poderes que os códigos lhe atribuem; a falta de informação e de orientação para os detentores dos interesses em conflito; as deficiências do patrocínio gratuito, tudo leva a obstrução das vias de acesso à justiça e ao distanciamento entre o judiciário e seus usuários. O que não acarreta apenas não apenas o descrédito na magistratura e nos demais operadores do direito, mas tem como preocupante consequência a de incentivar a litigiosidade latente, que frequentemente explode em conflitos sociais, ou de buscar vias alternativas violentas ou de qualquer modo inadequadas”[1].

Todos esses fatores contribuem para uma insatisfação generalizada na instituição judicial. Outro fator importante e que contribui sensivelmente para a lentidão do sistema judicial é o fenômeno da judicialização dos aspectos mais comuns da vida cotidiana[2]. A sociedade passou a considerar a jurisdição, enquanto poder estatal atribuído a uma determinada autoridade de aplicar a norma em uma hipótese conflituosa, como a via principal na busca por uma definição jurídica.

Com efeito, aquilo que deveria ser uma exceção passou a ser regra. Tradicionalmente, no entanto, o dever primário de resolução de conflitos, segundo aponta CHIOVENDA (2000, p. 17), deveria ser das próprias partes envolvidas no litígio, por meio da negociação. A intervenção judicial deveria ter uma atuação secundária[3], ou seja, uma espécie de ultima ratio.

Diversos países no mundo ocidental perceberam, principalmente a partir dos estudos desenvolvidos pelos autores Bryant Garth e Mauro Capelletti, lançada em 1978, a necessidade fazer uma releitura do acesso ao judiciário, a fim de promover, efetivamente, o “acesso à justiça”. A obra citada identifica a necessidade de interferência em pelo menos três frentes de trabalho, alcunhadas de “ondas renovatórias de acesso à justiça”, quais sejam: i) assistência judiciária aos pobres; ii) representação de interesses difusos e coletivos; iii) modificações sistêmicas no trato das controvérsias.

Dentro da chamada terceira onda, afeta à necessidade de alterações sistêmicas, a processualística brasileira identificou: a necessidade de “desformalização do processo” com a simplificação dos ritos e procedimentos e a inserção de vias alternativas, também chamadas de equivalentes jurisdicionais, dentre eles a mediação que é o objeto central do nosso estudo.

Assim, o Brasil não passou ao largo da preocupação de garantir e incrementar as fórmulas de solução de conflitos.  Nesse sentido, vejamos as pertinentes observações do Ministro da Justiça no prefácio do Manual de Mediação do Conselho Nacional de Justiça[4]:

“o acesso à Justiça não se confunde com o acesso ao Judiciário, tendo em vista que não visa apenas a levar as demandas dos necessitados àquele Poder, mas realmente incluir os jurisdicionados que estão à margem do sistema, e, sob o prisma da autocomposiçao, estimular, difundir e educar o cidadão a melhor resolver seus conflitos por meio de ações comunicativas”.

 É de todo interessante a observação do Senhor Ministro, mormente no aspecto conclusivo, quando afirma a necessidade de resolução por meio de “ações comunicativas”. A expressão é uma clara referência à teoria do agir comunicativo desenvolvida pelo filósofo alemão Jürgen Habermas e que será objeto de estudo específico no desenvolvimento da presente investigação.

Pode-se afirmar, com certa margem de segurança, que a preocupação com as formas de acesso à justiça teve marco histórico o debate iniciado pelo professor Roscoe Pound, há muito tempo, mais precisamente na palestra “The causes of popular dissatifaction with the administration of justice”, proferida em 29/08/1906, na American Bar Association e reafirmada na Pound Conference, no ano de 1976.

Na oportunidade um professor de direito de Harvard, chamado Frank Sander, apresentou o Multidoor Courthouse System (Sistema de Múltiplas Portas), com a proposta de oferecer aos jurisdicionados, juntamente com a solução adjudicada, ou seja, a solução via sentença, outras opções ou formas de solução de conflitos. Assim, pela proposta, a partir de um diagnóstico preciso a respeito do tipo de conflito, propõe-se uma forma de resolução mais adequada.

A premissa do sistema proposto por Frank Sander é a multiplicidade de métodos solucionais, escolhendo-se aquele que apresenta maiores vantagens diante da lide já instaurada ou mesmo antes do ajuizamento. A Doutora LILIA MAIA DE MORAES SALES (2011) explica o funcionamento do Multidoor Courthouse System, vejamos:

preliminarmente, faz-se uma avaliação da querela por meio de pessoal especializado a fim de identificar, às partes ou interessados, qual instrumento de resolução de demandas (ou “porta”) será mais adequado à causa. O profissional responsável pela condução do caso pode ser um negociador, um conciliador, um mediador, um árbitro, ou um juiz. O importante é que se busquem métodos dirigidos especificamente ao problema identificado[5].

Não há dúvidas de que a experiência estadunidense, no sentido de ministrar uma adequada tratativa ao conflito, propicia um maior grau de satisfação do jurisdicionado, no entanto, o Multidoor Courthouse System não foi integralmente acolhido pelo ordenamento brasileiro. Contudo,  é de se reconhecer que a gênese da mediação no Brasil foi inspirada nos juizados de pequenas causas dos Estados Unidos. Nossa proposta inicial, contudo, não acolheu integralmente as técnicas do modelo norte-americano[6].  
      
A partir da criação do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, por força da E.C. 45, conhecida no meio jurídico e acadêmico como reforma do judiciário, a implantação dos métodos alternativos à jurisdição tradicional ganhou ares de verdadeira política pública.

Notas:        




[1] GRINOVER, Ada Pellegrini. Os fundamentos da justiça conciliativa. Mediação e Gerenciamento do processo. 1ª ed. São Paulo. Atlas, 2013. p. 2. 
[2] Sobre o tema : Ler ARTIGO “JUSTIÇA” COMO OBJETO DE CONSUMO: É POSSÍVEL SATISFAZER O SUJEITO CONTEMPORÂNEO?
[3] CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. 2.ª ed. São Paulo. Bookseller, 2000. v. II, p. 17.
[4] AZEVEDO, André Gomma (org.) 2012. Manual de Mediação Judicial (Brasília/DF: Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desevolvimento – PNUD)
[5] MORAES SALES, Lilia Maia de. SOUZA, Mariana Almeida de. O Sistema de Múltiplas Portas e o Judiciário Brasileiro. Direitos Fundamentais & Justiça da PUC-RS. Ano 5, n.º 16,  Jul/Set 2011. p. 204-220. Porto Alegre, 2011.
[6] Manual de Mediação Judicial, p. 22. 

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